Diga 33 debateu poesia de José Saramago

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Manuel Frias Martins é ensaísta, crítico e doutorado em Teoria da Literatura

Olhou-se a obra do Nobel da Literatura à luz de “A Espiritualidade Clandestina.

Manuel Frias Martins, presidente da Associação Portuguesa dos Críticos Literários, foi o convidado de Henrique Fialho no “Diga 33 – Poesia no Teatro” de novembro, que se realizou na terça-feira, dia 15, no Teatro da Rainha, e que teve como tema a parte da obra “menos conhecida e debatida” de José Saramago, a sua poesia, que ali foi analisada de “forma crítica”. Em debate estiveram os livros “Os Poemas Possíveis” (1966) e, de forma breve, “O ano de 1993” (1975), dois dos três livros de poesia publicados em vida por José Saramago, antes da sua consagração como romancista.
Foi com a publicação da segunda edição de “Poemas Possíveis”, em “1985 ou 1986”, que José Saramago dá por concluída a sua “carreira como poeta”, começou por explicar Manuel Frias Martins. No prefácio a essa edição, o escritor, que se assume “definitivamente” como romancista, afirma que “decidiu raspar com unha seca e irónica o poeta de ontem, lacrimal, às vezes”, tal a sua consciência da “ausência de distância entre o fazer poesia e o sentir a experiência”, que resultava numa poesia marcada pelo “sentimento excessivo”, explicou o crítico e ensaísta.
A viragem para o género do romance também se pode ter devido, segundo o professor aposentado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ao facto de Saramago ser um “escritor de ideias”, que “problematiza a existência sob múltiplos aspetos, problematiza a condição humana, problematiza a própria noção democrática”, toda uma reflexão que um poema não consegue abarcar. “O discurso poético é um discurso de concentração, é um discurso em que o símbolo tem uma riqueza sugestiva numa imagem”, por oposição ao romance, que “precisa de desdobramento da ação, da personagem e das equações existenciais, morais, éticas: tudo aquilo que nós associamos com os melhores autores, e, obviamente, com Saramago”, defendeu.
Contudo, os poemas de Saramago, considerou o autor de “A Espiritualidade Clandestina de José Saramago”, assumem uma grande importância na carreira do prémio Nobel, “sobretudo quando se quer perceber muitos dos temas emotivos dos romances, designadamente os relacionados com a experiência religiosa” e com a cultura judaico-cristã. Experiência “espiritual” e não “religiosa”, corrigiu o crítico, considerando a espiritualidade como o “estado poético do espírito”, “o que se pode sentir quando estamos diante do outro que sofre, e sentimos compaixão”.
“Chamo a isto a ética da compaixão. Eu julgo que está subjacente a toda a obra de Saramago”, rematou.

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