O Grupo de Amigos do Museu de Cerâmica (GAMC) adquiriu recentemente em leilão, realizado pela Livraria Luís Burnay, uma carta autografa de 12 páginas de Rafael Bordalo Pinheiro, dirigida a Sousa Viterbo. A carta, que foi escrita em Lisboa, está assinada pelo artista e data de 6 de Julho de 1891. Custou 600 euros.
Naquela altura, a fábrica de Bordalo nas Caldas vivia a sua primeira grave crise financeira, que atingia também profundamente o país. A missiva respondia a um artigo publicado no Diário de Noticias sobre a situação das Artes Industriais em Portugal. Na missiva, Bordalo fala da produção cerâmica caldense e do seu contributo para a modernização artística e tecnológica desta actividade.
Bordalo Pinheiro escreve que naquela época a cerâmica das Caldas estava “em risco de perder-se em meio do caminho que pensava percorrer por falta de apoio (…)”.
Conta a Sousa Viterbo que há oito anos que trabalhava “assiduamente na reconstrução da nossa Cerâmica Artística” e que agora que começava “a colher os resultados d’este esforço, quando por dificuldades financeiras e, cousa notável, depois do êxito obtido na última exposição de Paris, a que todos assistiram é que surgiram tantas dificuldades que fomos obrigados a suspender os trabalhos artísticos (…).
Refere ainda que “todos fizemos muitos esforços para que não parasse o trabalho, eu pela minha parte posso assegurar-lhe que tenho feito enormes sacrifícios pessoais que continuarei até perder de todo a pequenina esperança que ainda me resta. (…). Acha ainda que a unidade fabril que dirige só pode conservar “o seu carácter nacional e artístico que imaginei com auxílio official(…).
Bordalo insurge-se contra as cópias do “meu género estrangeiro” e acrescenta que não será por esse caminho que se farão bons operários.
“Quando comecei a trabalhar na loiça das Caldas, estava ella no mais completo abandono, e em riscos de desaparecer em poucos anos”. Queixava-se que no início, as pequenas fábricas que “produziam as peças com poucos cuidados para satisfazer o seu consumidor que era unicamente o saloio”. Os modelos que estas reproduziam “eram imitações das falsificações que as fábricas alemãs faziam da velha loiça das Caldas com assumptos de phantazia germânica! Um verdadeiro horror que lhe poderei mostrar quando quiser”.
Pelo vistos, as pequenas fábricas passaram a trabalhar activamente e acolhiam os aprendizes que saiam da Fábrica de Faianças “que não podemos sustentar e enche-me de satisfação o ver que os trabalhos dos últimos anos e sobretudo d’este ano são muitíssimos superiores aos de anos anteriores. Que exemplo melhor do que este e mais frisante – quer o meu amigo para provar a utilidade da fábrica?”, questiona Bordalo.
Na mesma missiva, o artista ainda revela preocupação com outras artes industriais portuguesas em risco “que dentro em pouco terão desaparecido, debaixo da imitação estrangeira” e que eram a indústria das rendas e da ourivesaria, em particular, da filigrana de S. Cosme.































