Gazeta das Caldas foi pela primeira vez convidada pelo PCP das Caldas a ingressar na excursão que se realiza todos os anos rumo à Festa do Avante!. DasCaldas da Rainha até à Atalaia, na Amora (Seixal) foram duas horas de distância. Lá, foram mais dez horas de festança. Entre espectáculos ao vivo, exposições, pequenas feiras, venda de comida e bebida quanto baste, e claro, o comício do secretário-geral do PCP, estes foram os apetrechos do último dia do cartaz. Embora sendo uma reportagem sobre um evento comunista, destina-se a todos os leitores de diferentes ou nenhuma ideologia. Tal como se define a própria Festa do Avante!: Todos são sempre bem-vindos.
Faltam poucos minutos para as 9h00 de domingo, 5 de Setembro. Esta era a hora de encontro para o início da excursão. Encostados ao muro do Parque D. Carlos I estão seis pessoas com sacos, que se presume que seja a merenda para o dia intenso que se advinha. Pelos rostos, marcados pelo avançar dos tempos, vê-se que são pessoas para lá dos 60 anos. Entretanto, vão chegando aos poucos mais pequenos grupos de futuros festivaleiros. Conhecem-se todos. Tratam-se por “camaradas”. “Então camarada? Tudo bem”, cumprimentam-se.
Chega finalmente à rotunda da Rainha o autocarro que os vai levar à Festa. Antes da entrada, Teresa Teixeira, da organização da excursão, trata dos últimos pagamentos da viagem e das EP’s (Entradas Permanentes). “Eu gosto de dar dinheiro ao partido”, diz um camarada a sorrir. Entram todos na viatura e é aí que se avistam dois casais mais jovens e uma rapariga adolescente. Manuel Coelho, de 85 anos, repara que são poucos jovens que os vão acompanhar. “A malta nova só sabe dizer mal do partido. Ainda não perceberam que é único que é a favor deles”, lamenta.
O autocarro segue viagem. No caminho pára ainda no Bombarral para recolher mais três excursionistas. Ao todo são 26 pessoas. Retoma novamente o percurso no qual só fez uma pequena paragem na estação de serviço de Loures. Dentro do autocarro, não existe muito aparato. Alguns aproveitam para dormir. Outros conversam em voz baixa. Como som de fundo, ouvem-se as notícias da manhã, onde são destacados os discursos de José Sócrates na rentrée do PS. Ninguém se expressa. Só com a chegada à margem Sul, os camaradas começam a manifestar-se, especialmente com as pequenas dificuldades em encontrar a Quinta da Atalaia. Mas lá se encontrou a direcção e por volta das 11h25 já se avistam as zonas do campismo. “É só gente de trabalho”, exclamam os visitantes sobre os campistas.
Na entrada do recinto da Festa do Avante! os camaradas separam-se. Já conhecem os cantos à casa. No entanto, há um pequeno grupo que vai em direcção aos stands da delegação regional de Leiria. Fica lá mesmo em baixo, perto do palco central da Festa. Pelo caminho ouve-se música brasileira, vêem-se pequenas bancas de vestuário e avistam-se pessoas de todas culturas e idades. Velhos e novos vem à Festa da Juventude, mas nem todos pelo mesmo modo.
“Olha, está ali uma imagem do Zé Povinho”
Demora-se cerca de dez minutos até “à zona de Leiria”. À chegada sente-se no ar o cheiro a bifanas assadas. Mas os olhos também comem. “Olha, está ali uma imagem do Zé Povinho”, exclama uma transeunte. Dúvidas? É o stand das Caldas da Rainha. Estão oito voluntários a trabalhar, movimentados por quatro turnos. Têm ao dispor essencialmente sandes, rissóis e todo o tipo de salgados. Chegaram também a servir sopa, mas isso dava muito trabalho. Porém, este ano foram incumbidos de uma nova tarefa: servir pequenos-almoços. “Saímos daqui às 2h00 e temos que cá estar às 7h30 para servir os pequenos-almoços. É muita responsabilidade assumirmos todas estas tarefas”, conta António Barros, da direcção regional de Leiria. Mas a crise lá não se sente. Pudera! Os preços também não são muito elevados: bifana a 1,80 euros e o café a 60 cêntimos.
