
“É indiscutível o corre-corre dos servidores a acudir os doentes, as amassadeiras e cozinheiras a ultimar as rações alimentares, o provedor a fazer as visitas diárias, o escrivão a anotar as despesas ou a redigir algum testamento, o almoxarife a fazer a contabilidade, o físico a aconselhar os doentes, os capelães a confortar os enfermos e a celebrar os ofícios litúrgicos, o boticário a preparar as mezinhas, o barbeiro-sangrador ora a fazer as barbas e cortar os cabelos, ora a sangrar algum doente (…)”.
A investigadora Lisbeth Rodrigues descreve assim o ambiente no séc. XVI do então Hospital de Nossa Senhora do Pópulo (que só mais tarde se viria a designar Hospital Termal). Um quotidiano que abordou, a 20 de Julho, durante uma conferência no Museu do Hospital e das Caldas com o tema “Um dia num Hospital do Renascimento: O quotidiano de um doente no Hospital de N. Sra. do Pópulo”.
Esta foi mais uma iniciativa integrada nas comemorações dos 500 anos da assinatura do Livro do Compromisso pela Rainha D. Leonor.
Nesse dia foi também inaugurada a exposição “Às Voltas com o Compromisso” do qual faz parte, para além de outras peças, o próprio Livro do Compromisso.
A responsável do museu, Dora Mendes, salientou que este documento era um autêntico manual de gestão do hospital, onde estavam todas as orientações necessárias ao seu funcionamento.
O Livro do Compromisso exposto é o único exemplar que sobreviveu dos três que, à época, a rainha mandou fazer. Todos os anos, em Abril, o livro era lido na íntegra, na abertura da época termal “para que todos percebessem as suas obrigações”.
Na apresentação da exposição, Dora Mendes lembrou que desde a sua fundação o Hospital Termal das Caldas assumiu-se como “uma das instituições assistenciais mais notáveis do país, destacando-se desde cedo nos anais da história da assistência e saúde em Portugal”.
Para esta mostra contribuiu também a investigadora que apresentou a palestra. Lisbeth Rodrigues está a fazer um doutoramento sobre a administração e gestão do Hospital de Nossa Senhora do Pópulo no período de 1480 a 1580.
Licenciada em História na Universidade do Minho, em Braga, Lisbeth Rodrigues tinha como ideia inicial para o seu doutoramento incidir sobre o estudo dos hospitais do Renascimento, nomeadamente o das Caldas e Hospital Real de Todos os Santos. “Como não era exequível fazer sobre os dois, decidi optar pelo hospital das Caldas, que foi o primeiro hospital do Renascimento em Portugal“, explicou à Gazeta das Caldas.
Durante um ano esteve a morar nas Caldas para consultar toda a documentação existente no museu e depois esteve mais 12 meses em Leiria para pesquisar no arquivo distrital.
Lisbeth Rodrigues compreendeu a importância que o hospital tinha no país, acolhendo aquistas portugueses, mas também de outros países, inclusive o núncio do Papa em França. Segundo a investigadora, nessa altura eram mais de 400 as enfermidades que eram tratadas pelas águas termais.
Na conferência, a investigadora explicou como funcionavam as enfermarias e a forma como eram acompanhados os doentes. Do estudo que fez apercebeu-se como havia preocupação em tratar dos males do corpo, mas também da alma, uma característica dos hospitais renascentistas. Daí a importância da vida religiosa e dos espaços de convívio de convívio e lazer.
“Era um organismo vivo e dinâmico, promotor de ofícios, dinamizador de uma vila e protector da saúde pública”, disse.
Ao longo de mais de uma hora, os cerca de 20 participantes puderam fazer uma “viagem” pelo quotidiano do hospital, tendo sido abordados pormenores de como os enfermos eram recebidos e o seu dia-a-dia.
Pedro Antunes
pantunes@gazetadascaldas.pt































