É domingo, 31 de Julho, são 19h00 e entramos no Mosteiro de Alcobaça pela porta lateral, que dá acesso ao Claustro do Rachadouro. Lá dentro, um palco e, em frente, ao centro do claustro, uma plateia. Estão rodeados pelas amoreiras e pelas paredes do mosteiro. As pessoas vão entrando e vão-se sentando. São mais de 350 espectadores.
Em palco, a recentemente criada Orquestra Euro-Atlântica, dirigida pelo maestro Osvaldo Ferreira, interpreta Tchaikovski, recordando a história de amor de Romeu e Julieta. Por trás do palco, o sol começa a esconder-se atrás da parede do mosteiro.
Como a edição de 2016 assinalava os 400 anos da morte de William Shakespeare, foram destacadas algumas semelhanças entre o romance escrito pelo dramaturgo inglês com a mais famosa história de amor portuguesa: a de D. Pedro e D. Inês, ambos sepultados no mosteiro.
“Se Shakespeare fosse português, em vez do Romeu e Julieta, provavelmente teria escrito o Pedro e Inês”, afirmou Alexandre Delgado, director artístico do festival.
Lembrando que aquele mesmo espaço se vai tornar num hotel, pediu que possam continuar a realizar ali alguns concertos do Cistermúsica, bem como na antiga Biblioteca dos Monges, que também faz parte da área concessionada.
Afirmando que “esta foi das edições mais conseguidas de sempre”, destacou a evolução do ensino da música em Portugal e o papel do Cistermúsica nesse caminho. “O festival cumpre a sua missão de serviço de público”, resumiu.
Mas voltemos à música! Ainda antes do intervalo, segue-se a obra de Prokofiev dedicada ao mesmo drama de Verona, mas como este ano o mote do festival era precisamente a forma como Shakespeare aludiu aos descobrimentos – “o admirável mundo novo” -, depois do intervalo, chega a hora de se ouvir a sinfonia “Do Novo Mundo”, do checo Dvorak. Muitos até podiam não saber o que era, mas mal começaram a ouvir, acharam-na familiar.
O facto de se realizar num claustro permitia ver o céu azul, o sol a pôr-se ao fundo, os pássaros a voar… E eis que de repente uma pomba branca voa por cima da multidão. O som das folhas, ao serem agitadas pelo vento, combina com as notas musicais e com a mestria da orquestra. A magia do lugar permite uma viagem imaginária, sem sair do lugar e, no final, a valente salva de palmas da plateia foi prova da qualidade.
Foi precisamente no fim do concerto que falámos Maria Edite Condinho, do Bárrio, que, apesar dos seus 80 anos, não perde uma edição do Cistermúsica. “Eu estava habituada a ouvir concertos desde os anos 60 e conheço muito de música”, começou por explicar, para sustentar a opinião que defendeu de seguida: “este é o melhor festival de música do país”.
Descreveu o concerto de encerramento como magnífico e falou, precisamente, dessa viagem. “Eu já tenho 80 anos, mas fez-me rebuçar muitos, porque foram sinfonias muito bem escolhidas”, afirmou, notando que “a Sinfonia do Novo Mundo é uma coisa que enche a alma e que a mim me fez voltar aos anos 60 porque ainda tenho o disco em vinil”.
Já a jovem Catarina Balbino, de São Martinho do Porto, também é uma frequentadora habitual do Cistermúsica. “A música é o que me atrai”, esclareceu.
Quanto ao concerto de hoje, disse que “foi giro” e salientou a importância do festival na atracção de pessoas.
Ana Pagará, directora do Mosteiro de Alcobaça, disse que “o Cistermúsica é uma instituição” e que “é o evento de maior dimensão e importância que se realiza anualmente no Mosteiro e um dos festivais mais antigos da Europa que se realiza em espaços cistercienses”.
O AMOR, A MÚSICA E ROMEU E JULIETA
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A edição deste ano abriu com a ópera Romeu e Julieta de Gounod no Claustro do Rachadouro e voltou a trazer espectáculos de dança ao mosteiro, integrando ainda na sua programação marionetas. Igrejas, mosteiros, teatros, escolas, praças, parques, largos e museus foram alguns dos locais que receberam concertos do festival que teve um dos pontos altos quando o Coro Gregoriano de Lisboa actuou no local onde, antes de ser destruído pelas invasões francesas, se localizava o cadeiral do coro dos monges, no meio da nave central, proporcionando uma acústica única.
Além da programação principal, havia a programação Junior e Famílias, com programas para bebés, crianças e famílias e a Off Cistermúsica, com concertos de jazz e de rock em bares da cidade.
O festival contou com a colaboração de 28 voluntários dos sete aos 77 anos. Este ano conseguiu atrair perto de 5000 espectadores, registando assim o terceiro melhor registo de sempre, só superado pelas edições de 2013 e 2015.
Rui Morais, director executivo, salientou “o facto de o festival ser produzido por uma escola de música, que faz com estes músicos profissionais sejam um exemplo para os alunos e permite que estes sejam incorporados em alguns programas do festival”. Por outro lado, admite que “é possível fazer ainda melhor nos próximos anos”.
O Cistermúsica tem um orçamento de cerca de 200 mil euros, dos quais 150 mil são de fundos públicos (do Governo através da Direcção-Geral das Artes e do município) e 50 mil de apoios privados, mecenas e receita de bilheteira. Em termos de bilheteira conseguiram um total de 7430 euros brutos, portanto, mais de 6500 euros líquidos.
A terminar Rui Morais elogiou o “espaço magnífico que é o Mosteiro” e o enquadramento cénico que proporciona e garantiu que, após descansarem por um tempo, vão começar a “preparar uma edição ainda mais especial, porque serão os 25 anos”.