Nicola Henriques, 43 anos, é o rosto dos Silos Contentor Criativo e do aparecimento de um espaço de ateliers criativos que é também incubador de novas empresas à área. Este ocupa 1100 metros da antiga moagem de trigo da Sociedade Industrial Ceres, que laborou entre 1966 e 2003, contribuindo para dar nova vida a este edifício de carácter industrial.
Gazeta das Caldas conversou com o mentor dos Silos para conhecer a aposta na consolidação deste projecto, que está a estabelecer as primeiras parcerias internacionais. Este ano, os Silos vão receber grupos de teatro italianos, irlandeses e gregos enquanto que o grupo caldense Dentada Macaca, sediado no Contentor Criativo, viajará em Junho até Manchester para participar no Festival Internacional de Teatro que decorre naquela localidade.
Para crescer, os Silos procuram parceiros “que vejam as áreas criativas como mais valias para as suas áreas de negócio”, diz Nicola Henriques, empenhado nestas iniciativas que pretendem fixar criativos nesta região.
GAZETA DAS CALDAS: Como é que tudo começou?
NICOLA HENRIQUES: Os Silos Contentor Criativo partiu de uma ideia, criada para a disciplina de Projecto do curso de design de Ambientes da ESAD, no âmbito da dinâmica das cidades contemporâneas criativas e da regeneração de espaços industriais para as indústrias criativas. O projecto começou no rés-do-chão e depois evoluiu para o primeiro piso.
Inicialmente começámos com um grupo de 14 alunos da ESAD que entraram no espaço e que pagavam 45 euros por mês, o que contribuía para as despesas fixas que o espaço possui e que passam pelo aluguer, electricidade e internet.
Houve um mês de trabalho intenso para que houvesse as condições mínimas para poder funcionar.
De qualquer modo, ainda estamos longe de ter as condições ideais. No primeiro andar, por exemplo, o espaço é grande e frio e os materiais para o conforto térmico são muito caros… Temos tentado que o espaço seja mais confortável, mas durante os dois anos e meio iniciais, foi este o registo, apesar de termos feito pequenos investimentos, sempre que possível, para melhorar.
GC: Como era o relacionamento com a ESAD nesta fase?
NH: Já havia uma relação prévia entre o espaço com a escola pois já aqui se tinham realizado pelo menos duas exposição de finalistas da ESAD.
O proprietário do espaço, Manuel Paiva e Sousa – da Sociedade Industrial Ceres – também revelou interesse em apostar nas dinâmicas criativas e o facto de termos começado a desenvolver aqui o projecto Silos Contentor Criativo, proporcionou novas relações e o início da constituição de um polo de articulação entre a escola e a cidade.
O trabalho desenvolvido nos ateliers acabou por atrair outros contactos profissionais e laborais que se estabeleceram com o território local e de várias áreas, desde a arquitectura até ao grafittie.
A escola tem actualmente 25 anos e até então quase não havia fixação do capital intelectual criativo na região. E essa acabou por ser uma das nossas missões: contribuir para que as pessoas das áreas criativas se fixassem por cá. Começámos na Ceres com o projecto Silos e outros como o Tigre Anão (na área da cenografia e da animação), mais duas empresas que vieram do centro tecnológico de Óbidos e depois surgiu a DAR, empresa que se dedica às áreas do design gráfico, de produto e de moda. Começou-se a materializar a ideia dos Silos Contentos Criativo, um espaço dedicado aos ateliers de trabalho, de baixo custo, tal como acontece noutros espaços similares do mundo.
“Dormir entre museus e passear no Parque e Praça antes de ir trabalhar”
GC: Passou logo a contar com alguma projecção internacional?
NH: Já havia algum reflexo internacional, pouco, do que se fazia nos Silos através de alunos de Erasmus, que estiveram sempre connosco desde praticamente o início.
Mais tarde integrámos uma rede de residências internacionais e por cá passaram estudantes austríacos que, durante 15 dias, estiveram a trabalhar na área das artes performativas e numa exposição.
