Durante um espectáculo no CCC o público vê “apenas” o que está a acontecer no palco, mas muito se está a passar à volta para proporcionar aquele acontecimento. Gazeta das Caldas foi conhecer os bastidores do centro de congressos e dá a conhecer aos seus leitores o que se esconde por trás das cortinas e nos corredores interiores de um edifício com a altura de dez andares.

É dia de concerto do Caldas Nice Jazz no CCC. Logo de manhã, por volta das 5h00, já a directora de produção, Dina Santos, sai a caminho do aeroporto de Lisboa para ir buscar os artistas e deixá-los no hotel na cidade termal. Uns preferem permanecer ali até ao teste de som, outros gostam de conhecer o local que os acolhe.
O dia vai avançando e ainda faltam mais de quatro horas para o espectáculo, mas no grande auditório do CCC já se trabalha.
No palco, com 600 metros quadrados – um dos maiores em Portugal -, preparam-se as pernas de pano, que descem do tecto nas laterais do palco. Para tal recorre-se ao “navio”, a estrutura tecnológica com dezenas de cordas e centenas de contrapesos (de sete quilos cada um) que controlam as varas, que servem para suspender e elevar pessoas, iluminação, cenários, os panos, etc.
“Chama-se navio porque o sistema é baseado na tecnologia naval que era utilizada para içar as velas das naus, porque quem fez os primeiros teatros foram os carpinteiros navais”, conta José Ramalho, coordenador do departamento técnico do CCC desde sempre.
Este é um sistema assente em três níveis de altura distintos. A teia encontra-se ao nível do sexto andar acima do solo, a 20 metros de altura.
No caso do CCC existem 58 varas manuais (com capacidade de carga de 500 quilos), mas também já há 12 motorizadas (que aguentam 750 quilos) controladas através de uma consola.
Lá em baixo, no palco, ultimam-se os preparativos em termos de iluminação e chegam, entretanto, os artistas para ver a sala e confirmar se o back line (os instrumentos e o seu posicionamento) estão conforme aquilo que pediram.
É que, como é óbvio, as bandas não andam com os instrumentos de um lado para o outro (salvo casos específicos). Estes são fornecidos pelos organizadores, que, se não os possuirem, têm de os alugar.
Entretanto as roupas que os artistas usam em palco precisam de ser passadas a ferro. Enquanto isso a banda contacta com o espaço e com os técnicos e começa o sound check (teste de som), para equilibrar os diversos instrumentos em função da performance que quer ter. É também nessa altura que se finaliza a iluminação.
Feito o teste de som, começam a contar-se as horas para o espectáculo, tanto para os artistas como para a equipa, que ainda termina alguns preparativos antes de ir jantar. Já a banda, normalmente, passa esse tempo a repousar ou a conviver nos camarins, onde é servido um lanche e o jantar (antes ou depois do concerto).
José Ramalho explica que nesta altura é essencial que os artistas sintam que têm tudo o que solicitaram e que existe “uma equipa que garanta a estética do seu espectáculo”.
Quando a banda recolhe aos camarins, a equipa faz a chamada filigrana do trabalho, arrumando o ruído visual e técnico, prendendo os fios (o chamado esparguete) e limpando tudo. Colocam-se as águas junto aos instrumentos, colam-se as alcatifas ao chão e a equipa retira-se para ir jantar por volta das 19h00.
Uma hora e meia depois, e já com o estômago aconchegado, a equipa reúne-se no grande auditório para finalizar tudo.
Ajustam-se as dez pernas de pano e cada um toma a sua posição. É que quando começa o concerto, a equipa no backstage tem de “garantir que o público só se preocupa com o espectáculo, ainda que esteja muita coisa a acontecer”.

O abrir das portas

Chega-se a hora de abrir as portas. Todo o processo é controlado na lateral do palco, com recurso a vários ecrãs. É junto a essa zona de controlo que os artistas esperam a sua entrada, enquanto conversam depois de descer dos camarins.
Tocam-se os gongos a avisar que o espectáculo vai começar e que as portas vão fechar. As luzes começam a apagar-se, lança-se a mensagem de voz inicial e 3, 2, 1… José Ramalho estende o braço, abrindo o caminho para o palco aos artistas, que são recebidos com palmas.
Durante aquelas quase duas horas da actuação a equipa funciona como um piquete de prevenção, sempre pronta, seja por qualquer motivo técnico ou outro. Uma vez, por exemplo, uma artista já com uma idade avançada caiu em palco e a equipa ficou toda em stand-by, sem saber se devia avançar ou não. “Ela disse que não queria ajuda de ninguém, riu-se e cantou sentada”, contou o director de palco e projeccionista, Pedro Godinho.
Muita gente pensa que este é o melhor sítio para ver os espectáculos, mas está enganada. Não é o melhor local para ver e também não o é para ouvir! Ainda assim, isso não impede que se bata um pezinho ou se abane a cabeça ao ritmo da música.
Ao fundo da sala, nas costas dos espectadores, fica a régie, onde encontramos o técnico de luz, Ricardo Pimentel. Em termos de iluminação é essencial dar luz clara aos artistas, sendo que as cores podem rodeá-lo. Neste caso havia um pianista e nesta sala dedicam-se-lhes quatro projectores: um exclusivo para as teclas, outro para o pianista, um para o piano e um em contraluz.
Depois define-se se as luzes dos camarotes e da tribuna devem ou não ficar acesas, o que depende da lotação do espectáculo. O fumo é feito com recurso a sais naturais e permite dar volumetria à luz.
Num dos casos a luz no palco não podia ser vermelha. Por capricho? Não! Porque as cordas da harpa com a luz vermelha não se viam.
Ricardo Pimentel trabalha no CCC há cerca de dois anos. Controla perto de 50 projectores, naquilo que chama de uma montagem simples. Durante aquelas duas horas através da sua mesa controla a intensidade, a posição, a cor e as formas projectadas. “É um trabalho que exige concentração e sincronização, especialmente quando não conhecemos o espectáculo e temos de tentar perceber os momentos e os sinais e improvisar consoante aquilo que está a acontecer, prevendo o que vem depois”.
Uma das maiores preocupações é a subtileza nas mudanças.

