Jovem actor caldense emigra para o Brasil e conquista plateias com o humor português

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João Pedro Santos no seu espectáculo de stand up, que estará em digressão no Brasil até Outubro.

 

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“O Patrício, do Brasil a Portugal” é como se designa o espectáculo do humorista caldense João Pedro Santos que, para fugir à crise em Portugal, mudou-se de armas e bagagens para o Brasil.
Formado na ESAD, o actor de 32 anos, contou à Gazeta das Caldas, em entrevista por e-mail, os seus projectos naquele país, onde realiza vídeos para a Red Bull Brasil e trabalha como repórter na TV Gazeta de São Paulo. Conta ainda como é que o humor luso tem conquistado plateias de centenas de pessoas.
Além de S. Paulo, “O Patrício, do Brasil a Portugal” vai igualmente ser apresentado no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte até ao próximo mês de Outubro.

GAZETA DAS CALDAS – Como é que foi o acolhimento por parte dos brasileiros?
JOÃO PEDRO SANTOS –
Bom, vim a primeira vez para o Brasil em 2010 fazer um programa de turismo chamado Brazil Amazing Tour, produzido aqui, mas emitido em Portugal e em Espanha. Desde essa altura a forma como tenho sido recebido – não só em São Paulo mas nos outros estados brasileiros – tem sido inexcedível. Há uma carinho e um respeito pelos portugueses, até pela memória que foi a nossa presença neste país, que perdura ainda hoje nessa lembrança do quotidiano e na relação com quem é e vem de Portugal.

GC – Como reagem ao humor feito por um português?
JPS –
Reagem com curiosidade e abertura, até porque a cultura portuguesa de uma forma geral não chega ao Brasil e as referências são poucas. O Roberto Leal é visto como um ícone da música portuguesa, por exemplo. Nos outros sectores da vida quotidiana portuguesa, há um desconhecimento mas um interesse genuíno do que em Portugal se faz, se pensa, se vive.
O Ricardo Araújo Pereira veio a São Paulo em Março e a recepção foi muito boa!
As pessoas estão a reagir com muito afecto, os teatros têm estado esgotados e há um genuíno interesse pelo que tenho a dizer, ainda que sob a forma de um espectáculo de humor stand-up.
GC – O humor brasileiro é muito diferente do nosso?
JPS –
É e não é. Os temas dos espectáculos falam do quotidiano, das vivências que cada um tem no dia-a-dia e que transforma em situações de humor. Eu faço o mesmo. Agora o ritmo dos comediantes brasileiros é diferente, mais rápido, até pela facilidade da língua que, sendo a mesma, é bem diferente como devem calcular.
Eu falo mais devagar mais pausadamente, não só porque me sinto melhor assim, mas também para facilitar a comunicação com o público. A diferença reside sobretudo no ritmo.

João Pedro Santos quando foi entrevistado por Danilo Gentili para o programa “Agora é Tarde” e numa reportagem para a TV Gazeta de S. Paulo

GC – Adaptou-se ao Brasil? Do que sente mais falta de Portugal?
JPS –
Muito bem, é um país formidável, que acolhe muito bem. São Paulo tem um velocidade  impressionante, única, própria de uma metrópole de quase 20 milhões de habitantes. É difícil a adaptação a esse ritmo de vida de uma cidade com tantas pessoas mas, passado o impacto inicial, tudo se faz com aparente normalidade. E as pessoas ajudam, fazem-te sentir em casa, apoiam-te e facilitam a integração na sociedade paulistana.
Sinto falta das minha família, dos meus amigos, dos meus companheiros de luta do Pionés e também da calma e da paz que o quotidiano de um país como Portugal oferece.
Infelizmente isso não é suficiente nos dias que correm, o país está estagnado, as camadas mais jovens estão encostadas, têm de sair de Portugal para poderem ser aquilo que acham que conseguem ser.
O país está tratar muito mal a sua mão-de-obra qualificada, está a empurrá-la para fora. É triste este momento da nação.

GC – Que tipo de vídeos desenvolve para a Red Bull Brasil?
JPS –
São vídeos para internet, chamados vídeos virais. Eu apenas realizo os vídeos que são apresentados por uma apresentadora da MTV muito talentosa chamada Tatá Werneck. São vídeos de várias competições patrocinadas pela RedBull em toda a América Latina. A última foi a Flugtag em Fortaleza, onde vários concorrentes construíram uma espécie de avião e se atiraram de uma rampa para o mar.
É uma forma de divulgar a marca com aventuras meio radicais e com muito boa disposição.

GC – Que tipo de reportagens é que desenvolve para a TV Gazeta de São Paulo?
JPS –
Faço reportagens de rua para um programa chamado Mulheres, que é emitido em directo todos as tardes. As minhas reportagens têm a premissa de serem feitas por um português que tenta perceber o estilo de vida paulistano e vai a inaugurações, eventos, ouve a vox-pop, sempre enquanto português que acabou de chegar a São Paulo. E claro, espera-se sempre boa-disposição e humor nas entrevistas que faço.

GC – “O Patrício” vai continuar em cena até quando?
JPS –
O espectáculo “O Patrício, do Brasil a Portugal” continua em cena em São Paulo até ao fim de Julho, pelo menos, e penso que se vai estender para Agosto. Estreei este espectáculo dia 9 de Junho e temos tido o teatro esgotado com cerca de 400 pessoas por sessão.
Em Agosto já tenho um espectáculo marcado em Recife.  Em breve vamos levá-lo ao Rio de Janeiro, Curitiba e Belo-Horizonte. Já tenho datas marcadas até Outubro.

