O documentário Uivo, do caldense Eduardo Morais, estará amanhã em exibição no Centro da Juventude. O filme é uma homenagem a António Sérgio, falecido radialista português que se notabilizou por difundir a música alternativa, dando a conhecer a toda uma geração novos estilos e novas bandas. Apesar de nunca o ter conhecido, Eduardo Morais diz que o radialista foi o seu “melhor amigo imaginário” durante os oito meses que o filme levou a ser produzido. No final, resultou um documentário com mais de 30 entrevistas a personalidades como Zé Pedro (Xutos & Pontapés), António Manuel Ribeiro (UHF), António Freitas (Antena 3) e Fernando Ribeiro (Moonspell).
“O António Sérgio definiu uma direcção na música portuguesa, foi um farol, uma espécie de Google para toda uma geração”, diz Eduardo Morais, referindo-se ao já falecido radialista. “Ele teve a abertura mental para, arriscando o próprio trabalho, levar ao seu público uma nova música”, prosseguiu, explicando por que motivo surgiu a ideia de criar uma homenagem à altura desta figura.
A importância deste radialista fica até patente na forma como Eduardo Morais conseguiu financiar o projecto. O produtor caldense recorreu ao crowdfunding (que consiste na apresentação de um projecto na Internet para o qual qualquer um pode contribuir) e, em apenas duas semanas, conseguiu angariar cerca de 600 euros a mais do que os 3.000 que precisava para o projecto. “É mais uma prova da quantidade de pessoas que ele ‘tocou’”, disse.
O produtor caldense diz que graças a este trabalho ficou a saber muito mais coisas sobre António Sérgio. Por exemplo, o radialista foi um pioneiro na divulgação do reggae, do hip-hop, do punk e do metal, e não apenas do rock e da música eléctrica.
Refere, no entanto, alguma “estranheza” ao pensar que passou nove meses a estudar uma pessoa que nunca conheceu e com quem nunca falou.
Uivo estreou no passado dia 1 de Novembro (exactamente cinco anos depois da morte do radialista) no Palácio Foz, em Lisboa. Daí para cá fez 15 exibições, percorrendo o país de norte a sul (Porto, Barcelos, Bragança, Viseu, Guarda, Coimbra, Portalegre, entre outras). Depois das Caldas segue para Setúbal, Beja, Loulé e Évora.
Eduardo Morais conta que desde o início do projecto (a começar pela própria adesão à recolha de fundos) sentiu um grande apoio por parte de toda uma geração que era fã do lobo da rádio e que o tem congratulado pela iniciativa.
“É o feedback mais gratificante que posso receber de uma geração mais velha que a minha”, disse. Por outro lado, realça o facto de a sua própria geração se ter manifestado com entusiasmo durante as projecções do seu documentário.
Apesar de admitir nunca ter sido um assíduo ouvinte dos programas de António Sérgio, este radialista passou a ser uma referência também para Eduardo Morais.
O facto de nunca o ter conhecido proporcionou-lhe uma imparcialidade e afastamento em relação ao protagonista do seu filme que levou Ana Ferrão (viúva de António Sérgio) a aceitar que fosse o caldense a documentar a história do marido ao invés de outros que já haviam manifestado o seu interesse.
Três documentários sobre o passado
Eduardo Morais tem 28 anos e nasceu nas Caldas, onde fez todo o seu percurso escolar. Frequentou a D. João II e depois a Raul Proença e licenciou-se em Som e Imagem na ESAD. Abandonou a sua terra natal quando acabou a campanha de crowdfunding, ao aperceber-se que teria de realizar mais de 50 viagens à capital para tornar Uivo uma realidade. Para trás ficou também o seu trabalho como programador e barman do Parqe Club.
O gosto pela produção cinematográfica surgiu ainda nas Caldas, no local onde passava grande parte do seu tempo -a loja de discos My Generation -, e quando descobriu que existiam bandas de rock em Portugal nos anos 60. “Foi aí que me atirei às lides documentais”, contou.
Na altura produziu “Meio Metro de Pedra”, apelidado pelo próprio como a contracultura do rock n’ roll nacional. “É como o meu primeiro álbum, mais ‘punk’, criado com menos meios”, exemplifica. Este seu primeiro trabalho levou dois anos a ficar concluído (entre 2009 e 2011) porque o prometido apoio da Câmara das Caldas tardou em chegar. “Chegou quando o documentário já estava feito”.
No ano passado realizou “Música em Pó”, uma homenagem aos coleccionadores nacionais de discos de vinil. Também financiado através de crowdfunding, conseguiu angariar 1025 euros, um valor superior aos 900 euros que precisava para este projecto.
Desde então conta com a colaboração “mais que preciosa” de João Pombeiro, um leiriense que reside nas Caldas desde que se licenciou na ESTGAD (nos anos 90). Descrito por Eduardo Morais como “um mago do audiovisual”, este caldense por adopção ficou encarregue de toda a parte gráfica e de praticamente todas as segundas camadas do documentário (separadores e extras).
Apesar de confessar que adora as Caldas da Rainha, o produtor não deixa de denotar que o incentivo à cultura continua “miserável” por parte de quem a deveria apoiar, o que leva à criação de espaços e actividades por parte de alguns nichos urbanos que a cidade recebe mas não apoia. “Um jogo de egos predominante e aborrecido…”, queixa-se.
É por esse motivo que não planeia voltar às Caldas. Diz que na área profissional que exerce a cidade está “demasiado castradora”. Por outro lado, os seus objectos de estudo estão, maioritariamente, em Lisboa. Para além disso, denota uma falta de sinergia entre as várias associações que são criadas nas Caldas.
Isaque Vicente
ivicente@gazetadascaldas.pt






























