Uma peça que questiona a definição de normalidade. Uma peça que é um exemplo de inclusão social. Uma peça que é um murro no estômago. “Olívia e Eugénio – Uma Lição de Amor” é tudo isto e mais ainda.
A produção é de Filipe La Féria e a interpretação de Rita Ribeiro e Tomás de Almeida, este último um jovem com Síndrome de Down.
A peça estreou em Março, no Dia Mundial da Trissomia 21, e passou pelo Centro Cultural e Congressos no passado sábado, dia 23 de Setembro.
Quem é que é normal? Um racista? Um pedófilo? Um currupto? Um jovem obeso que passa os dias a comer fast food? Serão estas pessoas mais normais do que alguém com Síndrome de Down? São estas algumas questões que Olívia (Rita Ribeiro) lança para o ar enquanto fala sozinha, na sua sala. Esta noite será determinante para a sua vida.
Olívia é proprietária de uma galeria de arte, mulher bem sucedida e mãe de Eugénio, um rapaz que nasceu com Trissomia 21. “O mundo está cheio de gente louca. Quem dera à mãe de um terrorista ter um filho como tu”, desabafa a personagem, que soube recentemente que lhe diagnosticaram cancro da mama.
Esta notícia fá-la repensar sobre a sua vida: lembra-se do falecido marido que era viciado no jogo e no álcool, do filho mais velho que já casou uma série de vezes e só lhe telefona para pedir dinheiro, do sonho nunca concretizado da pintura, dos seus amantes e de como foi uma jovem cobiçada pelos homens, mas que agora está a envelhecer. Recorda-se também do dia do nascimento de Eugénio (nome que em grego significa “o bem nascido”).
“O médico veio ter comigo, disse-me que trazia más notícias. Que tinhas nascido com Síndrome de Down, não percebi. Falou-me em Trissomia 21, fiquei na mesma. Até que ele disse que eras mongolóide e aí eu entendi”, diz Olívia, confessando que naqueles primeiros instantes sentiu vergonha do filho. “A minha vida era boa, tinha acabado de tirar um doutoramento em Artes na Universidade Católica e tinha uma galeria conceituada. Que desgraça era esta?”, acrescenta.
A verdade é que o choque rapidamente deu lugar a um amor sem igual e ao longo da peça é claro o carinho que Olívia tem pelo filho. Abraça-o, brinca e dança com ele. Dá-lhe beijinhos. Diz-lhe: “quem gosta de ti, gosta de ti pelo aquilo que tu és. Tens a capacidade de apenas ver o lado humano das pessoas, porque não distingues o preto do branco, o rico do pobre, o bonito do feio”.
Eugénio tem 30 anos, gosta de pintar e o Titanic é o seu filme favorito. É aliás a ver este clássico do cinema que o encontramos no início do espectáculo. É um jovem autónomo que põe a mesa e come sozinho e que não precisa de ajuda para se vestir. Mas que ao mesmo tempo (e naturalmente) depende muito da mãe.
Com a notícia do cancro, Olívia questiona-se o que seria de Eugénio se esta morresse antes do filho. Quem cuidaria dele? Isso fá-la elaborar um plano de suicídio no qual inclui o filho, mas que não chega a levar até ao fim porque o próprio Eugénio – sem se aperceber – dá-lhe uma grande lição. Esta é a oportunidade de Olívia viver a vida que sempre quis, para comprar uma casa na praia e dedicar-se à pintura.
“É IMPOSSÍVEL FICAR INIDIFERENTE”
Durante cerca de uma hora, os espectadores riem mas também choram. Comovem-se e arrepiam-se. “É impossível ficar indiferente. As pessoas saem daqui com o coração mais cheio e melhores seres humanos”, refere Rita Ribeiro, realçando que a peça permite que os espectadores “levantem as poeiras que se foram acumulando nas suas vidas para reflectirem sobre a existência humana”.
A actriz já tinha trabalhado com o grupo de teatro da CRINABEL (uma instituição que acolhe crianças com Síndrome de Down) mas esta é a primeira vez que o faz profissionalmente. Tomás de Almeida não é o único actor que entra na peça, pois os espectáculos são alternados ora consigo ora com Nuno Rodrigues. Ambos têm Síndrome de Down.
“É fantástico trabalhar com eles porque eles vivem o momento e é exactamente isso que o teatro pede. Além disso, descomplicam aquilo que muitas vezes nós teimamos em complicar”, refere Rita Ribeiro, acrescentando que esta peça é o exemplo do teatro como meio de inclusão social.































