João Serra apresentou reedição de “Memórias das Caldas” no CCC

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“Memórias das Caldas da Rainha (1484 – 1884) de Augusto Silva Carvalho foi publicado nos anos 30 do século passado

 

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Decorreu no sábado, 20 de Outubro, a apresentação do livro “Memórias das Caldas da Rainha (1484 – 1884)” de Augusto Silva Carvalho, um fac-símile da edição de 1932, que contou com cerca de uma centena de pessoas na assistência.
A reedição, feita pela Textiverso e com o apoio do PH-Grupo de Estudos, foi patrocinada por Ricardo Charters d’Azevedo, um mecenas de Leiria que tem apoiado várias edições relacionadas com a história local no distrito de Leiria.


“Esta obra é uma das referências documentais mais influentes para o conhecimento do hospital termal até à década de 80 do século passado”
, disse Isabel Xavier, a presidente do PH, durante a sessão de apresentação da reedição de “Memórias das Caldas da Rainha”. Depois dessa época, foram vários os estudos, coordenados por João Serra, que deitaram nova luz.
Segundo aquela responsável a obra encontrava-se esgotada há vários anos e agradeceu a Charters d’Azevedo por ter patrocinado a reedição “num gesto  de abnegação cultural merecedor do nosso apoio e cumplicidade”.
Porque é que este mecenas financiou este livro? “As pessoas devem conhecer melhor a história da sua terra para gostar mais do futuro que os espera”, disse Ricardo Charters d’Azevedo, autor e investigador de vários temas relacionados com o distrito de Leiria.”Não sou das Caldas mas esta sempre foi a segunda cidade do distrito”, disse o agente cultural que vinha com o seu pai à Zaira há muitas décadas e  que ainda hoje adora as visitas à  Praça da Fruta. “É algo extraordinário, que se mantém o que eu conheci quando tinha apenas 10 anos”, disse.

Na mesa Isabel Xavier, João Serra, a vereadora Maria da Conceição Pereira, o mecenas Charters d’Azevedo e o editor Carlos Fernandes

O mecenas durante o seu discurso afirmou que um dia gostaria de ver João Serra como presidente da Câmara das Caldas, o que suscitou palmas e sorrisos na plateia. Em seguida, a vereadora da Cultura, Maria da Conceição Pereira interveio  para comentar como é sempre interessante “ver Leiria a patrocinar as Caldas em especial quando se fala tanto nas reformas administrativas e é interessante ver estas iniciativas”. E num momento em que o Hospital termal está de uma forma tão intensa sobre a mesa, estas iniciativas são importantes pois o facto da cidade ter o primeiro hospital do mundo “é algo que é único e tem que ser algo a valorizar numa altura em que o país tanto precisa de valorizações e  afirmações”.
A vereadora, sobre o desejo do mecenas ver João Serra como presidente da Câmara disse sorrindo, que o investigador poderia “ser presidente ou vereador”.

Um médico-historiador

Sobre “Memórias das Caldas da Rainha (1484 – 1884)” de Augusto Silva Carvalho, João Serra explicou à atenta plateia que
este foi um médico e historiador das medicinas. Natural de Tavira, Augusto Silva Carvalho nasceu em 1861 e faleceu em Lisboa em 1957. Trabalhou nas áreas de serviços de saúde, tendo uma acção relevante no combate à tuberculose e foi responsável pelo dispensário de Alcântara. O autor dedicou-se quase exclusivamente à medicina e à assistência em Portugal e leccionou na Faculdade de Medicina onde foi professor catedrático.

Uma centena de pessoas reuniu-se no centro cultural para ouvir o presidente da capital europeia da cultura

