Exposições de arte contemporânea e performances artísticas no Parque, Museu do Hospital, capela de São Sebastião e antiga Casa da Cultura. Esta foi a proposta programática do evento Noites de Lua Azul, promovido pela Electricidade Estética entre os dias 7 e 9 de Junho. Mais de duas dezenas de alunos e ex-alunos da ESAD mostraram a sua obra, levando sempre mais de uma centena de pessoas a passear noite dentro por aquela zona da cidade, em busca das demonstrações artísticas.
“Eu sinto claramente que nasci de uma praga de ciúmes. Eu sou as sete pragas sobre o Nilo e a alma dos Bórgias a penar”. As palavras são de José de Almada Negreiros e finalizam “A Scena do Ódio”. Na noite de 7 de Junho, no claustro do Museu do Hospital e das Caldas, depois de recitado o mesmo poema por Vítor Freitas, ouve-se uma valente salva de palmas dos cerca de 50 espectadores que circundam o espaço.
O performer encontrava-se por baixo de uma das arcadas, com um holofote apontado à cara e outro apontado ao texto, com um microfone à frente ligado a um amplificador. No andar de cima o público foi-se juntando à medida que a performance, que durou cerca de meia-hora, se ia desenrolando.
O jovem estudante de Artes Plásticas da ESAD escolheu “um texto que, por si só, não é confortável” e procurou criar mais desconforto em si mesmo ao não o preparar previamente. “Só tinha lido as primeiras quatro páginas e não conhecia o resto da obra, queria lê-la pela primeira vez ali e pôr-me em causa”, explicou à Gazeta das Caldas.
O emblemático texto de Almada Negreiros aponta em todas as direcções: “ó gentes que tendes patrões, autómatos do dono a funcionar barato”; “e vós também, nojentos da política que explorais eleitos o patriotismo”; “e vós também, pindéricos jornalistas que fazeis cócegas e outras coisas à opinião pública”; “em toda a parte o nada tem estalagem”.
A obra foi escrita durante os três dias que durou um sangrento conflito da I República: a revolta de 14 de Maio de 1915 (que levou à demissão de Manuel de Arriaga). Representa uma crítica a Portugal, “a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões”.
Vítor Freitas, que nasceu na Guarda, é fascinado por Almada Negreiros, pela “forma como divide e ao mesmo tempo unifica discursos artísticos diversos”. Escolheu recitar esta obra no claustro do Museu do Hospital e das Caldas “pela intensidade e revolta e pela energia que consegue passar”.
O artista elogiou a organização e destacou a dinamização de espaços que normalmente não recebem este tipo de intervenções. Ainda assim, notou, “a maioria do público era da ESAD e tenho pena que, depois de tanto tempo de trabalho bem desenvolvido pela Electricidade Estética, estes ciclos ainda não tenham sido adoptados pela cidade, que não usufrui dos mesmos”.
ARTE CONTEMPORÂNEA NA CAPELA DE S. SEBASTIÃO
No dia seguinte vamos à capela de São Sebastião. Mal entramos na nave central, vemos que foi “invadida” por duas estruturas rectangulares de grandes dimensões feitas em tábua. Fazem parte da exposição de Carlos Menino, antigo aluno da ESAD que ficou a viver nas Caldas e que tem um interesse especial em fábricas abandonadas. É nesses locais que recolhe o material que depois expõe.
Neste caso, tratam-se de resquícios de uma antiga fábrica de moldes de aço para a indústria do plástico, que se localizava em Pataias. “O meu trabalho é quase como o de um arqueólogo, sem o rigor científico, mas com o rigor artístico”, esclarece Carlos Menino.
Quando entramos na sacristia temos ferramentas dessa fábrica e, à direita, uma cadeira em frente a uma televisão que transmite um vídeo. Mas voltando às duas estruturas rectangulares na nave central: “é sempre subjectivo, mas para mim representam um espaço, que é fechado e que não sabemos o que contém, no qual temos de entrar quase clandestinamente para descobrir o que esconde”.
“É USAR E DEITAR FORA…”
No último dia do ciclo iniciamos o percurso no Parque D. Carlos I, perto do Coreto. Encontramos Celso Rosa dentro de um caixote do lixo para cartão e papel. Dirigimo-nos a ele e perguntamos o que faz ali. “O que é que queres que eu faça? É usar e deitar fora… É usar e deitar fora… É usar e deitar fora…”. E repete o diálogo com toda a gente que o aborda.
Esta foi a forma que o jovem do Barreiro encontrou para criticar “o facto de as pessoas se usarem umas às outras e depois se deitarem fora”. Assumiu que o próprio, “mesmo não querendo”, tem isso em si e explicou que a performance foi uma forma de se mentalizar “e perceber que existe esse lado negativo”.
A intervenção de Celso Rosa, que estuda Som e Imagem, permitiu explorar também a concentração, a fala e a comunicação.
Depois continuamos a rota, apreciando as exposições de André Mil-Homens e a de Tiago Orfeu, Edit, Verónica Calheiros e Vítor Israel. Vemos as perfomances de Duda e Nuno Silas e terminamos no Parqe Club, onde Candido Efeémer apresenta “Pendulum Music”.
Bem ao centro da pista estão quatro amplificadores. Pendurados por fios no tecto vêem-se quatro microfones virados para baixo. O artista pega num desses microfones, dá uns passos atrás para ganhar balanço, ajusta a rota e larga-o. O microfone passa no amplificador e produz um som. Mas como está pendurado por um fio, ora vai à frente, ora volta atrás, e assim sucessivamente, produzindo som de cada vez que o faz. Repete o processo com os outros microfones e cria música a partir daí.
Assim terminou o ciclo Noites de Lua Azul. Patrícia Faustino, da Electricidade Estética, fez “um balanço muito positivo” de mais este ciclo de exposições. “Foram três noites fantásticas”, disse, fazendo notar que as condições climatéricas foram favoráveis, só começando a chover no fim da última performance, já no último dia.
Salientou o diálogo entre os espaços históricos da zona velha da cidade, com a contemporaneidade das mostras apresentadas. “Foi uma experiência muito agradável”, afirmou, notando que nunca tinham apresentado projectos nalguns destes espaços.
Patrícia Faustino agradeceu aos artistas, até porque, uma vez que não têm apoios, estes “trabalham por amor à camisola”. São eles que, para além de pensar a sua intervenção, preparam o espaço, montam e desmontam o material, sendo que “o único retorno que têm é o feedback do público”. A terminar agradeceu também às entidades que cederam os espaços.
A Electricidade Estética é composta por Patrícia Faustino e Gonçalo Belo e é deles o trabalho de organizar estes ciclos. Desde a preparação, à conclusão, passando pela divulgação, é apenas o casal quem orienta tudo. Neste ano expositivo, iniciado em Outubro, já mostraram 95 intervenções na cidade (entre exposições e performances).
Durante os três dias viu-se sempre mais de uma centena de pessoas, na sua maioria jovens ligados à ESAD, a passear pela zona histórica, de mapa na mão, em busca de arte contemporânea.






























