Salazar, o ditador que governou o país durante mais de 40 anos, era um homem depressivo que se recusava a viajar e que usava estupefacientes como o Eucodal, a mesma droga que Hitler tomava.
Estas e outras revelações são contadas na obra “A Queda de Salazar – O princípio do Fim da Ditadura”, da autoria dos jornalistas José Pedro Castanheira, António Caeiro e Natal Vaz e que foi apresentado a 1 de Fevereiro no CCC, numa sessão que contou com cerca de 40 pessoas.

“A Queda de Salazar – O princípio do Fim da Ditadura” tem como ponto de partida os primeiros dias de Agosto de 1968, data em que Salazar, a passar férias no Forte de Santo António da Barra (Estoril), “teve um acidente, quando uma cadeira de lona em que se iria sentar, se desconjuntou”. A queda, afirmou o investigador João Serra, encarregue de apresentar a obra, “foi aparatosa, o acidentado bateu com a cabeça no chão mas, no imediato, não terá tido consequências”. Estas só vieram mais tarde. O problema é que “não sabemos exactamente o dia da queda”, disse o historiador caldense, explicando que esta deve ter ocorrido entre 2 e 5 de Agosto.
O acidente foi mantido em rigoroso sigilo e o seu conhecimento restrito aos poucos colaboradores próximos do ditador. Salazar tinha então 79 anos.
A queda da cadeira só foi conhecida a 8 de Setembro e na sequência de uma cirurgia. O hematoma foi retirado, a operação correu bem, mas quase a ter alta, “sobreveio-lhe um AVC, a 16 de Setembro, que se revelaria fatal”, disse João Serra.
A sucessão do ditador entra na ordem do dia político e “resolveu-se com alguma rapidez”. O Presidente da República, Américo Tomás, chamou a si o processo e a 26 de Setembro comunicou ao país que convidara Marcello Caetano para ocupar o lugar que fora de Salazar durante 36 anos. O novo presidente do conselho foi empossado a 27 de Setembro.
Salazar sobreviveria até 27 de Abril de 1970. “Durante quase ano e meio, manteve-se numa espécie de redoma, uma cuidadosa encenação organizada pelos seus próximos, com a conivência dos altos cargos do regime, no desconhecimento de que já não exercia o cargo de presidente do conselho”, disse o caldense, que fez uma contextualização da época contemporânea e daqueles anos, marcados pela queda literal de Salazar que “metaforicamente é também a queda do regime”.
Referiu, por exemplo, episódios das lutas estudantis, as discussões sobre o Maio de 68 ou ainda a sua participação numa manifestação contra a Guerra do Vietname junto da embaixada americana. “A narrativa política deste livro ajuda a decifrar este tempo”, afirmou o historiador.

Gazeta das Caldas - Salazar
O público que ouviu e interagiu nesta sessão dedicada à história contemporânea

Um Portugal desconhecido

António Caeiro, um dos autores da obra, afirmou que esta procurou “reconstituir, sem amarras da censura, o que aconteceu há 50 anos e que faz parte da nossa história”. Segundo o jornalista, a investigação levou-os o descobrir um Portugal desconhecido. “As pessoas dividiam-se então em dois grandes grupos: os da situação e os da oposição e não se conheciam uns aos outros”, contou. E a imprensa, que é por norma o espelho de um país, “obedecia aos desígnios do poder e não podia informar a população do que estava a acontecer”.
Nesta obra mostra-se “o verdadeiro Salazar, um homem solitário que era o contrário do que se imagina que é um português”. Não gostava de Fátima, nem de fado, nem de futebol e há muito poucas fotografias do presidente do conselho em eventos. “Nunca casou, não constituiu família e desde cedo que deu sinais de sofrer de depressão”, referiu o autor. De qualquer modo nenhum médico “ousaria dizer que o ‘salvador da Pátria’ era um ser depressivo”, disse António Caeiro.
O presidente do conselho só foi cinco vezes a Espanha sem sair muito da zona de fronteira e nunca visitou as então colónias portuguesas. Afinal o ditador mais não era do que “uma criação dos propagandistas do regime ou do SNI [Serviço Nacional de Informação] da altura”, pois na verdade criaram uma figura que nada tinha a ver com a realidade.
Quando a selecção nacional de futebol ficou em terceiro lugar no Mundial de 1966 em Inglaterra, Américo Tomás convenceu Salazar a receber a selecção em São Bento e Salazar confundiu os jogadores Coluna com o Vicente e este com o Hilário “algo que era inaceitável na época”.
Um Salazar toxicómAno

