A inauguração de “Figuras, Figurinhas e Figurões”, exposição que assinala os 40 anos de carreira do caricaturista António, não podia ter corrido melhor. Quase 200 pessoas reuniram-se na sexta-feira, 16 de Outubro no Museu do Ciclismo, para participar nesta iniciativa que também assinala os 90 anos da Gazeta das Caldas.
A organização da exposição, que contou com a edição de um catálogo, teve a preciosa ajuda da livreira Isabel Castanheira, num dia de festa que contou com animação musical e com a presença de muitos amigos deste semanário.
São 18h00 e há melodias na Rua de Camões pelos músicos da Banda Comércio e Indústria, liderados por Adelino Mota e que ajudam a atrair o público ao Museu do Ciclismo. Dá a sensação que cortaram o trânsito dado que há dezenas de pessoas que, a pouco e pouco, se vão reunindo na entrada do Museu do Ciclismo. Há artistas, políticos, escritores, editores, investigadores, designers, caricaturistas, fotógrafos, médicos, sem esquecer, produtores culturais, docentes e alunos de várias escolas da cidade.
Também marcam presença amigos de longa data, muitos entrevistados de vários quadrantes, agora reunidos para participar nesta celebração.
Os convites feitos ao longo da última semana surtiram efeito positivo e, por isso, a sala principal do espaço museológico está agora lotada de gente.
“Hoje é um dia muito feliz para a Gazeta. Comemorar os seus 90 anos com esta exposição do António, é um facto de carácter excepcional”. Palavras do director, José Luís Almeida Silva que referiu a ligação do cartoonista às Caldas, desde finais dos anos 80, altura em que se realizaram workshops de caricatura no Cencal. “Desde então que tento que os dotes de caricaturistas como o António fossem aproveitados para a cerâmica, algo que só aconteceu agora, passados 30 anos”, disse o responsável, referindo-se à experiência daquele autor com a Fábrica Bordallo Pinheiro e da qual resultaram os Figurões. Ao todo, são cinco as figuras mundiais e nacionais que marcam presença nesta mostra e que, futuramente, terão novas caricaturas a três dimensões.
Por isso, José Luís Almeida Silva acha que este “é um bom momento para a indústria da cerâmica que prova como é possível abrir novas vertentes de trabalho, aliadas ao humor”.
O director falou sobre a exposição, referindo que a amizade que o liga a António não o impede de reconhecer que esta “é muito boa e representa um pouco da história do país e do mundo dos últimos 40 anos”. A mostra tem patente 62 caricaturas, feitas ao longo da carreira de António, as peças da Bordallo e os quatro conjuntos de chávenas da Vista Alegre que reproduzem as caricaturas que António criou para a estação de metro do Aeroporto de Lisboa. Podem ser vistas, nas vitrinas do Museu do Ciclismo, peças com as caricaturas de actores, escritores, músicos e pintores da cultura portuguesa.
O director da Gazeta referiu que António se tem distanciado do paralelismo que é feito entre o seu trabalho e o de Rafael Bordalo Pinheiro. Para José Luís de Almeida Silva, o primeiro “foi um génio” do final do século XIX e início do século XX, ao passo que António o é, no que diz respeito à caricatura da segunda metade do século XX e início do XXI. “Esperemos que continue a ser o nosso génio no futuro”, rematou o responsável.
“Lidar com aquilo que se torna risível”
A psiquiatra Paula Carvalho revelou ao público a surpresa quando foi convidada pela Gazeta para apresentar a exposição de António.
A convidada referiu o impacto das caricaturas de fortes personalidades como as de Soares e o Cunhal e a capacidade das mesmas “nos reportarem para outros tempos da nossa história”.
Paula Carvalho ainda fez referência ao livro de Umberto Eco “O Nome da Rosa”, onde se impedia o acesso dos monges a um livro de Aristóteles que defendia a importância e a validade do riso.
Por outro lado a caricatura “destaca o ridículo, a imperfeição e a falha” e como tal, o que quer que seja “torna-se risível” e como tal “é possível lidar com isso”.
Para a psiquiatra sempre que se coloca alguém num pedestal, “estamos a endeusar e a afastarmo-nos de tal pessoa”. Com a caricatura e com a aceitação da imperfeição “tornamo-nos mais próximos”, afirmou a convidada que salientou a caricatura de Nelson Mandela, presente na exposição.
Paula Carvalho relatou ainda o episódio do homem que foi ao médico queixando-se que não tinha energia nem prazer na vida. O profissional de saúde recomendou-lhe que fosse ver o espectáculo do palhaço X. Ele vira-se para o médico e diz: “Mas eu sou o Palhaço X!”.
Miguel Macedo, designer e docente da ESAD, contou algumas das linhas mestras que seguiu para fazer a capa do catálogo desta mostra tendo referido que usou as figuras de António. “Para criar a capa e contracapa usei as personagens criativas e pensadores”, tendo deixado para as guardas as figuras ligadas à politica e a história. O Papa Francisco remete para João II e estão unidos pela tauromaquia os manos ibéricos Durão Barroso e Mariano Rajoy.
Miguel Macedo referiu ainda que a paginação do catálogo foi feita por Carla Caiado, da Gazeta das Caldas. Durante a inauguração foram vendidos 120 catálogos.
“O meu público é uma abstracção”
“A principal característica do humor é a capacidade de ver diferente”, disse António, explicando que a selecção de trabalhos feitos ao longo de 40 anos incluiu caricaturas (onde faz uso do retrato psicológico) e o cartoons políticos (em acção e numa situação concreta).
O cartoonista referiu o papel central do director da Gazeta na realização desta mostra e agradeceu sobretudo a oportunidade de poder “encontrar aqui os consumidores das minhas caricaturas”. Para o autor, por norma, “o meu público é uma abstracção” e portanto congratulou-se com o facto de aqui estarem os leitores para o julgarem. “Para mim é muito gratificante ouvir e sentir a vossa opinião”, disse.
Ao longo do sua carreira, António conta que habituou os seus leitores a determinados códigos de linguagem e recordou que até começou por usar a palavra e que esta foi desaparecendo aos poucos.
“Quero continuar a manter uma relação inteligente com o público”, disse acrescentando que lhes oferece puzzles e dá aos leitores a missão de montar a última peça.
Aos presentes disse estar feliz com o facto da exposição ter pernas para andar e se tornar itinerante, com apresentações previstas em Óbidos e Peniche e voltou a referir que não se sente confortável com o paralelismo com Bordalo Pinheiro, tendo dito que se prefere distanciar do mestre. “Eu sou eu e o Bordalo foi a maior referência do humor em Portugal”, rematou.
O presidente da Câmara, Tinta Ferreira, deu os parabéns a este semanário pelos seus 90 anos e pelo facto de ter trazido às Caldas um dos nomes maiores da expressão artística da caricatura e de cartoon politico.
Gazeta das Caldas conversou com alguns dos presentes e todos foram unânimes em reconhecer a qualidade da exposição e do trabalho do caricaturista. Todos já conheciam o trabalho de António através do Expresso e alguns seguem-no também na organização do World Press Cartoon.
Nelson Guerreiro, docente da ESAD, que acompanhou um grupo de alunos da escola de artes, considera que estas realizações são “fundamentais” pois a cidade deve ter oferta cultural para os estudantes. “Tão importante quanto ler e estudar, é igualmente poder ver coisas numa formação paralela”, disse o visitante.
Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt






























