Para Ricardo Araújo Pereira é impossível dizer o que quer sem ofender os outros. Mas essa é uma consequência da liberdade de expressão que, no seu entender, deve ser preservada. O humorista esteve em Óbidos no passado dia 11 de Fevereiro para falar sobre liberdade de expressão e, sem papas na língua, disse que hoje há uma noção exacerbada de ofensa.
Foram duas horas de boa disposição e muitas gargalhadas, em que o humorista contou anedotas, interagiu com o público e falou de coisas sérias… a brincar.
A conversa estava prevista para a livraria da Adega num sábado à tarde chuvoso. Minutos antes da hora marcada, 16h00, já não havia cadeiras vazias, lugar vago nas escadas, mas pessoas em pé até à porta. A multidão que se juntou para ouvir, e rir, com Ricardo Araújo Pereira, levou a organização a pôr em prática o plano B: transferir toda a gente para o auditório da Casa da Música, com cerca de 200 lugares sentados. E foram à conta.
Apresentado por Bárbara Bulhosa, da editora Tinta da China, como um lutador pela liberdade de expressão, o humorista apressou-se a corrigir: “sou só um lutador. Se me prendessem por fazer o meu trabalho, dedicava-me à panificação”. E foi assim, com humor e ironia, que a conversa se prolongou durante duas horas.
Ricardo Araújo Pereira explicou que o seu plano não é insultar as pessoas, é fazer rir. “Mas tenho a certeza que faça o que fizer, vou ofender alguém. Temos que fazer as pazes com essa ideia”, salientou o humorista que acha que hoje em dia é muito fácil as pessoas ofenderem-se.
Instado a falar sobre liberdade de expressão, considera que o conceito tem vindo a alterar-se e o significado de ofensa tem vindo a ganhar abrangência. “Antigamente as pessoas não se ofendiam por tudo e por nada, estava estabelecido que para uma coisa me ofender tinha de ser de monta”, diz, reconhecendo que a perspectiva alterou-se e actualmente as pessoas ofendem-se com um simples anúncio ou palavra.
Foi processado três vezes, entre elas por Pinto da Costa e Zezé Camarinha, e acha que “quando as pessoas querem ser ofendidas, é muito fácil de o serem”. E disse que cada vez que escreve um texto humorístico, recebe cartas de protesto pois parece que “tudo é sagrado”, dando como exemplos rábulas que fez com a personagem Floribela ou com o computador Magalhães.
O humorista considera que não se devem colocar limites à liberdade de expressão e ao humor, mas admite ter balizas até onde vai, tanto a nível estético como ético. Fazer pouco da morte é possível, mas não parodia com a morte de um filho porque não acha graça. “Eu não o faço, mas outros podem fazer”, ressalva Ricardo Araújo Pereira.
Por outro lado, considera que continua a haver muita temática para trabalhar, como as diferenças entre sexos, tanto a nível de oportunidades de carreira como de salários.
SOU “MEIO COMUNA”
“Não se manda calar outra pessoa, por muito do que ela diga seja grotesto, estúpido, mal-criado”, entende o humorista, que não gostaria de deixar nas mãos de ninguém a tarefa de decidir o que os outros podem, ou não, dizer. Considera que deixar algumas pessoas falar é até uma questão de higiene, pois “não sabemos que um estúpido é estúpido até ele abrir a boca”. As raras excepções em que admite que se deva mandar calar é quando a pessoa apelar à morte de outros ou em casos de difamação grave, que causem verdadeiro dano na vida de outrém.
Ricardo Araújo Pereira falou durante cerca de duas horas para uma plateia de perto de 200 pessoas, que encheu por completo o auditório da Casa da Música. Durante a intervenção foi respondendo a questões colocadas por alunos das escolas de Óbidos, num vídeo feito propositadamente para o evento.
“Acha que a vida é só graças e brincadeiras?” foi uma das questões feitas ao humorista, que encara o humor como uma forma de “cobardia” para fazer frente a um mundo demasiado grande, duro e pesado. “A única coisa que o mundo não controla é a forma como olho para ele”, disse, reconhecendo que usa o humor como se de um estratagema infantil se tratasse.
Registado nas Finanças como guionista, Ricardo Araújo Pereira explicou que o seu trabalho consiste em escrever textos humorísticos e que é fácil empreender a tarefa, independentemente do quadrante político no poder. Partilhou que é do Benfica, ateu e “meio comuna” e que nas últimas legislativas votou no Livre, partido que, de resto, apoiou por “viabilizar novas combinações à esquerda”.
E no final deixou ainda uma certeza: “não gostava de ser primeiro-ministro porque o meu trabalho é fazer pouco do primeiro-ministro”, encarando essa possibilidade como uma despromoção.
Este foi o segundo orador do ciclo Liberdades, que decorre mensalmente em Óbidos e que, em Março, terá como convidada a escritora Dulce Maria Cardoso.






