- publicidade -

A jornalista Natal Vaz deu a conhecer que Salazar tomava Eucodal. “E é estranho pois está escrito nos seus diários e o facto não interessou aos historiadores”, disse a autora, explicando que tal como outros factos este era também um segredo de Estado.
Aquele estupefaciente era injectável e o ditador no fim da sua vida já o tomava três vezes por semana, tal como se encontram descrita nos seus diários. Diz-se que Salazar sofria de dores e que eram aliviadas por estas tomas. “O Eucodal é um opiáceo que foi utlizado pelo Hitler que dá uma energia fora do normal”, contou Natal Vaz. O ditador alemão, após ter tomado tal substância, quando se dirigia numa ocasião a Itália para se encontrar com Mussolini “esteve três horas a falar sem se calar e o italiano não teve oportunidade de nada dizer”. Escusado será dizer que nessa reunião o alemão “conseguiu tudo aquilo que queria”.
Mais tarde, o presidente do conselho vai tomar uma outra substância que lhe chega de França enviada pelo embaixador português em Paris, “mas não conseguimos aferir que tipo de substância esta seria, não duvidando que seria também um opiáceo”, revelou a jornalista.
Mesmo tendo feito pesquisa em vários arquivos e tendo ouvido muitos testemunhos os jornalistas consideram que o que se viveu naquele tempo era incrível “como se fosse uma ficção muito difícil de explicar”, disse a autora. E isto porque Salazar, já sem poder político, “ninguém ousava dizer-lhe que ele já não mandava e manteve-se a farsa e a morada em S. Bento, onde já nem deveria viver”, rematou.
José Pedro Castanheira, jornalista que trabalhou vários anos no Expresso, deu a conhecer que convidou António Caeiro e Natal Vaz para realizar este trabalho que numa primeira fase serviria para compilar o muito material que possui sobre Salazar. Ao longo dos anos foi entrevistando muita gente que fez parte da vida do ditador, tendo-se inclusivamente deslocado ao estrangeiro para falar com jornalistas franceses que conheceram Salazar.
“Só que o António e a Natal alteraram-me os meus planos para fazer algo muito melhor”, disse. Os três autores estão reformados e dizem que essa situação lhes facilitou o trabalho pois não houve as pressões dos chefes nem das agendas das redacções. Foram nove meses dedicados aos acontecimentos desde que Salazar caiu da cadeira de lona. O jornalista contou que passava férias no Baleal quando se soube, em 1968, que o presidente do conselho tinha sido submetido a uma operação a um hematoma sub-dural. Algo que só poderia ser muito grave, contou o jornalista, pois Salazar “era um homem que não tinha doenças, era uma espécie de Deus”.
Das suas muitas pesquisas relacionadas com a queda física e política de Salazar, José Pedro Castanheira foi somando também alguns fracassos profissionais. Tentou falar com um dos cirurgiões que integrava a equipa que operou o doente do quarto nº 68 (assim se referiam os jornalistas da época ao presidente do conselho) que preferiu não identificar e que vive em Peniche. Este, apesar de inicialmente lhe ter dito que dava a entrevista, acabou por recusar. O autor contou que a esposa do médico “tinha medo e preferia continuar a guardar segredo sobre a operação”. O jornalista mantém a esperança de o poder entrevistar.
Este livro, lançado no final de 2018, já foi apresentado em várias localidades do país uma delas Santa Comba Dão, terra onde nasceu e está enterrado Salazar. José Pedro Castanheira disse que encontraram uma assistência interessada: “o país felizmente muda e quem havia de dizer que a sessão iria ser promovida pelo presidente da Câmara que é socialista…?”.
O jornalista diz que estas sessões em volta do livro são importantes porque “é isso que se faz em democracia: falar de temas que há uns anos eram tabus”.
Já na fase das intervenções, Margarida Taveira, ex-vereadora da Câmara de Peniche, contou que Salazar, em finais dos anos 50, viajou às Berlengas a convite do presidente da Câmara de então.

- publicidade -