GC – Foi para o Brasil à descoberta, ou já tinha algum contacto prévio?
JPS –
Já tinha trabalhado anteriormente aqui no Brasil, criei alguns contactos, mas não na área do humor, onde iniciei do zero em Fevereiro. Escrevi o espectáculo em Portugal e comecei a enviar e-mails e utilizar as redes sociais para preparar a minha vinda para São Paulo.
Foi preciso alguma determinação para tomar essa decisão de sair do meu país mas, tomada a decisão, as coisas foram acontecendo naturalmente, ainda que com uma velocidade que eu não esperava. Mas o Brasil é assim, tudo é mais rápido, tudo é maior, é a terra das oportunidades para quem tem ideias, projectos que quer ver concretizados. É preciso saber arriscar em tempos de crise.

Para sobreviver na emigração é preciso a força e resiliência que só os portugueses sabem ter”

GC – O curso de Teatro da ESAD preparou-o bem para os desafios que agora enfrenta?
JPS
– Foi uma época determinante na minha vida. O curso de Teatro, na altura com a direcção do João Garcia Miguel, tinha uma dinâmica criativa com a qual me identifico bastante. Preparou-me para vários desafios na vida, especialmente para assumir a liderança enquanto ser criativo, enquanto artista. Não necessariamente para este, já trabalho com a comédia desde 2004 com os meus irmãos do Pionés. Foi aliás neste colectivo que tudo começou, a minha matriz nestas andanças cómicas nasce aí, nos sótãos e garagens das Caldas onde nos reuníamos e criávamos ideias malucas que esperávamos que se concretizassem. Felizmente muitas delas foram avante.

GC – Quantas peças desenvolveu com João Garcia Miguel? Qual foi a sua favorita?
JPS –
Trabalhei com o João em três peças: A Velha Casa, Sangue – Estudos sobre Antígona e O Banqueiro Anarquista.
A Velha Casa foi uma encenação sobre um texto de Luiz Pacheco, uma revisitação à casa de seus pais, onde o “palco” era mesmo uma velha casa em Alfama. Esta foi das experiências mais bonitas e intensas que já tive.

GC – Como está o Pionés? Há novas ideias na calha?
JPS –
O Pionés está sempre vivo naqueles que o criaram. Falo bastante do Pionés aqui em São Paulo e, na verdade, é com muita tristeza que a situação do país não nos permita trabalhar mais, criar mais, expor mais. O Pionés existe e resiste nas nossas cabeças e ainda vamos fazer muitas coisas… Haja saúde, coragem e criatividade! Acho que o conceito de humor do Pionés seria um sucesso aqui no Brasil. A televisão portuguesa, privada e pública, não arrisca, não tem dinheiro, está completamente refém de um mercado minúsculo e de uma crise que serve de desculpa para tudo. Há uma estagnação social, onde os meios de difusão não são excepção. Foi esse marasmo social que procura atrofiar todos os que procuram resistir que me fez tomar a decisão de emigrar.

GC – Quando prevê o regresso a Portugal?
JPS –
Por muitas saudades que tenha, não prevejo o meu regresso para já. Profissionalmente é um deserto. o mercado está fechado para meia dúzia de pessoas que fazem parte de um sistema bastante viciado e de qualidade duvidosa. Mas voltarei, para as pessoas, recantos e cheiros do nosso Oeste. Um homem regressa sempre à terra que o viu nascer. Estou já com o síndrome do imigrante!

GC – Como é vista a crise que se vive cá aí no Brasil?
JPS –
É vista com algum distanciamento, é conhecida, mas mal compreendida. O que não é de estranhar porque mesmo na Europa ela não é entendida. Onde começou? Quem está a tirar um real benefício enquanto milhões empobrecem por um tempo indeterminado? Enfim, é um sinal dos nosso tempos. Aqui há uma alegria pela vida e um optimismo no futuro. Há esperança, como dizem por aqui usando uma metáfora futebolística, o Brasil “é a bola da vez”!

GC – Tem-se cruzado com mais portugueses em S. Paulo? De que áreas?
JPS –
Sim bastantes, não só os portugueses que aqui vivem há várias décadas, produto da vaga de emigração da década de 60, como jovens, mão de obra qualificada que se viu obrigada a sair de Portugal em busca de melhores trabalhos, melhores condições de vida, enfim um melhor futuro.
Tenho-me correspondido com um grande jornalista e escritor, Hugo Gonçalves, antigo jornalista do jornal i, que veio para o Brasil escrever um romance e trabalhar como free-lancer. Para ele as possibilidades editoriais estavam a tornar-se cada dia mais escassas e acabou por tomar a mesma decisão que eu – emigrar para alargar os horizontes e expandir as possibilidades. Agora devo dizer que ninguém emigra porque quer, emigra porque tem de ser, é acima de tudo um exercício violento de solidão, onde as referências culturais nas quais fomos criados e onde nos habituámos a viver desaparecem e somos confrontados com uma matriz cultural que não é a nossa. Somos ilhas de Portugal no continente sul-americano e para sobreviver é preciso força e resiliência que só os portugueses sabem ter.

Natacha Narciso

nnarciso@gazetadascaldas.pt

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