“Play House” é a mais recente peça do Teatro da Rainha em que os protagonistas são dois jovens namorados que vivem juntos pela primeira vez. Uma história romântica? Não, muito pelo contrário. “Play House” põe a descoberto as fragilidades de Simon (António Parra) e Kristin (Isabel Carvalho), que rapidamente se apercebem que partilhar a mesma casa é um desafio maior do que esperavam. Como lidar com a rotina? Com a decisão de ter ou não ter filhos? Com os problemas exteriores (familiares e não só) que entram pelo apartamento adentro? Todas estas questões estão presentes em 13 curtas cenas cujo cenário se vai transformando a um ritmo frenético. Para ver até dia 28 de Outubro, de quarta-feira a sábado, às 21h30.
“Tu criaste-me”. Esta é uma das frases marcantes da primeira cena, em que os dois namorados estão deitados no chão, praticamente às escuras, não fosse a luz de um pequeno candeeiro de secretária. É assim que Simon se dirige a Kristin, de forma apaixonada, admitindo perder-se nos olhos claros dela como “uma pedra que cai num poço sem fundo”. O casal acaba de se instalar na sua nova casa, localizada nas periferias de Londres. Nunca tinham morado juntos.
Na cena seguinte, o clima é já menos romântico. Enquanto Simon limpa o frigorífico, Kristin desabafa que recebeu um telefonema da mãe. O pai havia sofrido um esgotamento nervoso, ou surto psicótico, corrige Simon. Este é o primeiro momento em que o espectador se dá conta que o ambiente familiar de Kristin não é tranquilo e de como isso interfere com o casal. Entre o pai que pegou fogo às cortinas e a mãe que não quer ver a filha fora de casa – muito menos para morar num apartamento tão modesto como aquele – há uma série de problemas que afectam Kristin e, consequentemente, o seu companheiro.
Curioso é que sobre o passado de Simon nada se sabe, excepto que teve um gato. Do presente, sabemos apenas que é o mais jovem chefe no departamento comercial da sua empresa. Mas de qual empresa? Não há resposta.
Apercebemo-nos que os meses vão passando à medida que as personagens trocam de roupa entre cenas, 13 no total. O próprio cenário também se modifica ao longo da peça: o lugar onde está montada a cama transforma-se numa pista de dança, que depois passa a sala com um sofá. Tudo isto é feito em segundos, sobre um ruído de fundo onde se reconhece o som das buzinas dos carros e o lufa-lufa da cidade de Londres.
Entre outros problemas que se levantam destacam-se a decisão de ter ou não ter filhos (Kristin parece mais convencida que Simon), a proposta da vizinha de cima que sugere uma “curtição” a três, os alunos indisciplinados de Kristin e as dúvidas sobre a própria relação. Há momentos de entendimento e desentendimento, de intimidade e completo desconhecimento, de ternura e de raiva.
“Tudo é um ciclo de emoções, uma experimentação com altos e baixos em que a casa surge como um laboratório em que o casal explora uma intimidade desconhecida”, afirma o encenador Fernando Mora Santos, acrescentando que o título da peça – “Play House” – é uma ironia em diversos sentidos. Por um lado, representa o início da vida em comum e a construção de uma nova casa, que se vai compondo à semelhança de um lego. Por outro, “Play House” é também o palco onde duas personagens encarnam vários papéis e disfarces, consoante os contextos, e o espaço onde estes brincam pela primeira vez “às casinhas a sério”.
“Esta é uma peça muito mais sobre dois jovens que se desconhecem do que sobre uma ideia de amor que se sobrepõe a todos os problemas”, refere Fernando Mora Santos, para quem o autor do texto (Martin Crimp) tem uma escrita “terna e cruel ao mesmo tempo”.
Além disso, Martin Crimp distingue-se pela forma como cria um guião ambíguo, que obriga o público a estar atento às ligações que existem entre as cenas e a fazer uma série de deduções sobre a história daqueles dois. Sabe-se, por exemplo, que o pai de Kristin detestava o seu ex-namorado, mas não é explícita qual é a sua opinião sobre Simon. Do mesmo modo, na cena final, Kristin surge ajoelhada no chão, a brincar aos bebés, mas o espectador fica na dúvida se ela estará ou não grávida. O próprio futuro da relação termina em aberto, ainda que se deduza que o casal dará uma nova oportunidade ao namoro.
“Play House” é a terceira obra de Martin Crimp em cena na Sala-Estúdio do Teatro da Rainha, depois de “O Estranho Corpo da Obra” (2012) e “Definitivamente as Bahamas” (2014). Foi traduzida por Isabel Lopes e pode ser vista até 28 de Outubro.































