Herculano Elias: Uma vida dedicada à arte

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Gazeta das Caldas

2MestreHerculanoEliasCronologia

Gazeta das Caldas* apresenta aos seus leitores uma cronologia das principais actividades deste artista. Terão acontecido mais eventos relacionados com a sua carreira, no entanto, este semanário arrisca, nas suas páginas, as principais iniciativas que marcaram a carreira de Herculano Elias.

1932- Nasce nas Caldas – descende de família de ceramistas. Destacam-se avô Herculano e tio-avô Francisco Elias, criador da escola caldense das miniaturas em barro

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1943 – Frequenta como ouvinte as aulas nocturnas do escultor Alberto Morais do Vale e de modelação com barro na Escola Industrial e Comercial Rafael Bordalo Pinheiro. Durante o dia é aprendiz do primo José Elias, modelador da Fábrica de Faianças Artísticas Rafael Bordalo Pinheiro.

1944 – Com familiares, integra equipa da fábrica Mestre Francisco Elias na Rua Henrique Sales, considera o embrião da futura Secla

1946 – Aprendiz na Secla

1949 – Primeira exposição, aos 17 anos, de miniaturas no Palácio Foz em Lisboa. Não consegue prosseguir estudos nas Belas Artes mas é admitido no atelier do escultor João Fragoso, na capital.

1950 – Termina curso de modelador cerâmico na Escola Industrial e Comercial com 18 valores em desenho e 20 valores em modelação.

Segunda exposição das miniaturas no Posto de Turismo das Caldas e em simultâneo no Palácio Foz em Lisboa.

1954 – Integra novamente equipa da Secla. Desempenha diversas funções. Colabora com Hansi Stael (directora artística da Secla) na modelação de vários murais.

1960 – Presente com cerâmica de autor no 2º Salão dos Novíssimos. Participa todos os anos até 1964. É monitor no curso de formação cerâmica da escola Comercial e Industrial. Durante a década de 60 responde a encomendas e faz trabalhos de azulejo, painéis cerâmicos, expõe colectiva e individualmente. Faz medalhas em cerâmica

1969 – IV Salão dos artistas caldenses. Participa com um mural

1970 – Cria o Gabinete de Desenho e  Modelação para a execução de modelos para a cerâmica de exportação na Secla

 

 

A peça designada apenas por “Escultura”, foi a última obra de arte pública, da autoria de Herculano Elias (1932-2015) que foi inaugurada no passado mês de Abril, no turismo rural, Casal da Eira Branca (Infantes).
O ceramista e miniaturista, que faleceu recentemente, disse à Gazeta que esta obra representava a “simplificação das formas” e foi colocada nos jardins daquela unidade de turismo rural, conhecida pela promoção e divulgação da cerâmica contemporânea local.
Além da inauguração de “Escultura” houve ainda um debate sobre a cerâmica na actualidade que, além do mestre Herculano, contou com a participação de José Luís de Almeida Silva (Gazeta das Caldas e Cencal) e dos ceramistas Carlos Enxuto e Mário Reis. Naquela sessão não passou despercebida a paixão que aos 82 anos, Herculano Elias ainda sentia pela arte de trabalhar o barro, que herdou de várias gerações de ceramistas, dotados e que trabalharam com Rafael Bordalo Pinheiro. Naquela tertúlia de Abril deu uma aula sobre a cerâmica tradicional das Caldas e que muito agradou aos presentes e que incluiu a apresentação de um filme sobre as técnicas de olaria, da verguinha, ou de decoração com o areado e o musgado.
Naquela tarde de Abril, o ceramista mostrou como sabia os nomes, os locais de oficina e as datas de importantes momentos como a introdução dos moldes de gesso e foi ao pormenor de mostrar filmes ao som das ocarinas, instrumento musical, feito em cerâmica e que teve nas Caldas da Rainha vários tocadores.
Por causa dos artigos publicados na Gazeta das Caldas a respeito das iniciativas de Herculano Elias, eram frequentes os contactos de leitores de todo o país interessados nas suas obras ou em contactar o mestre.

