AS CALDAS NAS PALVRAS DE UM NOBEL
Também José Saramago passou pelas Caldas da Rainha e anotou as suas impressões numa obra intitulada “Viagem a Portugal”, publicada pela Editorial Caminho, obra sujeita a inúmeras edições. A que utilizámos como fonte informativa é uma 2.ª edição ilustrada, datada de 1985, em formato de álbum.
Escreve Saramago:
[…] “De manhã, nas Caldas vai-se ao mercado. O viajante foi mas não fez compras. O mercado da Caldas é para avios domésticos, não tem mais pitoresco do que isso. Em grande engano caem os turistas que indo de passagem vêem o magote de vendedores e compradores, tão ao natural, e irrompem excitadíssimos, encristando máquinas fotográficas, à procura do ângulo raro e do raro espécime que lhe enriquecerá a coleção. Em geral, o artista fica frustrado. Para ver comprar e vender não precisa de vir de tão longe.
Onde se está bem é no jardim. Ao mesmo tempo íntimo e desafogado, o jardim das Caldas da Rainha é, para usar o nariz de cera, um lugar aprazível. O viajante senta-se por aqueles bancos, divaga ao longo das áleas, vai vendo as estátuas, naturalistas por via de regra, mas algumas de boa fatura, e depois entra no museu. Abunda a pintura, embora nem toda se salve: o Columbano, o Silva Porto, o Marques de Oliveira, por quem o viajante torna a confessar rendida estima, o Abel Manta, o António Soares, e alguns outros. E também, claro está, o José Malhoa: afinal, este homem foi excelente retratista e bom pintor de ar livre e atmosfera. Veja-se o retrato de Laura Sauvinet, veja-se o «Paul da Outra Banda». E se se preferir um documento terrível, sob as aparências brilhantes da luz e da cor, olhe-se «As Promessas» por todo o tempo necessário até que a verdade se mostre. Estas pagadoras de promessas que se arrastam no pó requeimado pelo Sol são um retrato cruel mas exato de um povo que durante séculos sempre pagou promessas próprias e benesses alheia. A dúvida que assalta o viajante é se José Malhoa saberia o que ali pintava. Mas isso importa pouco: se a verdade sai inteira da boca das crianças que nela não pensam como oposto de mentira, também pode sair dos pincéis do autor que julgue estar só a pintar um quadro.
Também nas Caldas da Rainha se deverão ver as cerâmicas. O viajante confessa que sem um sério amor por estes barros, e tão aberto que precisa de vigiar-se para não cair em tolerâncias universais.”
Ao ler este texto de José Saramago, fiquei cheia de orgulho. Cheguei à conclusão que temos uma coisa em comum: infelizmente não é a arte da escrita. É o amor pelos barros caldenses.































