
Editado pela Chiado Editora, o livro “Contos que eu vivi”, da autoria de Etelvino Gabriel, ex-militar de 66 anos natural da Serra d’el Rei mas que vive nas Caldas, foi apresentado no dia 3 de Novembro no Museu do Ciclismo. A obra de 300 páginas conta na primeira pessoa a passagem pela guerra do Ultramar, em Moçambique.
“Ao longo deste tempo fui vendo muita coisa escrita sobre a guerra colonial, artigos jornalísticos, teses de doutoramento e trabalhos de investigação. Mas muitos não são contados por quem viveu aquela realidade, daí ter pensado em contar exactamente o que passei, seja isso bom ou mau”, explicou Etelvino Gabriel, aproveitando a apresentação para dedicar a obra ao seu pai, que sempre o incentivou a escrever o livro, mas que não chegou a vê-lo publicado.
Passados 45 anos (Etelvino partiu para Macaloge em Julho 1971), o alferes decidiu colocar por palavras as memórias que guarda enquanto comandante do 3º Grupo de Combate da Companhia Lenços Negros. A pergunta coloca-se: porquê agora? “Só agora, depois deste tempo todo, é que consegui ter o afastamento emocional necessário que me permitiu fazer uma descrição objectiva dos acontecimentos”, respondeu.
Em “Contos que eu vivi”, Etelvino Gomes começa por fazer algumas considerações sobre a Guerra do Ultramar, explicando o que provocou o conflito, quais as dificuldades dos primeiros grupos militares que entraram no teatro de operações ou quem eram os guerrilheiros combatentes. Nas primeiras páginas faz ainda referência à ausência de equipamento e fardamento específico, aos interesses económicos dos Estados Unidos, Rússia, China e Índia relativamente às matérias primas africanas e à forma como os militares portugueses se adaptaram ao território.
Há também um capítulo dedicado ao medo: um sentimento que antes da partida para Moçambique era apenas psicológico, mas que ganhou revelo assim que entrou no campo de combate. Houve um episódio, recordado no livro, em que Etelvino Gabriel sentiu tanto medo que suou dos pés à cabeça, embora aos seus homens tivesse demonstrado confiança. Foi quando detectaram um material estranho de metal que desconfiaram que fosse um explosivo.
Acontece que o especialista em minas e armadilhas recusou-se a intervir e teve que ser o alferes a chegar-se à frente, escavando cuidadosamente até chegar ao objecto. A surpresa não poderia ter sido melhor quando descobriu que era apenas uma lata de sardinhas.
Este e outros episódios são contados ao detalhe no livro, desde a despedida de Portugal, a viagem de 27 dias no navio Niassa, as missões, o ataque ao quartel, a relação com a população e outras curiosidades. Há a história de um elemento que ficou desaparecido em combate, que mais tarde descobrimos que é um pastor alemão, os jogos de futebol que se organizavam no quartel, ou as correspondências trocadas com as madrinhas de guerra.
Nesta obra autobiográfica, Etelvino Gabriel dá conta que o seu grupo de combate era sempre dos primeiros a avançar, enviado para as missões de maior risco, sem nunca por isso ter tido qualquer tipo de privilégio ou regalia. Num dos capítulos o autor revela ainda que não encontra uma justificação significativa para fazer a guerra, mas que, estando lá, não podia fugir. A única opção seria enfrentá-la, defender-se quando era preciso e atacar antes de ser atacado. Matar, para não morrer.






