João Serra recordou aos presentes que Silva Carvalho dedicou dois trabalhos às Caldas. Além destas Memórias, o conferencista também se referiu a uma comunicação que data de 1947 que fez no Congresso luso-espanhol de Hidrologia. “Este é curto mas muito importante pois, com base na documentação das chancelarias (onde ele pesquisou), afirma-se, sem margem para dúvida, de que existiu nas Caldas um balneário para tratamento termal antes de intervenção da rainha D. Leonor”, disse.
Segundo o historiador caldense, em documentação trazida a lume depois dos anos 80 do século XX,  “foi possível recuar até ao século XIII, altura em que já existia uma zona de acolhimento de doentes que se banhavam em águas de Óbidos”, contou.
João Serra comentou ainda que este livro “não é sobre o concelho das Caldas da Rainha nem a cidade é o seu objecto de estudo”. Mais do que uma história de médicos, da medicina ou da hidrologia, a obra  “é  uma história da instituição, o que ela passou, a forma como foi gerida e os vários provedores que a coordenaram”, disse o historiador.
Silva Carvalho analisa como esta instituição, criada por uma rainha no século XV, foi evoluindo ao longo do tempo até 1884. “A partir desta data, a história deixou de lhe interessar. E porquê?”, questionou o historiador. É que a partir desta data houve dois factos que mudaram esta história: “a entrada para a administração do hospital de Rodrigo Berquó e a chegada de Bordalo Pinheiro às Caldas”. ou seja, o hospital termal perde a aquela proeminência que dominou a localidade entre o século XVI e XIX e ele tem conciência disso.
Tudo se altera quando entra para a administração do hospital um engenheiro do politécnico com formação militar que se tinha caracterizado pela gestão de outras termas ao serviço. Berquó defendia um modelo de desenvolvimento que  “não era apenas para o público mais carenciado do país nem apenas para as elites. Defendia pois um modelo de termas integradas no desenvolvimento da cidade, num quadro regional, nacional e internacional”, disse Serra acrescentando que  Berquó defendia que Caldas “se transformasse num dos maiores centros termais da Europa”.
Em 1884 chega também Bordalo Pinheiro que aqui instala uma fábrica moderna da Revolução Industrial, com máquina a vapor com centenas de operários que vinha produzir faiança para as casas portuguesas, em alternativa à cerâmica holandesa e chinesa referiu o convidado. “Traz uma indústria de massa, moderna, diferente da artesanal,. Bordalo queria uma grande indústria nas Caldas da Rainha”, acrescentou.
João Serra referiu ainda a ligação de Bordalo à Associação Comercial e Industrial – “um organismo de intervenção na cidade  que até aos anos 40 será responsável por iniciativa poderosas desde as feiras que levaram ao reconhecimento em 1927 do estatuto de cidade”. A esta associação ainda se deve a ideia da criação do Museu Malhoa  e o  lançamento de um conjunto de iniciativas da área do turismo e que influenciam a Câmara Municipal a encomendar a Paulino Montez o primeiro instrumento de planeamento de uma cidade: o primeiro plano urbanístico das Caldas. “É a instituição herdeira de Bordalo que pensa qual o desenho urbanístico que deve ter a cidade.
Silva Carvalho escolheu esta data (1884) para terminar o seu estudo pois a instituição termal deixa de ser o centro e “portanto a história deixa de lhe interessar”.
João Serra explicou que o livro tem áreas que estão muito bem documentadas, isto é, investigação posterior não fez alterar os pontos de vista de Silva Carvalho. “É uma obra onde, pela primeira vez, se dá um papel muito importante à investigação científica”, disse o investigador.
João Serra passou em revisão os estudos seguintes que se realizaram nas Caldas e na região, tendo destacado o projecto pioneiro da Fundação Gulbenkian, feito nos anos 60,  que uniu historiadores, geógrafos e agrónomos que produziram um primeiro volume sobre “A região a Oeste da Serra dos Candeeiros”, dirigida pelo engº Lopes Cardoso.
É a primeira vez que surge a designação da região Oeste que faz mais sentido que “o conceito de distrito que se começou a esboroar e hoje não existe”. O historiador sublinhou que presentemente o que há são regiões mais ou menos homogéneas e que o país está cada vez mais integrado pelas ligação do sistema de comunicações – estradas e auto-estradas – o que acabou por alterar a própria geografia do país.
Segundo João Serra, hoje já não se poderia fazer este estudo pois a “instituição diluiu-se na cidade e concelho, já não é uma unidade muitos excitante do ponto de vista da historiografia”, rematou.

Enviar “Memórias” a governantes para que conheçam as instituições

Mário Gonçalves, ex-presidente do Conselho de Administração do CHON, na sua intervenção sugeriu que fossem enviados exemplares desta obra ao ministro da Saúde e ao presidente da Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo “para que possam reconsiderar as afirmações desagradáveis quase insultuosas que têm feito em relação às Caldas da Rainha”.
Para o médico, em vez do Ministério da Saúde dizer que não tem nada a ver com as termas “deveria estudar a história e identificar-se com ela. Sendo este o primeiro hospital criado no país – mesmo antes da edificação do Hospital de Todos os Santos em Lisboa – ficariam pois a saber o quanto as Caldas da Rainha representa para a saúde do país”, rematou.
O editor Carlos Fernandes, responsável pela editora Textiverso, explicou que foram feitos 300 exemplares da obra, tendo elogiado a acção cultural e o apoio que Charters d’Azevedo dá à publicação dos estudos relacionados com a história local.
O mecenas, que agora está a apoiar investigação em Ansião, local onde teve familiares padres, explicou à Gazeta das Caldas que no futuro, deveriam ir para as Câmara Municipais “pessoas capazes”. O mecenas, que teve vários cargos internacionais na Comissão Europeia, acha que as pessoas votam “em pessoas e nas suas equipas e a nível regional e nacional ainda temos pessoas capazes que poderiam levar o país para a frente. João Bonifácio Serra é uma delas, creio que está bem posicionado”, rematou o engenheiro, agente cultural da história regional de Leiria.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

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