Inês Querido retrata aldeia holandesa ocupada por artistas nos anos 70

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Inês Querido
Inês Querido

Inês Querido está há um ano a viver em Amesterdão e a trabalhar numa agência de fotografia de documentário. Num dos seus últimos projectos, esta jovem de 25 anos fotografou o quotidiano de uma aldeia holandesa que alberga artistas nela instalados desde os anos 70. Apesar de ser uma comunidade fechada, a caldense integrou-se e foi convidada a realizar uma exposição no festival anual de Ruigoord.

Inês Querido estava a terminar a pós-graduação em Londres em 2009 quando se deixou impressionar “pela qualidade e ousadia” dos trabalhos de fotografia de documentário da Agencia Noor na Holanda. Por isso, candidatou-se a um estágio naquela organismo que de quatro passou a sete meses, tendo ficado encarregue de um projecto de grupo da agência sobre as consequências das mudanças climáticas. “Foi uma experiência extraordinária. O meu último projecto para a agência foi produzir uma exposição que se encontra de momento em digressão”, contou a autora, explicando que as imagens até passaram a fronteira holandesa e puderam ser vistas numa galeria de Colónia, na Alemanha.
A caldense apaixonou-se por Amesterdão. Classifica-a como “uma cidade extraordinária, cheia de vida e de acontecimentos culturais interessantes, muitos deles ligados à fotografia”. Considera a capital da Holanda a sua cidade de eleição, mesmo depois de ter vivido em Nova Iorque e em Londres. Comparativamente Amesterdão “parece quase uma aldeia” pois o centro da cidade é pequeno e “está tudo ao alcance de umas pedaladas de bicicleta”.
Inês Querido não troca a bicicleta por nada, mesmo com a chuva intensa e a neve que no Inverno passado marcou presença durante três meses. A autora só identifica vantagens no transporte de duas rodas pois “proporciona uma liberdade incrível, não polui e ainda fazemos exercício”.
Na Holanda há “um respeito imenso pelos ciclistas, há vias próprias por toda a cidade e muitas vezes temos prioridade sob os automóveis. Até me esqueço que vivo numa capital”, disse, embora, em rigor, a capital da Holanda seja Haia.
Ruigoord e os artistas

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Um alemão praticante de bikram yoga  (que une técnicas tradicionais de yoga com sauna) foi o responsável indirecto por este projecto da jovem caldense. Foi ele que a convidou para uma aula de yoga numa “aldeia hippie”, Ruigoord, situada a uma hora de bicicleta do centro da cidade.
“Nunca tinha ouvido falar em tal aldeia e decidi juntar-me ao grupo”, recordou Inês Querido. “Fiquei maravilhada com o ambiente de Ruigoord e com as pessoas que conheci”,  acrescentou, contando que decidiu regressar no fim-de-semana seguinte para fotografar. Acabou por voltar várias vezes entre Junho e Julho deste ano.
Ruigoord era uma ilha num lago a oeste de Amesterdão que foi drenado por volta de 1870. Era uma aldeia rural com cerca de 100 habitantes até 1960, quando o município de Amesterdão decidiu construir um porto naquele local. Foi então oferecida uma recompensa monetária aos habitantes para abandonarem as suas casas e, no início dos anos 70, quando quase toda a aldeia estava desabitada e as obras de construção do porto já se tinham iniciado, “houve uma inesperada falta de fundos que paralisou o projecto”, disse a caldense. Nessa altura um grupo de artistas da capital holandesa ocupou Ruigoord, reconstruiu as casas, parcialmente destruídas pelas bulldozers, convertendo-as em ateliers artísticos.
“Após ocuparem a aldeia, o colectivo de artistas, designado Amsterdam Ballon Company, comprou um autocarro de 1969 e com ele viajou aos quatro cantos do mundo (desde a China, Índia, Rússia até à África do Sul) fazendo performances e novos amigos”, disse Inês Querido. Este ano o grupo foi convidado para participar no Boom Festival em Portugal e “toda a comunidade juntou esforços para recuperar o velho autocarro, processo que documentei com a minha câmara”, disse a jovem, acrescentando que o autocarro foi todo reconstruído e até lhe instalaram painéis solares e moinhos eólicos que, com a ajuda de várias baterias, dão energia ao sistema de som. “E foi no veículo recuperado que viajaram este Verão até Portugal”,disse.

“Centro cultural até 2012. Depois não se sabe.”

No final dos anos 90 o município de Amesterdão decidiu continuar o projecto de construção do porto, ameaçando novamente a existência da aldeia. Após anos de protestos e procedimentos legais, Ruigoord acabou por ser considerada como centro cultural alternativo e foram-lhes concedidos 10 anos de estadia após os quais o caso será revisto. Dois anos já se passaram, e com a comunidade a fazer 40 anos de existência em 2012, não se sabe o que o futuro lhes reserva.
A cada visita, Inês Querido foi-se tornando familiar aos moradores. “Ruigoord recebe diferentes visitantes todos os fins-de-semana e não foi fácil começar a fotografar pois os moradores estão cansados de estar rodeados de turistas entusiasmados com a câmara fotográfica sempre à mão”.
Não foi fácil para a caldense ganhar a confiança daquela  comunidade, mas acabou por fazer bons amigos. Foi até convidada por um dos locais a participar no Open Atelier Festival, evento anual durante o qual os artistas abrem as portas dos seus ateliers e mostram o seu trabalho.
Os participantes do festival são todos moradores de Ruigoord ou artistas com uma relação especial com a aldeia e foi “uma grande surpresa para mim ter sido convidada a expor”, disse.
A exposição decorreu em  Setembro tendo a jovem pendurado as imagens na rua, entre as árvores por toda a aldeia. Inês Querido diz que esta foi “uma oportunidade extraordinária” para mostrar às pessoas de Ruigoord o género de trabalho que ela desenvolve e “fiquei muito feliz com o carinho e entusiasmo com que o projecto foi recebido”.
A jovem concorreu à bolsa InovArt com o intuito de prolongar a sua estadia e agora é assistente da fotógrafa de documentário Ilse Frech, com o apoio daquele programa. Depois… logo se vê.
“Adorei Amesterdão e pode ser que um dia volte a cá morar… Mas antes disso há outros sítios para explorar e outras culturas para conhecer”, rematou a fotógrafa.

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