Seja na música clássica, jazz ou pop rock, há músicos de Alcobaça e da Vestiaria entre os melhores e que marcam presença nas orquestras e bandas nacionais, assim como em escolas de todo país
Era comum, no final da década de 1980 e no início dos anos 1990, pais de crianças da Vestiaria fecharem os seus estabelecimentos comerciais para poderem levar os filhos músicos a ter aulas no Conservatório Nacional. Era algo que acontecia semanalmente e ninguém se queixava, pois “o ensino da música estava em primeiro lugar”, recorda Paulo Assunção. que percussionista na Banda da Força Aérea e um dos muitos exemplos do “viveiro” de talentos musicais que são oriundos da União de Freguesias de Alcobaça e Vestiaria.
Paulo Assunção é da Vestiaria, apesar de ter nascido nas Caldas. Começou a tocar na filarmónica da terra, como sucedeu à larga maioria das crianças das famílias daquela localidade.
“Os professores da banda tentavam que os músicos fossem mais além e seguissem para os conservatórios”, assinala o hoje professor na Academia de Música de Alcobaça e no Conservatório das Caldas. A sua formação passou por uma escola em Tomar e, depois de ter integrado a Banda da Força Aérea, tirou a licenciatura e, mais tarde, o mestrado.
Outro caso paradigmático é Andreia Marques, de 33 anos, que começou na filarmónica da terra e é docente na Sociedade Filarmónica Vestiariense, na Academia de Música de Alcobaça e no Conservatório das Caldas, além de colaborar com várias filarmónicas de todo o país. A trompetista, que está a pensar em prosseguir estudos na área do jazz, diz que “há qualquer coisa” nestas duas localidades para que continuem a surgir tantos músicos profissionais. “Temos vários bons exemplos e queremos seguir as suas pegadas”, rematou a vestiariense.
Sérgio Carolino, tubista de topo
Sérgio Carolino é um dos músicos de referência que integra a chamada “geração de ouro” de músicos alcobacenses. É tubista da Orquestra Sinfónica do Porto, foi professor no ensino superior durante 23 anos e já foi distinguido com prémios um pouco por todo mundo. É co-organizador de festivais, como o Gravíssimo! e, antes da pandemia, encontrava-se a ensinar na Universidade de Indiana, nos EUA, onde gostaria de regressar “quando for possível”.
Como intérprete, começou na banda da sua terra natal e chegou a tocar também na banda da Vestiaria, assim como na da Maiorga. Teve aulas no Conservatório Nacional, num período em que não havia… professor de tuba, tendo ficado integrado nas classes de trombone e de trompete. Mas como fazia parte do ensemble de metais “estava sempre desejoso que houvesse ensaio”, pois ali sentia-se “integrado”, contou o tubista, que atua em palcos internacionais e considera que as bandas filarmónicas “tiveram um papel importante no início da carreira de muitos músicos”.
Sérgio Carolino já gravou mais de 50 álbuns e tem “mais cinco trabalhos prontos para lançar em breve”, rematou o músico, que lamenta não ter encontrado em Portugal as condições necessárias no ensino superior para ter alunos internacionais, o que o levou a procurar outras paragens para ensinar a arte da tuba.
“Os bares e o festival de jazz foram fundamentais para o contacto informal entre os músicos”
Daniel Bernardes
Bares e festival “fundamentais”
O alcobacense Daniel Bernardes é pianista e compositor e começou por ter aulas privadas no início da aprendizagem. Depois, prosseguiu estudos em Leiria.
Para este músico foi muito importante a existência de bares em Alcobaça, como o Parlatório, pois isso permitia “que os músicos de diferentes gerações se juntassem em volta da música”.
Por causa desses convívios, em 2002, e com apenas 15 anos, foi convidado a tocar no Festival de Jazz do Valado numa Big Band de profissionais da região, liderada pelo saxofonista Mário Marques, e que já tocavam nas principais orquestras nacionais.
O pianista destacou que o contato com os músicos mais velhos nos bares “era informal e servia para desmistificar a música” e assinala que aprendeu muito nesse ambiente onde se “malhavam copos e se trocavam opiniões logo a seguir aos concertos”.
O compositor, também docente, e que aos 12 anos chegou a tocar nas filarmónicas da Vestiaria e na da Cela, fez questão de salientar também o compositor Alexandre Delgado e Manuel Campos, que além de docente é o percussionista dos Remix Ensemble, grupo da Casa da Música.
Por seu lado Sónia Tavares, a vocalista dos The Gift, chegou a tocar flauta numa das escolas de Alcobaça e a ganhar prémios quando tinha apenas 11 anos. No entanto, diz que aquele sucesso inicial não influenciou o percurso de cantora na banda pop rock que se tornou numa referência a nível nacional e com a qual percorreu os quatro cantos do planeta.
“Alcobaça sempre primou por ter excelentes professores de música”, disse a vocalista, que concorda por foram os docentes que mais terão contribuído para o desenvolvimento de tantos músicos alcobacenses, sobretudo na área da música clássica.
