“Sem o livro e a literatura não teremos democracia nem liberdade”

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Ministra da Cultura marcou presença na inauguração do festival, que diz ter uma “programação absolutamente singular”

Palavras da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, que inaugurou a 9ª edição do Festival Internacional de Literatura de Óbidos – Folio, este ano dedicado à Inquietação. Os 50 anos do 25 de Abril e os 500 anos do nascimento de Camões estão em destaque

“A porta da vila torna-se a capa do livro que abrimos”. Eram assim dadas, na tarde de quinta-feira, 10 de outubro, as boas vindas à edição deste ano do Folio – Festival Internacional de Literatura de Óbidos. A comitiva, da qual fez parte a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, pararia alguns metros à frente para, junto ao Padrão Camoniano, ouvir o jovem obidense Olavo Mesquita ao piano. Rua fora a cultura continuou a cruzar-se com os visitantes. Os três artistas criadores Hugo Inácio, Dinis Binnema e Diogo Binnema, juntamente com 12 jovens talentos locais, alunos das escolas de Óbidos, deram “vida” à performance “palavras saltam das pedras”, interpretando trechos de Camões, Natália Correia, Zeca Afonso, Armando da Silva Carvalho e José Mário Branco.
A governante, que veio este ano pela primeira vez ao Folio, mostrou-se “fascinada”, dando nota da consolidação do festival literário, que tem uma programação “absolutamente singular”. Dalila Rodrigues invocou a circunstância de Óbidos ser um “local histórico da maior importância e esta relação entre o festival e o lugar nunca é indiferente”, realçando ainda a coincidência deste ano se assinalarem os 50 anos do 25 de Abril de 1974 e os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões.

A performance do Projeto “Palavras saltam das pedras”, composto por três artistas e 12 jovens estudantes do concelho

Na cerimónia de inauguração defendeu a necessidade de, em conjunto, promoverem o livro e a leitura pois sem eles “não teremos democracia nem liberdade”. E Óbidos, considera Dalila Rodrigues, “uma vez mais demonstra estar na primeira linha desse combate, fazendo jus ao seu título de vila literária”. A governante falou ainda da preocupação com a “concorrência desleal de redes e plataformas, na aparência mais estimulantes, mas a prazo ameaçadoras para a estabilidade das repúblicas, para a saúde das democracias e para o bem-estar mental dos nossos cidadãos”. Depois de recordar algumas das 25 medidas anunciadas na véspera para a área do livro e da leitura, admitiu que será “sempre pouco” e pediu o envolvimento de todos: poder central e autarquias, instituições da sociedade civil, empresários e editores e, sobretudo, leitores.
Referindo-se ao tema deste ano, “Inquietação”, o presidente da Câmara de Óbidos, Filipe Daniel, disse ser o “motor que nos move, a força que nos faz questionar, que nos incita à reflexão, à mudança e à criação”. E a literatura “sempre foi, e será, uma forma poderosa de traduzir essa inquietação em palavras que tocam, transformam e iluminam o caminho”, concretizou. Aludindo aos 50 anos do 25 de Abril, uma das temáticas em destaque no evento, lembrou que, na vila, há 51 anos, “ocorreu a célebre reunião de 1 de dezembro de 1973, um momento que marcou profundamente a história local e nacional, plantando uma semente crucial na preparação daquela que seria a nossa revolução”. Entre as novidades,

