Rancho Folclórico Esperança na Juventude do Nadadouro

0
2200
Todos os anos o Rancho Esperança na Juventude actua na festa anual do Nadadouro em honra da Nossa Senhora do Bom Sucesso | Beatriz Raposo

“Somos um grupo humilde, às vezes pouco profissional, mas quando pomos os pés em cima do palco não ficamos atrás de ninguém”

Têm 36 anos e são um grupo maioritariamente jovem, com 34 elementos dos cinco aos 68 anos. Sobem ao palco com o nome Rancho Folclórico Esperança na Juventude e apresentam-se orgulhosos como sendo do Nadadouro. Quando lhes perguntam qual o ex-líbris da sua terra, respondem em voz unânime que é a Lagoa. O próprio traje dos homens é inspirado nos antigos pescadores que ali saíam de barco todos os dias.
O ano passado actuaram pela primeira vez fora do país, em Espanha. Sempre em representação da Associação Cultural e Recreativa do Nadadouro.

- publicidade -

 

É dia de festa em honra da Nossa Senhora do Bom Sucesso, no Nadadouro. Hoje é também o dia em que actua o rancho da terra, Esperança na Juventude. À medida que se aproxima a hora do espectáculo – que não irá decorrer no palco, mas directamente no piso do largo da festa, mais próximo da população – vão-se juntando mais e mais pessoas que vêm de propósito para assistir a uma tarde de folclore. Muitos são imigrantes e juntam-se ao rancho para dançar um corridinho.
“Dá-nos muito gosto que eles venham dançar connosco, até porque alguns que estão imigrados no Canadá também têm lá um rancho que traja quase igual a nós e dança as mesmas músicas”, diz Rosário Duarte, presidente do rancho do Nadadouro, realçando que a presença de tantos imigrantes nestas actuações demonstra que “embora estejam do outro lado do oceano não esquecem as suas origens”.
Foi um pouco o que aconteceu com Vítor Silva, que esteve na génese do rancho, emigrou depois para o Canadá, mas passado pouco tempo após ter regressado a Portugal, há 22 anos, voltou a integrar o grupo. Foi num dia de festival do rancho do Nadadouro que Rosário Duarte lhe pediu que se juntasse ao palco para tocar ferrinhos porque faltavam elementos. “A ideia era apenas ajudar naquele dia, mas cá continuo até hoje”, afirma Vítor Silva, que nos conta ainda que o rancho surgiu após se ter formado um núcleo para actuar no Carnaval de 80.
“Ensaiámos umas noites e como a experiência no Carnaval correu bem, pensou-se em avançar com um grupo de dança de folclore, que acabou por ser criado formalmente no ano seguinte, em 1981”, diz Vítor Silva. Rosário Duarte acrescenta que foi pela mão do acordeonista Luís Manuel que os ensaios começaram. Curiosamente, este tinha sido convidado para tocar no Rancho Alegria da Nossa Terra das Trabalhias e resolveu então também fundar um rancho na sua terra.
Mas ao que parece, a Esperança na Juventude não foi o primeiro rancho a representar a freguesia do Nadadouro. “Não me recordo do nome, mas lembro-me que chegou a haver um mais antigo que participava naquelas iniciativas do 15 de Maio em que a Câmara convidava os grupos da aldeia a virem desfilar à cidade”, recorda Vítor.

O EX-LÍBRIS DO NADADOURO É A LAGOA

Embora não sejam um grupo etnográfico, o rancho folclórico do Nadadouro faz representar as tradições da sua aldeia através das letras das suas canções – é exemplo o tema “Nadadouro Querido”, escrito pelo acordeonista Luís Manuel numa vez que foi aos Estados Unidos e que depois foi adaptado ao folclore – e também através das vestes dos homens. Estes trazem à cintura uma rede de pesca, em homenagem aos pescadores da Lagoa. Já as mulheres, vestem-se à saloia: meia branca, saia vermelha, avental preto bordado, camisa branca e lenço na cabeça.
“Não há dúvida que o melhor do Nadadouro é a nossa Lagoa. É desse paraíso que falamos quando vamos actuar lá fora”, conta Vítor Silva, acrescentando que antigamente ali trabalhavam muitos mais pescadores do que agora. “Era preciso um homem para ajudar na pesca à noite e arranjava-se sempre alguém, agora as burocracias e as licenças que são exigidas por lei não nos permitem fazer isso”, diz. Noutros tempos qualquer pessoa podia pegar num barco, não só pescadores, como também as pessoas mais pobres que matavam a fome com o berbigão ou as enguias que apanhavam na Lagoa. É pois em memórias desses costumes que o rancho dança.
Segundo Rosário Duarte já houve uma tentativa de mudar os trajes do grupo, mas sem sucesso. Foi numa altura em que as roupas estavam gastas do uso e se pensou em realizar uma pesquisa para adoptar um traje etnográfico. Fez-se inclusive um questionário aos elementos do rancho e à população, mas a maioria mostrou-se contra a mudança. Respeitou-se a sua opinião.
Outra curiosidade é que o traje da Esperança da Juventude é semelhante ao do Tá-Mar da Nazaré, rancho que é seu padrinho folclórico.

