Manuel Mafra foi o ceramista precursor “abafado” pelo mediatismo de Bordalo Pinheiro

0
1520

1autora“Manuel Mafra, o precursor da cerâmica das Caldas da Rainha” foi o tema da conferência proferida pela investigadora Cristina Horta, a 25 de Setembro, numa sessão organizada pelo CDS-PP.  A ex-directora do Museu de Cerâmica deu a conhecer, no Hotel Sana, vários factos sobre a vida e obra de Manuel Mafra, ceramista fornecedor da Casa Real, várias vezes premiado no estrangeiro, mas cuja obra, além de ser muito mais reconhecida lá fora do que nos seu próprio país, “foi “completamente ofuscada pelo mediatismo de Bordalo Pinheiro”.

“Esta conferência tem como objectivo que se faça justiça”. Palavras de Cristina Horta, que apresentou perante 50 pessoas, uma autêntica defesa da vida e obra de Manuel  Mafra (1829-1905), ceramista cuja obra estudou a fundo na tese de doutoramento que concluiu recentemente.
A investigadora tem dado a conhecer vários vertentes da cerâmica caldense nos mais variados fóruns, desde os EUA, ao Brasil ou à Inglaterra. E justiça porquê? Porque Manuel Mafra, autor pioneiro das Caldas da Rainha, “foi injustamente ofuscado por Bordalo Pinheiro”.
Manuel Cipriano Gomes, conhecido como “o Mafra” por ter nascido naquela localidade, veio  para as Caldas, trabalhou com a mítica oleira Maria dos Cacos e acabou  por ser o seu sucessor tendo ficado com a sua oficina a partir de  1850.
Dez anos depois, Mafra fundou a sua própria fábrica e começa a produzir peças sob influência do neopalissismo europeu (produzindo peças inspiradas na natureza como tinha feito o ceramista francês da Renascença, Bernard Palissy). Esta tendência influencia  a cerâmica na Europa, na segunda metade do século XIX e Mafra vai juntar a esta tendência características específicas, reproduzindo a natureza desta região nas suas obras.
Em 1870, o ceramista frequenta a corte de D. Fernando II e “recebe autorização para usar a coroa real nas suas marcas fabris”, disse a investigadora. Passa a assinar M.Mafra/Caldas/Portugal e com o desenho da coroa real.
Como teve contacto com produções europeias da colecção real e de outros coleccionadores, começa também a introduzir técnicas que constata nessas obras mais modernas: a policromia e ainda a técnica do musgado.  A partir de então Mafra participa em exposições internacionais. A primeira foi em Viena de Áustria, onde recebe uma medalha de mérito. Na exposição Internacional de Paris em 1878 e na do Rio de Janeiro que se seguiu, recebeu medalhas de prata.
O Inquérito Industrial de 1881 refere-se ao ceramista como “O Palissy das Caldas”. Mafra obteve sucesso internacional, mas segundo a oradora, “trabalhou de forma  intensa e não teve tempo para fazer a sua própria divulgação, consumindo a sua vida numa obra que lhe sobrevive, imortalizando-o”.

Mafra e Bordalo

- publicidade -

Só que Manuel Mafra, apesar de reconhecido internacionalmente, representado em exposições internacionais em Paris (duas vezes), Viena, Filadélfia, Londres e Rio de Janeiro, sendo premiado e exportando largamente as suas peças, era um autor protegido por D. Fernando II pelo que “sofreu um apagamento injustificado enquanto artista, face à figura e obra de Rafael Bordalo Pinheiro”, contou a oradora.
Este facto deu-se porque Mafra e Bordalo representavam mundos opostos e a novidade e a forma de ser de Bordalo acabaram por deixar na sombra as criações daquele antecessor. No entanto, Cristina Horta classifica a obra cerâmica de Mafra como “extraordinária”, acrescentando que esta “viria a ser a principal inspiração da produção que Rafael Bordalo Pinheiro viria a realizar na Fábrica de Faianças”.
A investigadora deu a conhecer como se relacionaram e confrontaram  estas duas grandes figuras da cerâmica caldense e nacional: Manuel Mafra foi o pioneiro e introdutor da cerâmica artística em Caldas, enquanto que  Rafael Bordalo Pinheiro, “detentor de um percurso artístico conhecido e atraído pela cerâmica artística modelada nas Caldas, veio a adoptar o estilo na maior parte da obra cerâmica que desenvolveu na sua fábrica”.
Com esta conferência, Cristina Horta quis conferir a Manuel Mafra “a sua tão merecida dimensão, bem como o reconhecimento tardio de um autor, cuja obra tem sido, até aos dias de hoje, mais requisitada no estrangeiro do que no seu país”.
Em breve, Cristina Horta irá apresentar esta palestra, dedicada a Manuel Mafra, em Alcobaça.
Margarida Varela, a presidente da concelhia do CDS/PP, disse que vai continuar a organizar mais debates pois “esta é uma forma de chegarmos a todos de uma forma apartidária”. Segundo aquela responsável, este partido quer continuar a contribuir para o debate e reflexão sobre temas caros à cidade, como é o caso da sua cerâmica.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

- publicidade -