Uma das conversas com autores, na Livraria do Mercado
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Filipe Daniel destacou a app do festival, uma ferramenta interativa que permitirá acompanhar o programa em tempo real e saber mais sobre os autores, e a entrega de um voucher no valor de 20 euros a todos os alunos das escolas de Óbidos para comprar livros, nas livrarias aderentes. “Queremos criar leitores para a vida”, disse.
O autarca lembrou, uma vez mais, José Pinho, cuja visão e determinação foram “fundamentais para a criação e o crescimento deste festival” e cuja “paixão pela literatura e promoção da cultura em Óbidos fez do Folio uma referência internacional”. Também Joana Pinho se referiu ao pai. “Esta é uma edição muito especial para a Ler Devagar, como organizadora e curadora de uma parte do segmento do Fólio”, disse, acrescentando que “é a primeira edição em que o José Pinho [falecido em 2023] não teve a mínima intervenção, mas está sempre cá. É uma grande alegria ver que as coisas continuam a crescer e a melhorar”, concretizou.
A inclusão foi destacada pela vereadora Margarida Reis, no ano em que o evento conta também com “maior envolvimento” da comunidade obidense. Também presente, o presidente da Fundação INATEL, José Manuel Soares, recordou que a Folia tem tido um “papel importante” como espaço dedicado à celebração das artes e cultura popular, reforçando o compromisso de divulgar a cultura portuguesa, identidade e tradições e a diversidade cultural. Num palco que procura divulgar novas sonoridades e artistas com projetos pouco conhecidos do grande público, destacou o concerto de emmy Curl, a 18 de outubro e “num elogio ao património cultural imaterial, cumprindo uma missão da fundação enquanto instituição creditada pela Unesco”, mas também o espetáculo “Entre Nós”, que celebra os talentos emergentes locais e que fechou “em grande” o primeiro fim de semana da Folia.
Ainda no primeiro dia, Juju Bento recebeu o Prémio Millennium bcp “O Texto Vivo”, com o seu trabalho Baía do Ar, “uma experiência omnisensível de uma tipologia da ausência de ruído, proveniente da partilha área e, simultaneamente, singular, onde convido todos a escutarem-se humanos com Llansol”, explicou a jovem artista.
No próximo sábado será entregue outro prémio, da Fundação Fernando Leite Couto e criado para promover os jovens autores de Moçambique, a Francisco Panguana Júnior.

Casa cheia na inauguração da exposição PIM! e entrega do Prémio Nacional de Ilustração

Celebrar a democracia
A galeria Nova Ogiva é, por estes dias, um lugar de manifestação. Este ano o coletivo de ilustração, composto por 67 ilustradores internacionais e nacionais, foi convidado a escolher a sua causa, enchendo o espaço cultural com palavras de ordem, inquietações e cartazes a convocar para as mais diversas causas. Mantraste, o ilustrador residente deste ano fez também da galeria a sua casa da Pequena Paz, como pode ser apreciado na PIM! IX Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo. O artista caldense, que considera o Folio “o melhor festival do Oeste”, fez questão de ir visitar José Aurélio, que mandou construir a galeria Ogiva, para “perceber como poderia aproveitar bem o espaço”. Na tarde de sábado, Catarina Sobral foi distinguida com o Prémio Nacional de Ilustração, atribuído pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, com o livro “Fantasmas, Bananas e Avestruzes”. Perante uma sala cheia, disse tratar-se do reconhecimento daquele trabalho, mas também de toda a coleção Democracia (da qual eram os três livros nomeados), defendendo que hoje em dia é preciso “informar os mais pequenos sobre temas menos delicodoces”.
Também Mafalda Milhões, curadora do Folio Ilustra, realçou que o prémio foi “entregue à democracia, que ela tem de ser celebrada todos os dias”.

O Mercado do Objeto Inquieto, à porta da vila

Cartoons de António à entrada
Por toda a vila decorrem diariamente dezenas de atividades entre conversas, mesas de autor, tertúlias, lançamentos de livros, masterclasses, workshops, teatro, cinema e música. Há ainda 27 exposições. Entre elas, as Caricaturas de Escritores, do cartonista António Antunes, situada na Rua da Farmácia, dá as boas vindas aos visitantes. A exposição, que ficou destruída com as chuvas e ventos fortes do final da semana passada, foi de imediato reposta pela organização. Também de António Antunes foi apresentado o livro “António – 50 anos de Humores”, na Livraria Artes & Letras, pelo jornalista Joaquim Vieira e pelo Diretor da Gazeta das Caldas, José Luís Almeida Silva. Os oradores recordaram os principais episódios com que António se confrontou no meio internacional por cartoons publicados no Expresso, nomeadamente com o lobby judaico por um cartoon que ganhou o Grande Prémio no XX Salão Internacional de Cartoon em Montreal com um cartoon sobre os massacres de Sabra e Chatila, no Líbano. Também foram lembrados os cartoons do Papa João Paulo II com um preservativo no nariz e sobre os judeus, este último mais recente e publicado na edição internacional do New York Times, que acabou com os cartoons naquele importante jornal liberal americano. No debate os intervenientes foram unânimes em realçar o seu papel “insubstituível” na imprensa portuguesa na área do cartoon.
O festival continua com os seus vários capítulos abertos até domingo ao fim da tarde. Terminará com performance, uma ginginha poética e ao som das Ninfas do Lis a cantar José Afonso. A decorrer em simultâneo em vários locais da vila. ■

A exposição Caricaturas de Escritores, de António Antunes, é uma das 27 patentes no Folio
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