“A resistência ao fim do império colonial português custou milhares de vidas”, disse Luís Nuno Rodrigues, professor do ISCTE-IUL, doutorado em História Americana e em História Moderna e Contemporânea, na quinta tertúlia “O Mundo Mudou”, que decorreu no dia 19 de Janeiro, no café Capristanos. A próxima sessão do ciclo organizado pelo Património Histórico será com José Luís Garcia (sociólogo e docente universitário), a 23 de Fevereiro.
Segundo o historiador, que é também sócio fundador da associação Património Histórico (que organiza estas palestras), antes de começar a guerra em Angola, os EUA, pelo presidente Kennedy, apresentam a Salazar “uma proposta para que Portugal anunciasse reformas políticas, sociais e educativas para os seus territórios coloniais, tendo em conta a preparação dos povos para o exercício da autodeterminação”.
Na última alínea da proposta, os EUA estariam dispostos a contribuir financeiramente para cobrir o desequilíbrio nas finanças portuguesas e para o melhoramento e construção de infraestruturas em Angola e Moçambique. Os americanos voltam a propor esta solução em 1963 e em 1965. “Se este plano tivesse sido aceite, tinham sido evitadas as guerras coloniais e teriam sido salvas milhares de vidas”, afirmou.
A proposta americana não é inocente porque na altura os Estados Unidos da América receavam estar a perder a Guerra Fria no continente africano. Mas depois de Kennedy sucede-se o presidente Nixon, que já não tem a mesma posição do seu antecessor. Salazar manteve a sua política do “orgulhosamente sós” e a resistência ao fim do império colonial português acabaria por custar milhares de vidas africanas e portuguesas.
O CAMINHO ATÉ À QUEDA DO IMPÉRIO

Explicando que prefere o termo “fim do império” a “descolonialização” porque este último pressupõe que a acção parta do colonizador, Luís Nuno Rodrigues defendeu que o fim do império português se deu em 1974/75.
“Nos séculos XIX e XX a questão do império esteve sempre no centro da vida política e todas as grandes mudanças políticas que vieram a acontecer estiveram associadas a momentos de crise ou de ruptura com o projecto colonial”, disse.
O facto de o império ser uma questão central tinha razões históricas, mas também económicas. Esta era uma ideia que já vinha desde a conquista de Ceuta e que conheceu a sua primeira fase com as especiarias da Índia e a segunda com o ouro do Brasil.
Com a independência deste último, formou-se em Portugal a ideia de que o país não conseguia manter a independência sem um império, uma corrente de pensamento que se manteve até 1974.
“No século XIX vai-se desenvolvendo a ideia de que é preciso criar um novo Brasil em África”, contou. Essa intenção foi expressa no Mapa Cor-de-Rosa (1876), mas era muito tarde, porque nessa altura outras potências europeias, com maiores recursos, já estavam interessadas no continente africano.
A ideia caiu por terra com o Ultimatum de 1890 e ainda que o célebre Mapa Cor-de-Rosa não se tenha concretizado, o historiador afirmou que “Portugal saiu do Ultimatum com uma nomenclação das suas fronteiras muito generosa”, com territórios onde nunca tinha conseguido entrar. Aí nasceu o terceiro ciclo imperial português e com ele várias campanhas para impor a soberania portuguesa em África.
“É este império que a República e o Estado Novo vão herdar: dois regimes muito diferentes do ponto de vista político, mas ambos ferozes defensores desta ideia de herança sagrada do império”, notou.
Luís Nuno Rodrigues contou que o Partido Republicano deu um grande salto de popularidade após o ultimato, por defender que a monarquia não conseguia cuidar desta herança e havia cedido aos britânicos.
Já com o Estado Novo, um dos exemplos da importância que esta questão assumia está expressa no facto de o Acto Colonial (1930) ser anterior à própria Constituição (1933). “O regime achou mais importante legislar sobre o império do que aprovar uma constituição”, concluiu.
À época, o ministro das Colónias era António Salazar, que subiu ao poder em 1932. “Salazar percebeu que esta era uma questão central da sua própria ascensão política”, notou o historiador, afirmando que até aos anos 50 ninguém ousou contestar a importância do império.
Mesmo no contexto internacional, até ao fim da segunda grande guerra, Portugal não era o único país com colónias. Depois de 1945, com a vitória das democracias, “o mundo mudou…”, mas Portugal quis manter-se igual e manteve a ditadura e as colónias. Nesta altura, além da tal ideia histórica de que o país não manteria a independência, o regime ter-se-á apercebido que era também o próprio poder que estava em causa e, portanto, tentou adiar a descolonização.
Quando ocorre o 25 de Abril havia dois modelos possíveis para resolver a questão territorial: a de Spínola e a do MFA. O primeiro defendia a construção de uma federação. O segundo propunha a concessão imediata da independência às colónias, reconhecendo os movimentos de libertação como os legítimos e únicos representantes daqueles povos.
“Tenho procurado perceber porque é que o modelo de Spínola foi inviável em detrimento do outro”, disse Luís Nuno Rodrigues, tendo chegado a quatro razões fundamentais.
A primeira é que o assunto não foi tratado como uma descolonização pois havia muito pressão e pouco tempo para decidir (além de que a própria Guiné já tinha declarado a independência unilateralmente). Em segundo, a própria vontade (contrária à de Spínola) das Forças Armadas portuguesas, que haviam feito o 25 de Abril (também) para pôr fim à guerra. Em terceiro a incapacidade de Spínola e a sua falta de apoios a nível interno para impor a sua solução. E em quarto, o próprio contexto internacional, que pedia exactamente a independência das colónias.
E, assim, foi a solução do MFA que avançou, terminando de forma abrupta e pragmática o império que tinha durado cinco séculos.






























