Rancho “Alegria da Nossa Terra” das Trabalhias

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O rancho “Alegria da Nossa Terra” em frente à associação das Trabalhias | DR

“Gostava que além de sermos folclore, também viéssemos a ser um grupo etnográfico”

 

São a alegria de Trabalhias. Assim o diz o próprio nome que adoptaram – Rancho “Alegria da Nossa Terra” – que surgiu em 1981 precisamente com o objectivo de trazer vida e animação à localidade. Hoje são 38 elementos, dos três aos 80 anos, que compõem este grupo que actua em representação da Associação Cultural e Desportiva das Trabalhias e é um dos três ranchos da freguesia de Salir de Matos.

 

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Isidro Feliciano, 72 anos, nunca fez parte do rancho, mas foi graças a si que o grupo surgiu, em 1981. “Eu fazia parte da comissão de festas e queria fazer qualquer coisa para animar a associação, que na altura era apenas um bar onde se jogava às cartas e ao chinquilho, pouco mais”, conta o fundador, que decidiu com os seus colegas de direcção formar um rancho folclórico. Juntaram-se e foram bater à porta de famílias onde sabiam existir adolescentes, convidá-los para entrarem para o grupo. Conseguiram cerca de 10 pares, mas faltava o resto. É que sobre o modo como se dançava ou que músicas se cantavam, Isidro Feliciano nada sabia. É nesta parte que entram Alzira Ribeiro e a irmã Idalina Maria, duas pessoas que foram peças-chave para o arranque do rancho.
“Nós em miúdas já tínhamos pertencido a outros grupos, então sabíamos qualquer coisa. Depois aperfeiçoávamos com o que víamos na televisão e mesmo observando outros ranchos”, conta Alzira Ribeiro. Mas continuava a faltar acordeonista. “Fomos arranjá-lo no Nadadouro, chamava-se Luís Manuel”, acrescenta Alzira, que depois viria a deixar o grupo quando emigrou para os Estados Unidos.

TRAJES ERAM INSPIRADOS NAS SAIAS NAZARENAS

Nos primeiros oito anos o traje das mulheres era diferente. As saias tinham pregas e um padrão aos quadrados, a imitar as da Nazaré. Isto porque ao início o grupo incluía no seu repertório danças típicas nazarenas e até dançava com arcos, ao estilo de uma marcha. Foi precisamente para se distanciarem destes costumes e assumirem uma identidade própria que o rancho das Trabalhias adoptou mais tarde as saias vermelhas com uma barra preta que foram bordadas à mão pelas gentes da freguesia. Mantiveram-se os aventais à cintura e os lenços na cabeça, assim como as camisas brancas. Hoje, todo o vestuário pertence à Associação Cultural e Desportiva das Trabalhias, sendo que cada traje ultrapassa os 100 euros.
Mas ao contrário de outros ranchos do concelho, o Alegria da Nossa Terra não sobe ao palco com os trajes tradicionais do camponês, da ceifeira ou do domingueiro. E a explicação está em que não são (ainda) um grupo etnográfico. “No fundo somos um grupo de dança de folclore, mas gostava muito que pudéssemos incluir também a representação etnográfica porque hoje em dia um rancho que não esteja associado à etnografia acaba por ficar para trás e às vezes até é excluído”, afirma Nisa Tavares, presidente e ensaiadora. Nunca o fizeram porque monetariamente sai caro e a associação nunca teve condições para dar esse passo, mas também porque a maioria dos elementos do rancho é a favor do traje actual.
Em contrapartida, é a etnografia que permite aos ranchos manterem vivas certas tradições que nem sempre os cantares ou os dançares evidenciam. Nisa Tavares dá o exemplo da descamisada, o nome dado à actividade que consistia em tirar as folhas que envolvem a maçaroca do milho. “Havia esse costume na região, mas nós não o representamos em palco. Então, como é que o damos a conhecer às novas gerações? É mais difícil”, salienta.

COMO CATIVAR OS JOVENS?

