Durante 20 anos Mário Lino, director do Museu do Ciclismo, colecionou cartazes, folhetos e fotografias relacionadas com o património cinematográfico caldense | M.B.R.
Inaugura amanhã, 29 de Abril, no Museu do Ciclismo, uma exposição dedicada à tradição cinematográfica das Caldas da Rainha. Fotografias, panfletos, cartazes, câmaras e outros objectos ligados à sétima arte retratam os tempos áureos do cinema caldense, com destaque para as memórias do Salão Ibéria e do Cine-Teatro Pinheiro Chagas. Esta exposição é ainda uma homenagem a algumas figuras caldenses que se afirmaram no mundo do cinema, como a actriz Cremilda Gil.
Foi há 20 anos que Mário Lino iniciou a colecção recentemente montada na sala de exposições temporárias do Museu do Ciclismo, mas que só abrirá ao público no próximo dia 29 de Abril. Coincidiu com a altura em que escreveu a publicação “O Cine-Teatro Pinheiro Chagas e o Salão Ibéria – Duas Memórias das Caldas”, cuja apresentação contou também com a inauguração de uma pequena mostra.
“Desde então continuei a colecionar e actualmente tenho guardado património destes dois cinemas que excede em quatro vezes esta sala”, explica o director do museu, acrescentando que, por isso, não foi possível incluir toda a coletânea na exposição.
Espectador assíduo dos filmes exibidos no Salão Ibéria e Pinheiro Chagas, Mário Lino pretende com esta mostra viajar até ao passado cinematográfico das Caldas, recordando a programação das suas salas de cinema mais importantes, os edifícios demolidos ou em ruínas que em tempos foram uma espécie de pulmão cultural da cidade, e algumas das pessoas que contribuíram para que os caldenses pudessem fazer do cinema uma actividade rotineira. Falamos de gerentes, bilheteiros, projecionistas, rebobinadores e actores. É que entre os anos 50 e 80, ir ao cinema na noite de domingo fazia parte dos planos, tal como ir à missa de manhã ou ao jogos de futebol do Caldas à tarde. “Esta exposição serve também de incentivo a que se recupere um pouco desta tradição, por exemplo com a transmissão ao ar livre de filmes no Céu de Vidro durante o Verão”, sugere Mário Lino.
AS PRIMEIRAS SALAS
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Documentos confirmam que o primeiro filme exibido nas Caldas foi o “Barba Azul”, em 1905, nos Pavilhões do Parque, 10 anos depois dos irmãos Lumière terem feito a primeira projecção cinematográfica em Paris. Cumprem-se agora 122 anos. Mas o mais antigo cinema caldense era o Salão da Convalescença, espaço que já não existe, mas onde actualmente funciona o serviço de Fisioterapia do Hospital Termal. “As pessoas ficavam a recuperar na convalescença uns dias após tomarem os banhos e numa das salas eram transmitidos filmes”, conta Mário Lino, recordando ainda o Cinematógrafo High-Life e o Ibéria Club na Rua de Camões.
Esta exposição apresenta-nos também imagens da Fotografia Parisiense (uma das primeiras casas de fotografia na cidade) e da tipografia José Dias, que imprimia os cartazes de cinema nas Caldas.
Ao nível dos aparelhos, destaque para um ampliador fotográfico dos anos 30 (que funcionava com negativos de vidro) e para fitas de gravação de 8 e 16 milímetros. Um dos objectos mais curiosos desta mostra são cadeiras de madeira que terão pertencido ao Salão Ibéria e mais tarde reaproveitadas para uma sala de cinema em Almeirim.
SALÃO IBÉRIA E PINHEIRO CHAGAS
Construído no Parque D. Carlos I em 1918 com os tijolos que sobraram de umas obras de substituição de fornos na Fábrica Bordallo Pinheiro, o Salão Ibéria esteve de portas abertas até 9 de Outubro 1978, quando ruiu numa noite chuvosa em que não havia sessões de cinema. Chegou a ter uma sala de chá, antes da sua fachada arquitectónica ter sido alterada. Durante muito tempo, além de Lisboa e Porto, apenas no Salão Ibéria se transmitiam filmes em cinemascope. O primeiro foi “A Túnica”.
Já na Praça 5 de Outubro, sob orientação de Rafael Bordalo Pinheiro, construiu-se o Teatro Pinheiro Chagas, em 1902. Inicialmente gerido pela Sociedade Dramática Caldense, este espaço era apenas palco para peças teatrais, mas a partir de 1937 (já com a gestão de Eduardo Montez), devido ao êxito do cinema sonoro, passa também a exibir filmes. Esta mudança implicou uma reconstrução do edifício, ao qual se acrescentou bilheteiras. Em 1932, a nova sala pintada a rosa velho no exterior e a verde claro no interior, designava-se então Cine-Teatro Pinheiro Chagas. Acabaria por ser demolido em 1992.
Ambas as salas chegaram a ter mais tarde a mesma gerência e nessa altura imprimia-se apenas um folheto com a programação dos dois cinemas. “Por aqui passaram boas e más produções, pequenas e grandes produções, desde filmes americanos ‘westerns’, a obras portuguesas, filmes históricos e clássicos como Casablanca, O Comboio Apitou Três Vezes, Saltimbancos, A Severa, As Pupilas do Sr. Reitor, Bucha e Estica, O Dia Mais Longo, A Mantilha de Beatriz, ou Luzes na Ribalta”, destaca Mário Lino à medida que percorre os vários cartazes expostos. Estes são a memória de um tempo em que era comum os espectadores terem lugar cativo nas salas de cinema e receberem em casa postais com a programação.
Depois do Salão Ibéria e do Cine-Teatro Pinheiro Chagas, surgiu o Estúdio Um, localizado paredes meias com o Hotel Cristal, que foi o último cinema nas Caldas com as portas abertas fora de uma superfície comercial.
Nesta exposição é ainda possível apreciar uma secção dedicada ao percurso profissional de Cremilda Gil, actriz nascida nas Caldas da Rainha em 1927 e que actualmente vive no Alentejo. Em 1967 foi-lhe atribuído o primeiro prémio do cinema, pela sua interpretação em “A Cruz de Ferro”.
O Pinheiro Chagas e o Salão Ibéria foram duas salas iconográficas que ainda hoje permanecem na memória de muitos caldenses | D.R.
O Pinheiro Chagas e o Salão Ibéria foram duas salas iconográficas que ainda hoje permanecem na memória de muitos caldenses | D.R.
O regresso do Pelican
No âmbito da inauguração da exposição “Na Rota das Memórias do Cine-Teatro Pinheiro Chagas, do Salão Ibéria e da Cinematografia exibida nas Caldas da Rainha” será relançado um doce típico caldense entretanto esquecido. Designa-se de Pelicano e é um pastel cuja receita original pertence à viúva do tenente Sangreman Henriques, tendo sido distribuído no início do século XX pelos principais cafés da cidade. O Grupo Calé – Confeitaria Tradicional Portuguesa (proprietário das pastelarias Contradição) veio agora recuperar esta famosa especialidade da doçaria caldense, apresentando-a pela primeira vez no Museu do Ciclismo, dia 29 de Abril. M.B.R.