Esteve também, durante um mês, um artista plástico norte-americano, o Alex MacAdoo, que passado um ano regressou às Caldas. Voltou a escolher-nos entre outras 120 cidades criativas e fez-nos um excelente comentário na web, afirmando que por cá “se respira arte e criatividade”. Ele contou on-line que tinha o privilégio de acordar entre quatro museus (esteve instalado na residência do Centro de Artes), estar a dois minutos do Parque D. Carlos I e de, antes de ir trabalhar para os Silos, passar pela Praça da Fruta para comprar qualquer coisa, como frutos secos. De bicicleta ele percorreu a zona, indo à Foz e indo de autocarro a outras localidades do Oeste. Um privilégio que caracteriza os territórios de baixa densidade para as cidades criativas. Há estudos que permitem afirmar que os criativos podem trabalhar e viver nesta região. Precisamos de estruturar e de poder ter o apoio de vários sectores de modo a que os criadores optem por ficar a viver aqui e que não o façam apenas de passagem.
GC: Como foi evoluindo? Tiveram algum revés e como foi resolvido?
NH: Três anos depois e já com 62 alunos residentes (que alugavam espaços para trabalhar), com cerca de 20 exposições, começámos a ter problemas. Com a entrada da crise os alunos deixaram de poder pagar a mensalidades do arrendamento.
A partir de 2013 passámos a contar com o apoio da Câmara às associações Atelier Arte e Expressão e, posteriormente, à Destino Caldas, entidade que gere o projecto desde então.
Desta forma, os apoios mensais de 600 euros (em 2013 e 2014) e de 800 euros (em 2015) pagaram, respectivamente, 75% e 60% do valor do arrendamento.
O restante é obtido através do aluguer de espaços de trabalho (ou para eventos) e através das receitas do bar e das máquinas de venda.
Por termos apoio, os estudantes da ESAD não pagam pela utilização dos espaços de trabalho abertos, mas têm que fazer projectos para o local. Podem estar nos Silos durante um, três ou seis meses. Para integrar os espaços gratuitos nos Silos é feita uma entrevista e uma análise ao perfil e aos trabalhos que o aluno fez e quer fazer. Neste momento, os espaços de trabalho estão cheios e temos seis pessoas em lista de espera.
Há uma área com espaços que continuam a ser arrendados e, por isso, os autores têm o seu próprio ritmo de trabalho e de produção. Os espaços fechados no terceiro piso, têm entre 20 a 40 metros quadrados são seis e ainda há alguns livres para ocupação.
GC: Os candidatos aproveitam bem o tempo que cá estão? Que projectos têm sido desenvolvidos?
NH: Sim, temos alunos como o Gonçalo Fialho que já produzia as suas t-shirts desde os 16 anos e quando aqui chegam sabem que têm três meses para provar o que valem. Fazem exposições muito participadas, criam-se plataformas ligadas à ilustração e fazem-se iniciativas de várias áreas que fazem com que este espaço seja conhecido. Exemplo disso foi o evento performativo do grupo Pogo e também as participações no Caldas Late Night que atraem sempre muita gente a este local.
Presente nas Tasquinhas e no Cavalo Lusitano
GC: Em 2014, que outros projectos a surgiram nos Silos?
NH: Sim, fixou-se aqui o grupo de teatro Dentada Macaca. Começámos a estudar a possibilidade de ser um agente Erasmus Mais e de pertencer à plataforma do serviço europeu de voluntariado.
Ao mesmo tempo concorrermos com um projecto ao Orçamento Participativo – a associação Destino Caldas – que organizou eventos como o Bazar à Noite. Este decorreu em quatro edições, no Verão de 2013 e foi coordenado pelo grupo informal Criativa que tinha elementos como o arquitecto Filipe Santos e a responsável do Museu Hospital e da Cidade, Dora Mendes.
Os criativos que trabalham nos Silos também participaram nos 40 anos do 25 de Abril com a execução do programa gráfico e de comunicação (uma lona comemorativa que foi colocada na EPAC) e de um vídeo-mapping que foi apresentado no Largo da Copa.
Os Cartilagem – grupo de quatro jovens que alugaram um espaço nos Silos – são, por exemplo, os responsáveis pela imagem e comunicação, merchadising e boletim da União de Freguesias de N. Sra. Pópulo, Coto e S. Gregório.
Também estivemos no Festival do Cavalo Lusitano e criámos stands das uniões de freguesias e que marcaram presença nas Tasquinhas.
