José Inácio Sobrinho é natural de Salir de Matos. Tem 84 anos e recentemente deu à estampa dois livros: um sobre memórias da vida civil e um outro onde relata as suas vivências militares. O caldense, que pertenceu ao contingente que inaugurou o novo quartel do RI5 em 1954, passou por Macau, Guiné e Angola, tendo passado oito anos na guerra colonial. Regressou a Salir de Matos aos 49 anos, e desde então divide o seu tempo entre as suas pinturas (a que se dedica desde criança) e os trabalhos agrícolas. Sempre foi um defensor da Natureza, preocupando-se em particular com as espécies em perigo de extinção.
“Antes que se apague a memória…”. Assim se intitula o livro que José Inácio Sobrinho escreveu e onde guarda memórias da sua vida. É nesta obra que conta aos leitores que sempre gostou de desenhar. Era ainda garoto quando lhe pediam para desenhar os monogramas das noivas nas peças do enxoval. Revela também que frequentou a escola entre os cinco e os nove anos, quando foi construído o edifício escolar ao lado da sua casa no Casal da Areia (Salir de Matos). “Lembro-me de colegas que iam descalços e cujo lanche era pão de milho com azeitonas”, disse à Gazeta das Caldas enquanto vai desfolhando a obra de memórias que mandou fazer em edição de autor e que vai oferecendo aos seus amigos e conhecidos. Conta nesse livro que terminada a 4ª classe, foi ajudar os pais nas tarefas do campo, tal como faziam todas as crianças daquele tempo.
Quando chegou à idade de ir para a tropa (obrigatória naquele tempo) foi para Caçadores 5 (em Campolide, Lisboa). Tinha 20 anos. Corria o ano de 1954. Mas assim que assentou praça veio estrear o novo quartel do Regimento de Infantaria 5 nas Caldas da Rainha.
“Fomos os primeiros recrutas do RI5”, afirmou José Inácio Sobrinho, dando a conhecer que por causa do seu lado de pintor foi convidado no ano seguinte a pintar um quadro de D. Nuno Álvares Pereira. A pintura teve uma vida atribulada. “No tempo do PREC furaram-lhe os olhos, depois foi abandonada e actualmente precisa de restauro”, disse o autor da obra, concretizada há 63 anos e que José Sobrinho já restaurou.
Após ter estreado as instalações novas do RI5, “ofereci-me como voluntário para ir para Macau”, disse José Sobrinho que partiu em 1955 do Cais de Alcântara a bordo do navio Quanza. E é no segundo livro, intitulado “Memórias de uma vivência em ambiente de guerra” que conta o seu testemunho sobre por onde passou e as operações militares que integrou. Em terras do Oriente teve como primeiro trabalho dar aulas de português a praças moçambicanos que se encontravam na ilha de Coloane. E foi algo que muito agradou ao caldense pois teve a oportunidade de saber mais sobre o país dos seus instruendos. “Estive em Macau cinco anos e meio. Fui para lá com a instrução primária sai de lá com o curso do liceu, que dava acesso à universidade”, contou o caldense que aproveitou a oportunidade de frequentar o Liceu Infante Dom Henrique, em Macau. Nesta escola fez amizade com o chinês Chan que foi seu colega e juntos terminaram o curso dos liceus em 1961. Depois de visitar vários países do Oriente desde a Índia ao Egipto, Inácio Sobrinho regressa a Portugal de navio, numa viagem de regresso que demorou 41 dias ao passo que a de ida levou 35.
Quando chegou a Portugal, depois de uns dias de descanso, vai para Angola. Parte em 1962 para Cabinda para desempenhar funções de sargento de operações e informações. Só regressará a casa em 1963, altura em que vem casar. É mandado então para Guiné Bissau e mais uma vez, o que ali viveu está contado em pormenor no seu segundo livro.
Em 1967, após uma breve passagem pelo RI5, é novamente mobilizado para Angola. Em 1971 regressa a Portugal, mas um ano depois é novamente chamado para o mesmo território. Já não viajou de navio, mas sim num dos Boeing 747 que então ligavam Lisboa a Luanda. Saiu de Angola no início de 1974, quando já se vivia o Verão quente e se aproximava a passos largos a independência do país. No seu segundo livro, o caldense recorda vários factos relacionados com a retirada das tropas e com a descolonização do território.
Entre a pintura e a agricultura
Saiu da tropa aos 49 anos como capitão. Passou a dividir o seu tempo entre o cultivo das suas terras e uma das suas artes: a pintura. Desenvolveu técnicas próprias e retratou familiares e amigos. Na sua casa tem uma grande galeria onde guarda as suas obras, muitas dedicadas às antigas profissões, às práticas agrícolas, a alguns monumentos e, sobretudo, muitos animais e espécies vegetais. Este último tema é caro para o autor que descobriu numa das suas propriedades uma árvore que não conhecia. Um amieiro que teria sido semeado em Salir de Matos pelos monges de Alcobaça. “Uma das razões que terá levado ao quase desaparecimento desta espécie terá sido um uso excessivo para fazer móveis e tamancos”, disse o caldense.
José Inácio Sobrinho resolveu proteger esta espécie que se encontrava quase em extinção e conseguiu que esta fosse classificada, tal como Gazeta das Caldas noticiou em 2012. É a única árvore classificada no concelho caldense e o único amieiro considerado de interesse público a nível nacional.
O caldense gostaria que mais amieiros fossem plantados pelo concelho e pelo menos no Paul de Tornada já há um espécime plantado recentemente na comemoração dos 30 anos daquele polo ambiental. Também gostava de os plantar na Ribeira dos Amiais pois “a espécie dá nome à própria terra”, rematou.
“Descurar a segurança teve graves consequências”
Entre as muitas histórias que José Inácio Sobrinho conta sobre a guerra colonial, o caldense destaca que entre as tropas existia por vezes um comportamento que levou a que tivesse existido um elevado número de baixas nos conflitos. “Os que se encontravam em final de comissão, prestes a regressar para junto das suas famílias, adoravam fazer alarde do seu destemor junto dos recém-chegados, os maçaricos, descurando a sua defesa. Um dos casos mais badalados aconteceu no Norte de Angola. Um grupo de cerca de 20 militares nossos no final da comissão, acabados de ser rendidos, dirigia-se à sede da sua unidade para regresso às suas terras. Para dar mostras da sua valentia colocaram um pau de vassoura onde deveria ir instalada a metralhadora. Foram atacados e acabaram todos mortos, espoliados e desnudos”.































