Em Outubro e Novembro as Caldas da Rainha foi a capital do jazz. Mais de 2000 pessoas assistiram aos sete concertos realizados no grande auditório do CCC e os outros sete espectáculos que integraram o cartaz Jazz Na Cidade contaram sempre com casa cheia.
A quinta edição do Caldas Nice Jazz foi aquela com mais expressão, apresentando não só mais dias de concertos como mais grupos que nos anos anteriores. Estima-se que o festival custou 60 mil euros, dos quais metade se destinaram à divulgação do evento, que pela primeira vez chegou ao metropolitano de Lisboa e às caixas de multibanco do distrito de Leiria.
A receita deste ano rondará os 28 mil euros, sendo que a autarquia apoiou o festival com 12.500 euros.
Embora o Caldas Nice Jazz não tenha gerado lucros, Carlos Mota, director do CCC, adiantou que a organização também não teve prejuízos. “A cultura não gera lucros imediatos e os primeiros ganhos são a influência que deixamos na cidade, os jovens que ficam com interesse pela música e o valor acrescido que damos à sociedade”, disse, realçando que graças ao festival Caldas da Rainha tem hoje mais conhecimento sobre o género musical do jazz.
Após um mês de concertos, Carlos Mota faz um balanço positivo, embora dois espectáculos tenham sido cancelados: o da Orquestra Ligeiríssima de Óbidos, por previsões meteorológicas adversas, e o de Hailey Tuck, por motivos de saúde da cantora, que no próximo ano abrirá o festival. Ainda para 2017, o CCC já se encontra em negociações para trazer às Caldas Ute Lemper e Dino Saluzzi.
Nomes como Glenn Miller Orchestra, John Pizzarelli, Jordi Rossy, Filipe Melo Trio, Chizhik Jazz Quartet, Sofia Ribeiro e Daniel Bernardes foram o destaque do cartaz desta quinta edição.
Ao longo do Caldas Nice Jazz foram realizadas provas de vinhos com marcas da região, como a Adega de Alcobaça, Quinta dos Capuchos, Quinta Várzea da Pedra e Quinta da Boa Esperança, com “o objectivo de dar visibilidade à produção de qualidade da nossa região para que os artistas fiquem com mais uma referência positiva das Caldas”, frisou Carlos Mota.
FESTIVAL TERMINA EM PORTUGUÊS

Sofia Ribeiro e Daniel Bernardes subiram ao palco nos dois últimos concertos do Caldas Nice Jazz. A cantora portuguesa que vive nos Estados Unidos e raramente actua em Portugal, veio às Caldas da Rainha apresentar o seu último álbum “Mar Sonoro”, naquele que foi também o primeiro concerto da sua mais recente digressão. O espectáculo contou com temas em português e versões jazzísticas de músicas brasileiras, standards e fados de Amália Rodrigues. Acompanhada de Juan Ospina, Petros Klampanise Marcelo Woloski, Sofia Ribeiro cantou por duas vezes à capela. Nestes momentos tanto a sua voz como a dos outros músicos é que “imitaram” o som dos instrumentos.
Já o pianista alcobacense estreou dois projectos neste festival: o teatro musicado “Auto de S. Martinho”, apresentado nas Caldas pela primeira vez em 1504, e o “Crossfade Essemble”, que reuniu em palco sete músicos (Daniel Bernardes, Hugo Assunção, João Barradas, Sérgio Carolino, Jeff Davis e Ricardo Toscano). O primeiro foi o resultado de um atelier de improvisação que juntou instrumentistas e actores, sob a coordenação de Ana Cláudio e Daniel Bernardes, enquanto o segundo fundiu o campo do jazz com o da música erudita.
COMENTÁRIO
Por: João Moreira dos Santos*
Estados Unidos e Rússia unidos pelo swing no Caldas Nice Jazz
O jazz de craveira internacional mostrou-se, uma vez mais, no Caldas Nice Jazz, que apresentou em Outubro três agrupamentos de excepção. O ponto de união entre John Pizzarelli, a Glenn Miller Orchestra e o Chizhik Jazz Quartet foi a vontade de percorrer e unir, sob o espírito do swing, estilos e estéticas musicais diferentes.
Dos Estados Unidos, chegou às Caldas o trio do guitarrista e vocalista John Pizzarelli, músico que apesar de gozar de enorme sucesso no país natal só recentemente se estreou em Portugal. Os mais antigos, ou os mais conhecedores da história do jazz, lembram-se ainda do seu pai, o também guitarrista Bucky Pizzarelli.
John Pizzarelli apresentou no Caldas Nice Jazz um espectáculo construído em torno de duas figuras bem distintas da música popular contemporânea. A primeira parte foi dedicada ao compositor, letrista e cantor Johnny Mercer (1909-1976), que juntamente com George e Ira Gershwin, Cole Porter ou Irving Berlin, foi um dos autores referenciais do que se designa por Great American Songbook. Pela voz e pela guitarra de John Pizarrelli desfilaram, assim, canções como “Something’s Gotta Give”, “Emily”, “Goody Goody”, “Ac-Cent-Tchu-Ate the Positive” e um medley constituído por “I thought about you” e “I remember you”.