PSICÓLOGOS’ UNS DOS OUTROS

Há quase 20 anos que Rosário Duarte é dirigente do rancho. Além de dançarina e ensaiadora. Em tantos anos salienta que nem todos os momentos são fáceis. Quais as dificuldades? “É cada vez mais difícil manter os jovens no folclore e por outro lado temos as despesas não só com o acordeonista como com as deslocações”, diz, realçando que, no que respeita à juventude, a ida para a faculdade afasta os elementos do rancho. Há os que voltam depois, uns anos mais tarde, mas até lá há que substituí-los.
“Ao mesmo tempo isto acaba por ser um desafio constante, é preciso ir à luta para que o grupo esteja sempre composto”, afirma a responsável, revelando que há uns anos era possível formar o rancho apenas com a prata da casa, mas que agora as portas estão abertas a qualquer pessoa que queira entrar para o grupo. “Tantos aqueles que vierem ter connosco por sua iniciativa (como aliás já aconteceu), como aqueles que fazemos questão de convidar. Todos serão integrados”, conta Rosário Duarte.
Também no folclore a união faz a força. Que o diga Rosário: “acho que às vezes eles nem fazem ideia da força que me dão para continuar, porque não chega gostar disto para não baixar os braços, é preciso sentir apoio da outra parte”. A motivação que os elementos dão uns aos outros assemelha-se quase ao espírito de balneário que existe em algumas equipas desportivas e é mesmo a presença no rancho que, para algumas pessoas, assegura a sua estabilidade emocional.
Mas há mais valores que se ganham num grupo deste tipo. Como o companheirismo, a amizade, o saber-estar e o respeito pela tradição do folclore. Além que se fortalecem as raízes à terra natal. Na opinião de Rosário Duarte “esses valores são muitas vezes mais importantes que o saber dançar… tal como há elementos que até podem não ser os melhores dançarinos mas são imprescindíveis para a coesão do grupo”.
Para Salvador Duarte, 67 anos, o membro que há mais tempo pertence à Esperança na Juventude (desde o início), os ranchos têm outra mais valia. É que permitem aos seus elementos conhecerem o país de uma ponta a outra e, nalguns casos, viajarem até outros países. O rancho do Nadadouro estreou-se além fronteiras precisamente o ano passado – em Agosto foi actuar à Galiza – e por ano realiza em média 12 saídas. “Posso dizer que hoje aquilo que eu conheço do meu país se deve ao rancho. Não falo apenas em grandes cidades, mas também daquelas aldeias que poucos fazem ideia que existem, algumas que estão localizadas até bem perto de nós”, realça Salvador Duarte.

AS BOAS MEMÓRIAS TAMBÉM SE CRIAM DO CONVÍVIO COM OUTROS RANCHOS

De todas as viagens e actuações em que participam, há algumas que se tornam marcantes. Embora nessa altura nem fizesse parte do rancho, Vítor Silva recorda-se da actuação do grupo no Piquenicão das Caldas da Rainha. Só não sabe precisar a data, apenas que foi nos anos 80. “Ao mesmo tempo que decorria o Piquenicão, o Rancho estava a organizar o seu festival de folclore, então só podia actuar perto da uma da manhã no encerramento do certame… quando às 22h00 vi que o Campo da Boneca estava a esvaziar, pensei que não iam ter público, mas a verdade é que chegou a hora de subirem ao palco e o recinto estava tão cheio como não tinha visto em noite nenhuma”, lembra Vítor Silva.
Salvador Duarte também guarda na memória esta actuação, assim como momentos que passou em festivais que fez no Norte. Conta que por várias vezes as tocatas dos vários ranchos se juntaram para cantarem à desgarrada, num excelente convívio entre diferentes grupos. “Isto mostra que não são só as actuações que nos trazem boas lembranças, mas também os momentos de convívio, aquilo que comemos, as pessoas que conhecemos”, refere.
Quando lhe pedimos para descrever o Rancho Esperança na Juventude, Salvador Duarte fala com o coração. “Vejo um grupo humilde e jovem, às vezes pouco profissional, mas que quando mete os pés em cima do palco nunca falha”, afirma, acrescentando que há eventos em que se sentem “pequenos” ao pé de outros grupos, mas que os aplausos do público são o reconhecimento de que cumprem bem a sua missão.

 

36 anos de história…

Carnaval de 1980: Cria-se uma marcha para actuar no Carnaval das Caldas. Este grupo seria o protótipo daquilo que viria a ser o rancho.
Abril de 1981: O Rancho Folclórico “Esperança na Juventude” do Nadadouro é formalmente criado.
1982: Realiza-se o primeiro festival de folclore organizado pelo rancho do Nadadouro.
Anos 90: Não se sabe exatamente quando surgiu, mas durante cinco a seis anos existiu um rancho infantil no Nadadouro que chegou a actuar em pelo menos três festivais.
Agosto 2016: Primeira internacionalização do grupo, com uma actuação na Galiza.

- publicidade -