Mosteiros cistercienses: testemunhos da História que lutam contra a degradação

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“Um verdadeiro sucesso”. É este o balanço que a organização do Congresso Internacional dos Mosteiros Cistercienses faz da iniciativa que entre os dias 14 e 17 de Junho juntou em Alcobaça cerca de 150 pessoas.Mais de 80 comunicações foram apresentadas por congressistas portugueses, espanhóis e franceses na iniciativa que lançou um olhar atento às abadias da ordem religiosa que se estabeleceu em Portugal pela primeira vez em 1144, em Tarouca, e que em 1153 fundou a Abadia de Santa Maria de Alcobaça.
O Mosteiro de Alcobaça foi o palco escolhido para a abertura do encontro, que depois se mudou para a Escola Secundária D. Inês de Castro. Na cerimónia inicial reafirmou-se a importância da Ordem de Cister na História de Portugal e alertou-se para a ausência de estudos sobre este mesmo contributo. Entre as intervenções das entidades presentes e as mensagens dos que não puderam estar em Alcobaça, uma tónica comum: é preciso olhar para o passado para se construir um futuro.
Rui Rasquilho, da comissão executiva do congresso, defendeu que a memória histórica deve ser utilizada de forma crítica. “Esta é porventura a melhor forma de recuperarmos os nossos valores”, referiu. Além da recuperação de valores de outros tempos, há que devolver aos mosteiros cistercienses a dignidade que merecem, seja aprofundando o conhecimento sobre os edifícios, seja recuperando os que, votados ao abandono, estão já em ruínas.
Por isso mesmo, Dom Juan Javier Martín Hernández, abade de San Isidro de Dueñas (Palencia), pediu que o congresso lançasse “um grito de alerta” para a degradação de muitos dos mosteiros, bem como para a inexistência, em Portugal, de monges de uma ordem que tanta importância teve no país. Uma opinião partilhada por Elísio Sumavielle, director-geral do Património Cultural, que salientou o Mosteiro de Alcobaça como “o primeiro lugar de saber”, numa alusão aos monges copistas.
“Conjugar o saber e o fazer é a chave do que procuramos para o nosso património”, referiu o responsável, garantindo que com a fusão do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico e do Instituto dos Museus e da Conservação na recentemente criada Direcção Geral do Património Cultural “pela primeira vez o património vai ser gerido de forma interdisciplinar”.
PADRE QUER MAIS RESPEITO NA ABADIA

Mas os alertas lançados na abertura do congresso não incidiram apenas na degradação dos edifícios. O pároco de Alcobaça, Padre Carlos Vicente, aproveitou a ocasião para criticar a forma como muitos dos visitantes dos monumentos entram no Mosteiro de Alcobaça, “de uma forma histérica, bárbara, sem se aperceberem do local onde estão”.
Manifestou, por isso, o desejo de ver a abadia afirmar-se como “um espaço de encontro, um local de silêncio, mais próximo daquilo que foi o sonho dos que o construíram”. Mas para que isso aconteça, é preciso que a utilização do monumento seja repensada e a bilheteira saia do interior da igreja. E para o presidente da autarquia alcobacense, Paulo Inácio, as coisas têm que ser separadas e há no mosteiro espaço suficiente para isso, bastando que se reaproveite a “imensa área devoluta” do monumento.
“Proteger a estrutura, dotá-la de conforto, não implica a sua descaracterização”, defendeu o autarca, lembrando muitos dos projectos pensados para dar nova vida ao espaço, mas que nunca passaram da ideia à prática.
É o caso do hotel de charme, ao qual a população já deu o seu aval num abaixo-assinado. “É urgente o lançamento do concurso público”, diz o autarca, considerando que este projecto traria importantes ganhos económicos e iria assegurar “a requalificação patrimonial necessária, mas para a qual não há dinheiro”. No mesmo sentido, o edil insiste na necessidade de recuperar o Jardim do Obelisco e devolvê-lo à cidade.
Paulo Inácio quer ainda que ali se instale a sede da futura Região de Turismo que vai juntar as diversas entidades actualmente existentes. “Seria um pequeno grande passo para que Alcobaça reencontrasse a importância de outros tempos”, disse.
O peso dos antigos Coutos de Alcobaça deu, de resto, mote à visita que marcou o último dia do congresso e que foi orientada por António Valério Maduro e Saul António Gomes. O ponto final de quatro dias em que se abordou a Ordem de Cister de diferentes perspectivas, provando-se que há ainda muito por aprender acerca daquela ordem monástica católica que deixou em Portugal uma marca indelével.

Joana Fialho
jfialho@gazetadascaldas.pt

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