Homenagem no Museu do Hospital e das Caldas

Em Dezembro último, o miniaturista também foi homenageado numa sessão, organizada pela sua família, que teve lugar no Museu do Hospital e que contou com a presença de dezenas de participantes. O ceramista recebeu palavras de apreço das suas filhas, dos amigos e também do vereador Hugo Oliveira, em representação da autarquia.
A livreira Isabel Castanheira revelou uma grande admiração pelo trabalho do homenageado e fez uma resenha sobre os anteriores membros da família Elias que ao longo de 125 anos se dedicaram à arte cerâmica nas Caldas. A convidada destacou que o mestre Herculano Elias “é o representante actual dessa plêiade de artistas ceramistas que remonta a 1869, data do nascimento de Francisco Elias dos Santos, o primeiro desta família a dedicar-se a esta arte”.
Isabel Castanheira salientou os temas que Herculano Elias escolhe para produzir as suas obras, tais como a recriação de quadros de Malhoa, cenas familiares ou de trabalho, de folclore ou quadros históricos ou religiosos.  A oradora referiu também o pormenor e a vivacidade que Herculano Elias consegue imprimir às suas figuras liliputianas que “chega a provocar em nós a surpreendente sensação de que estão em movimento”. A livreira concluiu a sua intervenção afirmando que as peças de Mestre Herculano “são filigrana feita de barro que surgem perante os nossos olhos para nos encantar”.
Aos 82 anos, este artista continuava a trabalhar diariamente na arte da miniatura, compondo obras de arte com cinco centímetros de tamanho, tendo concluído o seu último presépio quinze dias antes do seu falecimento. Herculano Elias contou que continuava a trabalhar e apesar da provecta idade,  não precisava de óculos, e continuava a dar vida às suas miniaturas, dando resposta às encomendas de coleccionadores que, segundo partilhou, são sobretudo do Norte do país.

N.N.

Câmara aprova voto de pesar
O executivo municipal aprovou por unanimidade, na sessão de Câmara de 31 de Agosto, um voto de pesar pelo falecimento do ceramista Herculano Elias.
No texto inicialmente proposto pelo grupo municipal do PS, é destacado que esta figura publica  aglutinava a “admiração e a afeição de todos os sectores cívicos de uma comunidade”. Acrescenta ainda que ele representa um sector em que a “criatividade e o pioneirismo são elementos imprescindíveis da sua actividade”.
O seu falecimento “representa um duro golpe para o concelho das Caldas da Rainha”, refere o documento, destacando a sua “extraordinária” carreira como ceramista, como educador e como pessoa. “É essa característica cortês e afável da sua personalidade que sempre recordaremos em primeiro lugar”, destaca.
A sua obra “conservará a memória deste gigante mestre ceramista de forma perene”, refere, acrescentando que cumpre a todos, agora, “garantir da sua constante socialização e valorização”.
O documento aprovado destaca ainda que o exímio miniaturista tem o seu lugar assegurado, há muitos anos, na história da cerâmica portuguesa. F.F.

Deixou-nos o Mestre Herculano Elias
Um tanto inesperadamente, deixou o nosso convívio aquele que foi uns dos derradeiros grandes da tradição cerâmica caldense.
Herdeiro de um nome que ficará indelevelmente ligado à vida cultural da nossa Cidade, Herculano Elias foi um grande ceramista – escultor, modelador, miniaturista e até pintor.
O Grupo de Amigos do Museu de Cerâmica, de que foi um dos seus dirigentes e impulsionadores, lamenta profundamente, a ausência do seu convívio e apresente à família o seu sentido pesar. Pelo G.A.M.C. – Mário Tavares

Para Herculano Elias, a cerâmica é a “mais simples e mais difícil de todas as artes”
“A Cerâmica é de todas as artes a que origina uma unidade indestrutível. É simultaneamente a mais simples e a mais difícil de todas as artes. A mais simples por ser a mais elementar; a mais difícil por ser a mais abstracta.
Julgue-se a arte de um país, a delicadeza da sua sensibilidade pela respectiva cerâmica que é pedra de toque segura.
A cerâmica é arte pura; arte livre de qualquer intenção imitadora.
A escultura, com a qual se relaciona mais de perto, teve desde o começo intenção imitadora e talvez seja, nesse sentido, menos livre para a expressão da vontade de formar do que a cerâmica.
A cerâmica nas Caldas da Rainha tem duas tipologias. A da roda (olaria) e a escultórica. Desde a Fundação pela Rainha Dona Leonor das Caldas da Rainha em 1485 , os ceramistas têm utilizado estas técnicas com engobes e vidrados”. Herculano Elias

Ao saudoso Amigo Herculano Elias

 

O falecimento do Mestre Herculano Elias provoca desgosto, tanto mais profundo quanto melhor for o conhecimento dos seus talentos profissionais e dos princípios que orientaram a sua vida. Face ao admirável legado artístico que nos deixou, é bem merecido que se enalteça a sua memória, lembrando o importante contributo que concedeu à Cidade que o viu nascer, através da dignificação da Arte que aqui representa uma das suas mais emblemáticas tradições.