Já serviu pessoas de direita? “Sim, de várias tendências. É uma Festa para todos. Se todos os que estão aqui fossem do partido tomavamos conta do eleitorado”, declara o dirigente. Quanto à evolução da Festa, António Barros diz que “tem sido extraordinária”. E conta: “correram connosco da antiga FIL, do Vale do Jamor, do Alto da Ajuda e de Loures, na zona do Infantado. Mas aqui é o nosso espaço e a Festa do Avante! é a festa do nosso país”, afirma.
Mesmo em frente ao espaço das Caldas, está o stand da Marinha Grande. Em simbologia à cidade, tem ao dispor copos, candeeiros, jarras e até brincos, tudo feito em vidro. São peças de pequenos transformadores que compram a matéria-prima, fundem-na e fazem pequenas lapidações.
Entre os objectos, os mais vendidos são os copos da Festa. Custam 1,50 euros e vendem-se em média 1400 copos por dia. “Antigamente as pessoas compravam peças de maior valor, hoje é a peça mais baratinha. Mas ainda há muita procura”, diz Etelvina Rosa, da Marinha Grande. “Creio que também as pessoas se interessam pelo nosso stand para saberem a situação das empresas”. E como estão as vidreiras? “Com dificuldades, mas nos últimos dois anos não se notou tanto porque o fecho das maiores empresas ocorreu entre 2000 e 2005”, conta.
Também no mesmo círculo está o “estabelecimento” do Bombarral com vinhos da Companhia Agrícola do Sanguinhal e da Casa das Gaeiras. Mais abaixo está “uma coligação” entre a ginjinha de Óbidos e a de Alcobaça. A ginja de Óbidos, que custa 1,50 euros o cálice, é a que mais se vende, especialmente porque o preço também é inferior à concorrente, que se fixa pelos 1,80. “Vende-se razoavelmente bem. Todos consomem, mas a malta nova é que gosta muito”, confessa José Carvalho, de 71 anos, e responsável pelo stand.
São quase 13h00 e a fome aperta. Perto da delegação de Leiria, está um mega restaurante do distrito de Viana do Castelo. Mas ali perto está também o stand de Peniche – é mais pequeno e só confecciona sardinhas assadas. A procura foi tanta que às 15h00 o peixe já estava esgotado. “Há mais procura do que no ano passado, mas o que interessa é esta Festa maravilhosa”, afirma André Amadora. “Quando começa o ano, já sei que estes três dias estão reservados”, acrescenta emocionado.
“Todos têm boa maneira uns para os outros”
No final do almoço, Gazeta das Caldas encontra um dos excursionistas que veio das Caldas na zona dos stands de Leiria. Chama-se João Teixeira, tem 75 anos e esta foi a primeira vez que veio ao Avante acompanhar a filha que faz parte da organização. “Estou a achar um convívio muito especial. Todos têm boa maneira uns para os outros. Também ainda não vi aí zaragatas”, salienta. No entanto, João Teixeira não se assume comunista. “Nunca andei metido nessas coisas e nem sou deste partido. Mas estou a gostar de estar aqui. Vê-se aí muita juventude, mas os velhos têm mais convivência”.
A meio da conversa, começa a actuação dos Dias da Raiva. “Não gosto é deste barulho”, afirma João Teixeira sobre a banda de Pacman e companhia. Embora não seja do PCP, este visitante, natural de Abrantes, está expectante em relação ao discurso de Jerónimo de Sousa. “Gosto de o ouvir falar na televisão. Mas para mim, todos os partidos deviam ser mais unidos para resolverem a situação do país, em vez de se acusarem uns aos outros e mentirem. E acho que também roubam”, diz.
A tarde prossegue e enche-se de música, gente e calor. É a altura ideal para visitar o resto da Festa. Junto ao palco 25 de Abril (palco central) há um espaço para as crianças, campos de actividades desportivas e um pavilhão dedicado à biodiversidade. Do lado oposto à delegação de Leiria está o Espaço Central, com exposições de pintura, sala de cinema, venda de t-shirts com símbolos comunistas, uma homenagem a Saramago, espaço militante e uma área dedicada à imprensa leninista. Na parte norte do recinto é o Espaço Internacional com a divulgação da imagem de outros países que têm um forte cariz comunista, como é o caso da Rússia, Cuba e Coreia do Norte.
