Cidade Imaginária, assim se designa o último livro de João B. Serra, apresentado a 7 de Dezembro, no Museu Malhoa, por Pedro Mendonça.
A sessão contou com sala cheia e com a presença de Jorge Sampaio, antigo Presidente da República e de quem João Serra foi chefe da Casa Civil.

“A cidade onde crescemos acompanha-nos pela vida toda”, disse Pedro Mendonça, na sua intervenção sobre o livro de João Serra, editado pelo Património Histórico. Cidade Imaginária conta com ilustrações de Ana Aragão, design de Henrique Cayatte e prefácio de Luísa Soares de Oliveira (crítica de arte contemporânea e docente da ESAD).
O apresentador, que é também coordenador da revista cultural caldense Três Três, referiu que se revia nesta abordagem que o investigador fez sobre as Caldas no conto Cidade Imaginária: “Esta cidade faz parte de mim, foi a minha primeira cidade, nesse sentido a minha primeira pátria do mundo, pois foi aí que pela primeira vez tive a noção de que o meu lugar estava ligado a muitos outros lugares”.
Neste conto dedicado à cidade termal, João Serra afirma que “o património é o primeiro identificador duma cidade, o que a personaliza e o que alimenta o seu imaginário”. Pedro Xavier acha, por isso, que a obra é “uma espécie de passeio pelo mundo da cultura que se dedica um pouco a uma portugalidade cosmopolita”.
As pequenas estórias sobre as cidades – referentes a Roma, Macau, Atenas, Leiria, entre outras – são contadas neste livro através de diálogos, em regra balizados por duas personagens, uma mulher e um narrador.
Cada uma das narrativas remete para um lugar e um tempo definidos, geográfica e humanamente concretos, mas os textos do autor adiciona-lhes imagens que a literatura, a pintura, a fotografia, o cinema e a história construíram sobre o lugar e o tempo.
“A cidade tem um papel central na experiência moderna”, disse Pedro Mendonça acrescentando que a Cidade Imaginária é constituída “por fragmentos que ilustram momentos vividos em diferentes cidades”. A obra reúne quarenta e duas short stories (pequenas histórias), que são percepções sobre a cidade contemporânea, as suas referências humanas e as suas projecções identitárias.
Apoiar estudantes sírios
O autor João Serra referiu perante a plateia que ainda lhe faltavam viver dois tipos de situações. A primeira era a de fazer de mestre-de-cerimónias, o que conseguiu realizar nesta apresentação. Resta-lhe agora uma outra que nunca viveu: “Ter alguém à minha espera com um cartaz com o meu nome num aeroporto”, partilhou o investigador que agradeceu a todos os que contribuíram para poder realizar esta Cidade Imaginária.
O antigo Presidente da República, Jorge Sampaio afirmou à Gazeta que “foi um grande prazer vir às Caldas”. O actual conselheiro de Estado acrescentou que o deixava muito satisfeito o facto da cidade “ter tantas actividades culturais. É algo muito significativo”, rematou.
Cidade Imaginária não tem patrocinadores e, pagos os encargos com a tipografia, o remanescente reverterá para a Plataforma de Apoio aos Estudantes Sírios promovida por Jorge Sampaio.
Esta obra está à venda no Museu Malhoa, na Vogal e na loja da Gazeta das Caldas. Em Leiria, poderá ser adquirida na Livraria Arquivo, onde foi apresentada ontem por Cristina Nobre.
Excerto do conto Cidade Imaginária, do livro homónimo
Philip, amor
Chamei uma empresa de transportes para me ajudar na distribuição da mobília e vestuário que a tia deixou a diversas instituições. Em seguida fui ao mercado, a praça de fruta, legumes e criação. Mais uma vez a lembrança viva daquela ordem agitada, da diária negociação de preços e verificação de qualidade, dos rituais da relação destinta entre vendedores e fregueses regulares ou esporádicos tomou conta de mim. Procurei o sitio onde a tia, com o avental e a bolsa de pano amarrada à cintura, dispunha às sexta, sábado e domingos a sua pequena banca : as cestas e as caixas com os produtos seleccionados por ela e pelo tio para trazer à praça uma balança de pratos.
O mercado deve ter sido o primeiro marcador de cidade. Nasci e passei a infância no campo e a experiencia da cidade só a tive de forma consistente quando passei a frequentar o ensino secundário. Enquanto atravessava a Praça fui inventariando os outros marcadores urbanos da minha adolescência.
Em primeiro lugar as estações dos transportes, de camionagem e comboio que me fascinaram na sua inesgotável capacidade de receber e levar pessoas e bens a distâncias enormes. Em segundo lugar, o comércio e a industria, para mim objectivados na Rua das Montras, onde todas as casas eram lojas, e nas fábricas SECLA, onde a minha mãe comprava louça, e FRAMI, dos bolos. Em terceiro lugar, uma variedade imensa de serviços, instalados alguns em grandes edifícios como o Tribunal, os quartéis – da Polícia e do Exército – e o Hospital. É certo que não os conheci a todos durante a minha adolescência, mas lembro-me bem dos cafés, locais de passagem obrigatória, dos consultórios médicos que tanto me apavoravam, da escola onde fiz o ensino liceal, das Finanças, da Câmara e da Gazeta, onde o meu pai se deslocava semanalmente, das lojas a que o meu avô me levava quando ia ver os amigos ou se deslocava ao armazém, ao fundo da Rua das Montras, onde acertava as questões do vinho. (…)






