Na sua opinião, há um outro tipos de música como a que caracteriza os The Gift e que “vem do coração”. A cantora recordou que houve vários bares na cidade que permitiam o contacto entre os músicos de vários géneros – casos do Bar Ben ou do Clinic (que era de Nuno Gonçalves dos The Gift) – e lamenta que hoje “não haja nada parecido”. Para a artista, Alcobaça “retrocedeu culturalmente pelo menos 20 anos”, lamentando, a título de exemplo, que a cidade não tenha exibição regular de cinema. no Cine-teatro
Porém, Sónia Tavares reconhece que o facto de os The Gift serem de Alcobaça “acaba com certeza por ter influência na sonoridade”, rematou a vocalista, que integrou o grupo pop-rock com apenas 16 anos, sem nunca tinha tido antes aulas de canto. Um talento puro, portanto. Mais um. ■
Filarmónicas tiveram papel essencial no início da formação dos músicos
Vestiaria e Alcobaça são as duas localidades do Oeste com mais músicos profissionais por metro quadrado. A existência de bandas centenárias contribuiu para a formação destes profissionais
Marco Santos é o presidente da Sociedade Filarmónica Vestiariense “Monsenhor José Cacella”, que inclui a banda filarmónica que, este ano, completou o 115º aniversário, data celebrada com um concerto que decorreu a 19 de junho, no Estádio Municipal de Alcobaça. Atualmente a banda conta com 35 elementos com idades entre os 12 e os 50 anos.
O responsável, que é também músico, pois troca trompete há 30 anos, considera que a existência de bandas centenárias, exigentes no trabalho e no repertório, foram também importantes para a formação musical de muitos dos profissionais que hoje dão cartas nas melhores orquestras e bandas militares do país.
Marco Santos esteve na Banda da Força Aérea e dá outros exemplos, como são os casos de Manuel Campos, percussionista e docente na Escola Superior do Porto, bem como Hugo Assunção, primeiro trombone da Orquestra Sinfónica Portuguesa e está ligado à organização do Gravíssimo, com Sérgio Carolino. E isto só para dar alguns exemplos da chamada “geração de ouro” de músicos desta região, nota o dirigente.
Este ano, enquanto assinalam os seus 115 anos, a Filarmónica vai começar a trabalhar com um novo maestro, João Gaspar, que é compositor e músico na Banda da Força Aérea, onde toca trompa.
“Durante a pandemia fizemos um concurso nacional e internacional e tivemos inclusivamente candidatos de Itália e de Cabo Verde”, contou Marco Santos, revelando que os quatro finalistas trabalharam durante uma hora com a banda numa prova prática final. João Gaspar foi o escolhido que vai iniciar funções ainda este mês de julho.
A escola de música da Vestiariense manteve as aulas à distância durante o confinamento e, neste momento, tem 25 alunos com idades entre os 8 e os 17 anos que aprendem com sete professores. Esta banda filarmónica venceu em 2017 a grande final do Vianeza Festival das Filarmónicas, que foi transmitida em direto pela RTP1 e RTP Internacional.
Uma “geração de ouro”
A Banda de Alcobaça completou 100 anos em 2020 e possui uma Banda Sinfónica, que integra alunos e professores da Academia de Música de Alcobaça (AMA), alunos de outras instituições de ensino de música, ex-alunos e ainda amadores “com uma ligação umbilical ao agrupamento e à música”, explicou Rui Morais, presidente da Direção da associação.
O corpo musical da Banda trabalha regularmente com 25 músicos , com idades entre os 14 e os 50 anos, “mas pode ascender aos 50 ou 60 músicos, dependendo do programa a apresentar em concerto”.
A pandemia impossibilitou que os 100 anos da banda fossem convenientemente celebrados e, como tal, está a ser preparado o primeiro concerto desde o confinamento para 31 de julho.
Bandas e festival de música moderna contribuíram para o interessante “caldo cultural” em Alcobaça
Desde 2002 que o ensino da música é a atividade principal da instituição, através da Academia de Música, com a oferta de cursos artísticos especializados nas áreas da música e da dança. A entidade tem parcerias com diversas escolas de todo o Oeste, além de se destacar na organização e produção de grandes festivais de música de que são exemplo o Cistermúsica e o Gravíssimo.
Para Rui Morais, o que as bandas filarmónicas centenárias proporcionaram a milhares de alunos “terá sido essencial para que alguns destes decidissem abraçar a música como profissão”. O facto de muitos alunos das bandas terem ingressado no curso de música do Conservatório Nacional, a partir dos anos 80, “foi decisivo para a consolidação dos seus estudos musicais e levou ao surgimento daquela que chamamos de ‘geração de ouro’ dos músicos alcobacenses”, observa.
A outro nível, o festival de música moderna de Alcobaça, organizado pelo Bar Ben e cuja primeira edição foi em 1991, “levou a que muitos jovens de Alcobaça decidissem criar grupos de pop/rock”, contou o dirigente.
O sucesso alcançado neste concurso, a experimentação musical que permitiu e até a troca de experiências entre os vários participantes de todo o país, “fez o resto e abriu caminho para que Alcobaça se afirmasse ainda mais como uma terra de músicos, já não apenas na área mais académica ou clássica mas também noutros géneros musicais”.
Rui Morais afirma que as bandas filarmónicas tiveram um papel fundamental para o aparecimento de músicos “que são hoje referências nacionais e internacionais” e acredita, também, que este “caldo de cultura” contribuiu para a emergência de músicos e grupos noutras áreas musicais, “de que o pop-rock é o exemplo mais paradigmático”. ■






