É a caminho deste último espaço que se ouve um homem gritando bem alto “camaradas, venham buscar as vossas bandeiras que o comício de Jerónimo de Sousa está prestes a começar”. E estava mesmo. Faltava pouco para as 18h00. Os La Rumbé, Expensive Soul e Luísa Basto já tinham actuado. A concentração de pessoas junto ao palco era cada vez maior. Grupos de música tradicional a tocarem tambor e pequenas manifestações de jovens rumavam até ao palco onde ia discursar o secretário-geral do partido. Começa por falar um dirigente da JCP e o director do Jornal Avante!. Logo de seguida veio o momento mais aguardado. Jerónimo de Sousa lê 12 páginas de discurso, tendo como pano de fundo todos os membros da direcção do PCP. Fala na precariedade laboral, no capitalismo, contra a política de direita, contra Obama e reforçou a confiança no candidato presidencial Francisco Lopes, que também lá está. No final, como sempre, não pode deixar de tocar a Carvalhesa – hino da Festa do Avante!. Todos pulavam. Jovens e menos jovens celebraram intensamente os 25 anos da música trasmontana.
Emocionado com a Festa está Paulo Jorge, da comissão política de Alcobaça do PCP. “Há quem diga que os partidos são todos iguais, mas não são. O Partido Comunista é a diferença porque não alinha no neo-liberalismo, nem na guerra pelo capitalismo. Eles engolem-se uns aos outros”, afirma o militante nº 80833. Paulo Jorge faz ainda questão de salientar os 900 voluntários que trabalharam durante os três dias da Festa e que demonstra o carácter do partido: “Estão todos aqui pela participação e sem interesse pelo dinheiro. Trabalham de graça. Não é nenhuma brincadeira”.
“Nem ligo muito à política. Mas valeu a pena pelo ambiente”
A Festa continua ao som dos Dazkarieh e Peste & Sida, mas para os excursionistas das Caldas é hora de voltar a casa. Por isso, às 21h30 encontram-se todos junto ao espaço caldense e rumamos até ao autocarro. No caminho Gazeta das Caldas mete conversa com Ana Lídia Leite. É uma caldense que veio à primeira e segunda edição da Festa do Avante! e decidiu voltar. “Sem transporte era difícil cá vir, mas como fiquei amiga da Teresa [organização] e ela convidou-me, decidi voltar à Festa”, explica. Diferenças de há 34 anos? “Não tem comparação. Não tinha esta animação nem a mesma organização. Hoje é um mundo. Mas naquele tempo as pessoas que vinham, notava-se que viviam o Partido Comunista”, conta Ana Lídia Leite.
Esta última visitante também trouxe companhia: o filho e a sua namorada. “Em parte foi influência da mãe, mas já alguns anos que tinha curiosidade em cá vir. Posso dizer que surpreendeu-me bastante. Estava à espera de um festival mas nunca com estas estruturas”, declara André Leite.
“A festa é enorme”, exclama Tânia Neves, a namorada. Porém, “pensávamos que vinha mais gente jovem connosco na excursão para estabelecermos mais contacto”, lamenta o jovem de 24 anos. “Divertimo-nos na mesma. Viemos de arrasto, mas viemos bem”, remata o casal.
Ana Mazareu tem 16 anos. “A única maneira de eu vir era com a minha mãe, mas ela não sabe muito bem vir cá ter e então aproveitei a oportunidade de vir na excursão. Também saiu bem mais barato”, diz. Todavia, os amigos, o ambiente e a música é que foram o chamariz para a jovem. “Nem ligo muito à política. Mas valeu a pena pelo ambiente”, confessa.
A viagem até Caldas acontece sem sobressaltos. Fora, claro, as longas filas na ponte 25 de Abril. E quando os camaradas ouvem nas notícias as palavras de Passos Coelho, onde compara o governo de Sócrates a Salazar. Risada total. Voltamos já depois da meia-noite, com as pálpebras bem cansadas.
Manuel Coelho, João Teixeira, Paulo Jorge, Ana Lídia Leite, André Leite, Tânia Neves e Ana Mazareu, todos eles voltaram com um brilhozinho nos olhose confessaram que querem voltar à Festa do Avante!.
Para o ano há mais.
Tânia Marques






