Na segunda parte, John Pizzarelli quis apresentar a música dos discos que dedicou, em diferentes fases da sua carreira, aos Beatles (1998) e a Paul McCartney (2016). Interpretados num estilo jazzístico e original, ecoaram pelo Centro Cultural e Congressos (CCC) êxitos intemporais como “I feel fine”, cuja harmonia foi combinada com uma composição do trompetista Lee Morgan, “And I love her”, “Can’t buy me love” ou “Here comes the Sun”. Do universo de Paul McCartney, foram retomados “My love”, “Let’em in”, “Maybe I’m amazed” e “Coming Up”.
Embora do idioma português só saiba dizer “frango grelhado” e “muito obrigado”, musicalmente John Pizzarelli deixou evidente nas Caldas a qualidade dos seus arranjos musicais, a mestria como guitarrista e também a propensão a improvisar vocalmente em uníssono com a guitarra, algo que muitos se recordarão de ter visto primeiramente no clássico “On Broadway”, de George Benson. Seria injusto não mencionar também as prestações do contrabaixista Paul Keller e do pianista Konrad Paszkudzki, que embora seja australiano é filho de pais polacos dissidentes do regime comunista. Este último impressionou muito favoravelmente pelo domínio do idioma jazzístico e pela técnica pianística. Não é, aliás, por acaso que Wynton Marsalis se refere a ele como tendo “sentido da história do jazz, sentido do drama, amor pelo blues e elegância”.
De Nova Orleães a Nova Iorque
Desde 1988 que a Glenn Miller Orchestra, uma formação de 19 músicos criada e liderada por Ray McVay, tem actuado regularmente na Europa, mantendo bem vivo o legado do notável trombonista, chefe de orquestra e major.
Apesar do assumido revivalismo do projecto, o concerto de estreia nas Caldas da Rainha surpreendeu o público, que esgotou a lotação do CCC, com um espectáculo novo. De facto, ainda que mantendo o foco na herança musical de Glenn Miller, assistiu-se ao desenrolar em palco de uma pequena história do jazz, percorrendo alguns dos estilos que o marcaram, desde o dixieland de Nova Orleães – popularizado por Louis Armstrong – ao swing de Benny Goodman e ao crooner ímpar que foi Frank Sinatra.
A impressão geral que fica é a de um espectáculo variado, bem pensado, capaz de agradar a diferentes gerações e que traduz musicalmente o espírito dos Estados Unidos dos anos 30 e 40. Com efeito, nada como a música de Glenn Miller para, através de canções como “(I’ve got a gal in) Kalamazoo”, “In the mood”, “Moonlight serenade” e “A string of pearls”, transportar imediatamente o público aos grandes salões de dança de Nova Iorque ou de Chicago. Vencida a grande depressão, imperava o glamour e a rádio reinava, unindo continentes na primeira grande globalização mediática. A banda sonora era o jazz, materializado então no swing das orquestras de Glenn Miller, de Benny Goodman ou de Count Basie.
Ciente da importância da cultura vocal, a Glenn Miller Orchestra apresenta tradicionalmente o ensemble The Moonlight Serenaders – cujas origens e conceito remontam à orquestra original – e os cantores Catherine Sykes e Colin Anthony. Nas Caldas, este último esteve ausente, tendo sido substituído por Mark Porter, que regressou à Glenn Miller Orchestra após vários anos de afastamento. Coube-lhe fazer a habitual homenagem a Frank Sinatra, para o que recorreu a um medley formado pelas canções “My way”, “For once in my life” e “Theme from New York, New York”.
Da Rússia com swing
Quando o muro de Berlim veio abaixo, em 1989, o mundo ocidental estava bem longe de imaginar que os países da antiga cortina de ferro podiam um dia exportar músicos de jazz, esse produto cultural tipicamente norte-americano.
Mas, ironia das ironias, foi precisamente isso que aconteceu e um dos mais notáveis instrumentistas da extinta URSS é o vibrafonista russo Alexey Chizhik, que fez a sua estreia em Portugal no Caldas Nice Jazz. Oriundo de São Pertersburgo, onde nasceu há 45 anos, formou-se no Conservatório Estatal Rimsky-Korsakov, o que explica a sua predilecção por fundir o jazz com a música clássica.
Ao CCC, o quarteto de Alexey Chizhik, que integra um pianista notável, Oleg Belov, trouxe sobretudo a música de Tchaikovsky, mas também de Mozart, de Bizet e de Bach. Ainda que o tenha feito com mestria e brilhantismo e com um incrível sentido de swing, a fusão do jazz com a música clássica – que o compositor e musicólogo Gunther Schuller designou de terceira via – não é, contudo, algo original. Remonta, pelo menos, aos anos 20, através de George Gershwin, com a sua “Rhapsody In Blue”. No mundo do jazz, tem sido praticada desde o final dos anos 50 pelo trio do pianista francês Jacques Loussier.
Tal contextualização não diminui, contudo, a prestação do Alexey Chizhik Quartet, que constituiu uma agradável, e até impressionante, surpresa. Note-se a excelência do baterista Pyotr Mikheyev, um músico oriundo, imagine-se, da Sibéria. Menos convincente foi Victor Savich, cujo baixo eléctrico destoou do conjunto, marcado pelas subtilezas dos instrumentos acústicos.
Para o ano há mais Caldas Nice Jazz num concelho que ano após ano vai consolidando um importante papel no universo do jazz em Portugal, pugnando por uma programação simultaneamente sofisticada e acessível ao grande público, incluindo certamente muitos daqueles que julgavam não gostar de jazz…
*Autor do programa «Jazz a Dois» (Antena 2).































