O Escrivão

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Gazeta das Caldas

CapaFinal I.-O-Escrivão

 

AO SERVIÇO DA RAINHA I
Por: Carlos Querido

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Prior da Igreja de São Pedro de Óbidos e físico de el rei D. Afonso V., Mestre Fernando não resiste à tentação da carne e infringe o sexto mandamento. Da relação com a sua servidora Beatriz Afonso, nasce uma filha que batiza com o nome de Maria Fernandes.
Ouvido em confissão pelo superior hierárquico, obtém a esperada absolvição. A Luiz Anes, vigário geral e representante do arcebispo de Lisboa, D. Jaime de Portugal, filho do Infante D. Pedro, refugiado em Roma após a morte de seu pai em Alfarrobeira, não restava alternativa face aos antecedentes: o anterior arcebispo de Lisboa D. Pedro de Noronha teve sete filhos, todos legitimados por el-rei, sendo um deles, D. António de Noronha, alcaide-mor de Óbidos.
Por carta régia de 18 de Setembro de 1455, D. Afonso V legitima a filha do prior, e este, valendo-se da proximidade do rei, consegue o seu casamento com o influente Pedro de Alcáçova, escrivão da Câmara e da Fazenda das partes da Guiné, posteriormente fidalgo da Casa Real e Juiz da Alfândega.
João d’Óbidos, narrador de “Príncipe Perfeito – Rei Pelicano, Coruja e Falcão”, herdeiro da Quinta dos Mosqueiros, que veio a chamar-se, sucessivamente, dos Freires, das Flores e das Janelas, enamora-se de Maria Fernandes, mas é rejeitado pelo prior, inflexível na ambição de conceder a mão da sua filha a um nobre da corte.
Após a legitimação da filha, Mestre Fernando terá deixado de coabitar com Beatriz Afonso, a favor de quem constitui em 25 de Julho de 1456, na qualidade de beneficiado da Igreja de São Pedro de Óbidos, um “aforamento em 3 vidas” de um pardieiro na vila para esta construir uma casa.
No dia 27 de Maio de 1468, antevendo a morte que se aproxima, o velho Mestre faz testamento, no qual determina o seu enterramento na capela que fez na Igreja de São Pedro, deixando ao genro, entre outros bens, dois escravos negros batizados por Pedro e Inês, uma mula zebra e um asno branco.
Do casamento de Pedro de Alcáçova e Maria Fernandes, nascerá uma filha, Dona Brites de Alcáçova, que se torna dama da corte da Rainha Dona Leonor.
António Carneiro, influente escrivão da rainha, perde-se de amores pela bela dama. Amores impossíveis naquele tempo, dada a diferente condição social. Mas o sentimento era recíproco, e os amantes sem esperança não costumam temer as consequências. Sem a necessária autorização da soberana, casam clandestinamente no final do ano de 1484, na altura em que a rainha descobre as termas sobre as quais haveria de edificar um hospital. As consequências são dramáticas, e o casal vai degredado para a Ilha do Príncipe.
Tantas foram as súplicas de Dona Brites, que se condoeu Pedro de Alcáçova e usou toda a sua influência na reabilitação do casal, autorizado a regressar ao reino por D. João II, que nomeou António Carneiro como seu escrivão de câmara, vindo a tornar-se donatário da ilha onde cumprira a pena de degredo.
No ano de 1509, o escrivão é nomeado secretário régio pelo Rei D. Manuel, funções que desempenhará também no reinado de D. João III, tornando-se um dos homens mais influentes da corte.
O velho escrivão de Dona Leonor afirma-se como uma peça fundamental da administração manuelina, poderoso, eficiente e autoritário, a quem grandes figuras do reino, como Afonso de Albuquerque ou D. Duarte de Menezes, capitão de Tânger pedem o favor da graça régia para os seus requerimentos.
Morre em 1545, com 86 anos de idade, sucedendo-lhe no cargo o mais novo dos filhos sobreviventes do longo e feliz casamento com a dama da Rainha Dona Leonor: Pedro de Alcáçova Carneiro, a quem Filipe I fará conde de Idanha1.

1 Escreve Pedro de Alcáçova Carneiro na sua autobiografia: «entre machos e fêmeas, passaram de dezasseis ou dezassete, [..], porque do último que minha mãe, que Deus tem, pariu, faleceu ela de parto e faleceu também o mesmo filho, de maneira que me posso chamar o derradeiro de todos os que vivemos».

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