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Controlar 300 botões físicos e virtuais

Na régie controla-se ainda a projecção de vídeo, uma tarefa que compete a Sérgio Roxo. E lá também é possível controlar o som, sendo que a mesa de som é muitas vezes montada na última fila da plateia, para que o ouvido do técnico fique mais próximo da fonte sonora. “O ponto ideal é três filas acima da fila intermédia, ao centro”, mas por uma questão visual optaram por não a colocar nesse local.
João Nunes é o técnico de som do CCC desde que o edifício foi inaugurado. Controla cerca de 300 botões, uns virtuais outros físicos. É ele quem calibra o sistema sonoro para que a cobertura seja homogénea e para que “todas as pessoas tenham boas condições para escutar”.
No seu trabalho a parte mais importante é o teste de som, que permite testar e corrigir a qualidade do som. “Durante o espectáculo são apenas pequenos ajustes, consoante os músicos, que não conhecemos”. Essa é mesmo uma das grandes especificidades de um técnico de som ou de luz de um edifício cultural e não o técnico de uma banda, que acompanha com regularidade e conhece.
É também da sua responsabilidade a gravação sonora do concerto. Enquanto nos mostra uma grande diversidade de microfones que o centro cultural possui, conta-nos que aqueles que vivem da voz, optam muitas vezes por trazer os seus próprios microfones e que também há bandas que se fazem acompanhar de técnicos de som e de luz.
Em 13 anos de trabalho tem histórias curiosas, como uma vez em que se esqueceram de um rolo de fita no palco, ou uma outra em que ficou uma cadeira que não devia. “E ninguém viu, só nos apercebemos depois do início”.
A equipa técnica é composta por seis pessoas (e estagiários da escola Bordalo Pinheiro), mas a realização de um espectáculo envolve sempre cerca de 30 pessoas, entre a direcção, administração, produção, recepção e bilheteira, seguranças, etc.
“Seja com um ou com dez artistas em cena, o trabalho não é proporcional ao número de pessoas em palco”, realça José Ramalho.
O concerto vai decorrendo, música após música, e quem está na plateia nada vê além do que está em palco. Ainda assim, nas laterais, por trás das cortinas, há pessoas a circular, a captar imagens e a garantir que tudo corre bem. Não há um minuto de descanso para garantir que o espectador recebe o produto artístico com todas as condições.

Depois do espectáculo, a desmontagem

No final do espectáculo o artista “desaparece” para os camarins depois de assinar um póster que o CCC guarda para a sua colecção. No palco ficam os instrumentos e fica a equipa, agora a fazer a desmontagem de tudo.
Por vezes é preciso montar o fosso de orquestra, descendo um elevador com as três primeiras filas de cadeiras (60 lugares), desmontando os módulos e arrumando-os por baixo da bancada seguinte.
O local fica a seis metros de profundidade, junto ao subpalco. É que como qualquer boa sala de teatro, o palco do CCC tem uma série de alçapões, as chamadas quarteladas, que permitem subir e descer actores e adereços de e para o subpalco.
Outra particularidade é a necessidade de virar, literalmente, as paredes ao contrário. É que, embora muita gente não saiba, o grande auditório é revestido por painéis que permitem absorver ou reflectir o som, consoante as necessidades.
Entretanto os panos são levantados, os instrumentos e os cabos retirados e arrumados e o palco fica vazio, que amanhã a música é outra.