Normalmente o rancho ensaia à sexta-feira, excepto no Verão, altura em que se reúnem a meio da semana para que os elementos possam aproveitar melhor o fim-de-semana. Não é difícil juntar as 38 pessoas. Basta mandar uma mensagem, mas se hoje quem aparece vem principalmente motivado pelo gosto que tem ao folclore, antigamente vinha-se muito pelo convívio. É que numa aldeia onde pouco havia de entreténs, o rancho era o ponto de encontro das pessoas e também uma forma de se arranjarem namoricos. As novas gerações, se for preciso, namoram à distância de um clique.
De forma a cativar os jovens por mais tempo, a associação tornou-se num espaço onde os mais novos encontram várias distrações. Há jogos de setas, ping-pong, mesa de snooker e computador. Pode até parecer que isto não tem nada a ver com o rancho, mas relaciona-se na medida em que após os ensaios a juventude sabe que ali tem um local para passar o tempo entretida.
“Há vezes, em que cansados de um ensaio, ainda ficam para jogar à bola”, conta Niza Tavares, salientando que pelo facto dos elementos serem bastantes jovens surge outro problema: a ida para a faculdade. “No meu tempo as pessoas da aldeia não iam estudar para longe, mas hoje é cada vez mais comum”, acrescenta a responsável, realçando que actualmente o rancho atravessa um período positivo porque é raro que os dançarinos universitários faltem aos ensaios ou actuações.
Mas em 36 anos de vida, é impossível que todos os períodos sejam bons. “É muito importante ter actuações para manter o grupo motivado, senão ensaia-se para quê?”, explica Nisa, dando conta que o ano passado foi preenchido para a Alegria da Nossa Terra com cerca de vinte saídas, a maioria intercâmbios com outros ranchos.

TRÊS RANCHOS NA MESMA FREGUESIA

O rancho das Trabalhias é um dos três que anima a freguesia de Salir de Matos. Perguntamos se há rivalidade. Graciete Feliciano diz que agora já não. “Antigamente sim e às vezes até se acusavam uns aos outros de copiarem aquela ou outra dança, mas agora existe um espírito de fraternidade entre todos porque os responsáveis dos grupos também têm mentalidades mais abertas”, diz Graciete, que canta no rancho desde o princípio.
Hoje há até brincadeiras entre os ranchos, que quando se juntam no mesmo evento têm por hábito trocar de pares. Seria impensável há uns anos. O que também é curioso é que embora dancem os mesmos corridinhos, bailaricos, fadinhos, viras e carreirinhos, nenhum dos três ranchos dança de forma igual.
Na opinião de Graciete Feliciano, o rancho é o embaixador da localidade e um elo de ligação entre a população, mesmo aquela que não participa directamente. “Não há aqui nenhuma festa em que não actuemos e há sempre gente a assistir. Afinal, o rancho ainda chama pessoas…”, afirma, mas com noção de que o folclore diz mais aos mais velhos que à juventude da terra. E também aos emigrantes.
Para Alzira Ribeiro, que emigrou para os Estados Unidos, assistir a um espectáculo de folclore é “recuar aos tempos de juventude, às tradições que já não existem, quase me sinto mais nova”.
Mas o carinho dos habitantes das Trabalhias sente-se até nas actuações fora, porque há sempre pessoas que enchem o autocarro para acompanhar o rancho. Isidro Feliciano, que embora tenha fundado o grupo nunca quis integrá-lo, é daqueles que sempre que há lugar segue a Alegria da Nossa Terra. “Se não fosse o rancho provavelmente nunca tinha ido a Monção nem sabia que lá têm bom vinho verde”, afirma, acrescentando que as viagens servem também para fortalecer o convívio e a união entre todos. Ficam as boas memórias.

 

36 anos de história…

4 de Abril de 1981: O Rancho “Alegria da Nossa Terra” das Trabalhias é criado e actua pela primeira vez na festa anual de Maio da Associação
1989: Substituição da saia típica nazarena pela saia vermelha e o avental bordado, traje que hoje permanece
1998/1999: Criação do rancho infantil, que durou cinco anos (actualmente interrompido)
Em todos os Novembros de cada ano celebra-se o aniversário do rancho, festa para a qual são convidados outros grupos de folclore.

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