Herculano Elias foi um Ceramista exímio que conferiu à sua Obra uma competência e uma especificidade que ilustram o seu enorme talento e muito honram a sua herança, dando continuidade à tendência familiar, designadamente no domínio da miniatura cerâmica que teve como primeira referência o sei tio-avô Francisco Elias.

No Catálogo da Feira Internacional de Artesanato- FIL 2002, encontramos os nomes de Francisco e de Herculano Elias de entre “Os Mestres Artesãos do Século”, justamente apresentados como exímios miniaturistas cerâmicos, nos textos subscritos por Matilde Tomaz do Couto e por Cristina Ramos e Horta, respectivamente. Já antes, em 1988, o Museu José Malhoa dedicara particular atenção ao tema da escultura em Cerâmica, na Exposição “A Arte da Miniatura em Barro – Escultores e Barristas”, da qual Matilde Tomaz do Couto foi a Comissária.

O Curriculum Vitae de Herculano Elias é muito vasto, identificado nas exposições em que participou a título individual ou colectivamente, a primeira das quais, com o título “Miniaturas de Arte em Terra- Cota”, foi realizada no Salão de Turismo das Caldas da Raínha, em Agosto de 1951, quando tinha 19 anos de idade. Por ocasião dos 60 anos da sua actividade artística, em Maio de 1996, foi inaugurada na Galeria Osíris, a Exposição “Herculano Elias momentos de um percurso”, em cujo catálogo se encontram depoimentos da autoria de Paulo Henriques e João Serra, que representam mais um competente referencial sobre a Personalidade e a Obra do insigne Ceramista.

De entre os seus trabalhos de arte pública, Herculano Elias é o autor do mural da sede dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha e do conjunto alegórico às quatro estações, situado na rotunda da rua Dr. Leonel Sottomayor.

Recebeu a Medalha de Mérito Municipal – Grau Ouro, atribuída pela Câmara Municipal das Caldas da Raínha, no ano de 2002; em 2009, o Rotary Club das Caldas da Rainha, elegeu-o como Profissional do Ano Rotário.

O seu trabalho criativo foi incessante, sendo de salientar que as exposições realizadas nestes últimos anos (“Natividade”, 2011; “Viagem” e “Memórias do Mar”, 2012 e 2013; “Presépios – Praça da Fruta”, 2014; duas Exposições de Miniaturas, 2015), vêm confirmar o amor que

Herculano Elias dedicou à profissão que sempre o inspirou, até ao limite da sua vida.

Mas a sua vocação não ficou confinada às artes da cerâmica e da pintura, foi também extensiva à arte de ensinar, correspondendo assim a um apelo íntimo, o de transmitir os seus conhecimentos, os segredos do seu mister, com o intuito de contribuir para que a tradição, na sua Terra, esteja para durar, devendo ser respeitada e salvaguardada.

Este ânimo de partilha encontra-se bem evidenciado no livro de sua autoria, intitulado “Técnicas Tradicionais da Cerâmica das Caldas da Rainha”, publicado muito apropriadamente na Colecção Testemunhos, e editado em 1996, pela Associação Património Histórico – PH e no catálogo da Exposição “Formas da Olaria das Caldas da Rainha”, cujos textos são da autoria de Herculano Elias e Helena Gonçalves Pinto.

A sua actividade cívica revelou-se exemplar quando integrou, sucessivamente, a Direcção do Grupo dos Amigos do Museu de Cerâmica, a Direcção da Liga dos Amigos do Museu de José Malhoa e o Grupo de Trabalho da Cultura do Conselho da Cidade – Associação para a Cidadania. Neste ambiente de participação, de voluntariado, foi sempre notável a sua diligência, o seu espírito de equipa, tendo em vista a concretização dos objectivos então traçados. A criação por Herculano Elias, de peças cerâmicas alusivas a eventos comemorativos, foi muito frequente, numa atitude de dádiva que evidenciava a sua abnegação, em coerência, afinal, com os valores que cultivou na convicção de que a capacidade de estima e a solidariedade, concorrem para o bom exercício da cidadania e no seu caso, com intenção cultural. O seu perfil humanitário enriqueceu sobremaneira a sua condição de Artista.

É imensa a saudade que fica para sempre.

Caldas da Rainha, 30 de Agosto de 2015

* Mário Gonçalves

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