Com um ano de antecedência já se prepara o festival

Se o dia de espectáculo começa, por vezes, às 5h00, a preparação de um festival como o Caldas Nice Jazz já se iniciou muito tempo antes. Essa é uma tarefa que começa com um ano (ou mais) de antecedência, quando se define o cartaz e se começam os contactos com os artistas desejados. Depois chegam os riders técnicos com as exigências de cada banda e prepara-se a comunicação do evento. A produção está presente em todas as fases.
A montagem do fosso de orquestra

Os concertos da programação principal trazem vários nomes grandes do jazz a nível internacional e normalmente com a assinatura do contrato é logo fornecido o rider técnico, ou seja, uma listagem com as necessidades e especificidades exigidas pela banda. Ali é descrito o que a banda precisa em termos de instrumentos, de som, de posicionamento em palco, de iluminação, mas também ao nível das viagens e do catering.
Os riders técnicos variam muito de espectáculo para espectáculo e são essenciais para a planificação do trabalho da equipa técnica, permitindo que muito do trabalho seja feito na pré-produção. Por outro lado, permitem perceber quais os custos de realização que vão além do cachet do artista.
Este ano, por exemplo, no caso de Brad Mehldau, que foi um dos artistas que actuou no CCC, o rider exigia um banco de pianista com 38 centímetros de altura. Pode parecer um capricho, mas não é. Os motivos estão ligados à saúde e ao conforto do artista. Só que essa exigência criava um problema, que a equipa transformou numa oportunidade. “Não existem bancos de pianista de 38 centímetros, então tivemos que adaptar um e fazer nós um banco, que o artista depois levou com ele”, conta José Ramalho.
Noutro dos concertos chegou o rider técnico, mas faltava o stage plot (a implantação dos instrumentos em palco). Contactada a banda, respondeu de imediato, com uma fotografia de um desenho feito a caneta num guardanapo, que serviu perfeitamente o seu propósito.
“Neste festival as exigências são realizáveis e estão mais ligadas com o catering e logística de recepção, como o facto de um ou outro elemento ser vegan, por exemplo”, explicou José Ramalho. As excentricidades acontecem nos grandes festivais.

Produção presente em todas as fases

A parte de preparação do catering compete à produção, nomeadamente, a Dina Santos, que também está no CCC desde que o edifício abriu as suas portas. É agora a única dos funcionários da autarquia que foram transferidos para formar a equipa inicial do CCC e que ainda trabalha naquele espaço.
É ela que trata dos contactos com as bandas e que prepara os orçamentos, tomando nota das disponibilidades de cada um, para depois o director do CCC e director da programação do festival, Carlos Mota, definir o cartaz.
Mas também é da sua responsabilidade a transmissão dos riders técnicos à equipa técnica e a comunicação do festival, pedindo o material informativo aos artistas, organizando-o e preparando a sua divulgação. Depois, segue-se a abertura das bilheteiras.
No dia do espectáculo há que preparar a frente de casa (com um briefing uma hora antes da abertura das portas) e as mostras de bebidas e vendas de merchandising no foyer. “A produção está presente em todas as fases, na pré-produção, no durante e no pós-festival”, faz notar, acrescentando que “para se fazer este trabalho é preciso gostar do que se faz, porque é muito esgotante, mas também se aprende muito e é bastante gratificante quando recebemos e-mails dos artistas ou do público a elogiar a recepção, a organização e a forma como foram tratados, porque esta é a imagem com que ficam das Caldas”. É por isso que, sempre que os artistas têm tempo, lhes mostram a cidade e os sítios emblemáticos.
Quando os artistas vão embora é necessário dar uma volta aos camarins para ver se as bandas não se esqueceram de nada. O dia em que os camarins receberam mais gente, recorda Dina Santos, “foi quando veio um autocarro com 50 artistas chineses do Circo de Pequim, Peking Acrobats”. Os bailados russos também trazem sempre cerca de 40 pessoas para actuar. E uma vez realizou-se o Dia da Música da Orquestra Metropolitana da Música, com cinco autocarros cheios de músicos a ir e vir de Lisboa para actuar durante todo o dia.
Carlos Mota, director do CCC, recorda alguns episódios curiosos que ocorreram no contexto do festival, como quando a norte-americana Hailey Tuck se esqueceu dos seus sapatos nas Caldas e quando uma banda britânica, depois da vinda à cidade termal, levou a chave do quarto do hotel para Inglaterra. Já os Donauwellenreiter (Os Surfistas do Danúbio) quiseram aproveitar para conhecer a onda gigante da Nazaré e acabaram por tirar uma fotografia que fez a capa do álbum seguinte da banda.

Fazer de um café uma sala de espectáculos

O CNJ inclui o JazzOut, que leva concertos a diferentes espaços do concelho acrescendo dificuldades técnicas. É o transporte da estrutura humana e de alguma da estrutura técnica para a rua. Nesses casos, os artistas levam os instrumentos.
Mas a montagem é feita durante a actividade normal, por exemplo, de um café ou do terminal rodoviário da cidade. “Temos que nos adaptar a espaços que não são salas de espectáculo e tentar ali incluir os elementos técnicos”, explica José Ramalho.
Apesar da estrutura técnica ser menor, com menos focos de luz e menos variáveis para controlar, o nível de exigência e a quantidade de horas de trabalho é similar.

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