Vamos continuar a trabalhar para ligar os projectos da ESAD à comunidade e às instituições locais. Temos, por exemplo, uma boa relação institucional com o Museu do Hospital e com os empresários locais.
GC: O que precisam para continuar a expandir o projecto?
NH: Conseguimos fazer tudo isto com recursos mínimos. No entanto, se ainda assim conseguimos desenvolver projectos, creio que com um pequeno aumento dos apoios e de recursos seria possível fixar muitos criativos nesta região. É esse o objectivo.
Já com a implementação do processo de Bolonha e as licenciaturas de três anos acabou por marcar um retrocesso, dado que em três anos não dá para estabelecer uma relação forte com a cidade. Por outro lado, com a criação dos mestrados houve um volte face nisso que permitiu a estes estudantes uma maior ligação com o Cencal, com o vidro na Marinha Grande, ou com a cutelaria da Benedita. Por exemplo, o grupo Ervilha Criativa fez o mapeamento dos artesãos e oficinas de toda a região, o que permitiu uma visão diferente dos recursos que possuímos.
Além disso, temos a funcionar ao nosso lado, no espaço da Ceres, três estúdios de ensaio e gravação. Há várias bandas locais que ensaiam e gravam álbuns neste quarteirão criativo.
Tudo isto é prova que temos um território com recursos e a massa critica necessária para produzir e criar. Se tivéssemos mais apoios, conseguiríamos fazer muito mais…
À procura de parceiros para poder crescer
GC: Como acha que é a relação da cidade com os jovens criativos?
NH: A relação da cidade com os jovens criativos nem sempre é fácil, como por norma não o é em qualquer outra parte do mundo. Há códigos e estilos de vida próprios e tem que haver tolerância por parte das comunidades.
A criatividade é um potencial de desenvolvimento em várias áreas. Cria emprego nesta época de viragem e de procura de retoma. Vamos continuar a apostar em mostrar à cidade os projectos que aqui fazemos e a possibilitar que o público aqui venha, converse com o autor e até lhe adquira um trabalho. Porque não?
Queremos também continuar a manter parcerias com entidades mais e menos formais, desde a ESAD até à Electricidade Estética, que continua a apostar em ciclos expositivos regulares que têm lugar em vários espaços da cidade.
E pode também aliar-se ao turismo. Nós temos dois operadores turísticos de Lisboa a querer saber se poderiam incluir os Silos nos roteiros do Oeste, o que irá acontecer no futuro. Para já ainda não temos as condições ideais.
GC: Quais são os custos do funcionamento do projecto?
NH: Os Silos Contentor Criativo tem um custo mensal de 1400 euros por mês e cerca de 16 mil euros anualmente.
GC: Quantas pessoas trabalham e visitam os Silos?
NH: Durante o Verão movimenta cerca de 30 pessoas diariamente, ao passo que no ano lectivo chegam às 150. Em eventos como o CLN, passaram por cá 7.000 pessoas.
GC: E o que se espera para 2016?
NH: Estamos a cimentar relações institucionais com as entidades caldenses e exteriores e queremos apostar no aumento da comunicação do que aqui se passa. É um ano de consolidação, sobretudo.
Somos também uma agência do programa Erasmus, temos projectos ligados ao teatro com grupos internacionais, cujas candidaturas já foram aprovadas. Serão programas de 15 dias de residência artística com grupos de teatro italiano, outro irlandês e outro grego. A Dentada Macaca, grupo de teatro sediado nos Silos, vai viajar e participar no Festival Internacional de Teatro Manchester.
Fizemos uma candidatura para uma iniciativa de voluntariado europeu e um outro que nos permitirá estabelecer como um polo de turismo criativo. Este envolve promoção internacional dos recursos locais de edição, vídeo e uma acção directa com a hotelaria de turismo de habitação e casas de alojamento local. Vamos promover o trabalho que aqui fazemos na rede de universidades.
Actualmente, procuramos parceiros que vejam as áreas criativas como mais valias para as suas áreas de negócio e, deste modo, poder continuar a crescer, e a continuar o trabalho.






























