Postal – Depósito de Louças da Fábrica de Faianças
Discretamente, juntámo-nos ao grupo que conversava e prestámos atenção ao que diziam:
“Ramalho, lançando uma fumaça, parecia não ouvir:
– Meu caro Eduardo Coelho: não deixe de visitar os arredores. Nada vi jamais para lhe antepor, como tranquila, risonha e pacífica expressão da natureza rústica da vida rural. Vá à Foz do Arelho ver a abençoada lagoa, tão esquecida, tão despremida, tão bela! Embarque nas bateiras e, se puder, meu caro Coelho, prove a pesca recolhida pelos aparelhos de uma ingenuidade quase pré-histórica – os melhores camarões do Mundo, percebas, e berbigões que ficam falados por muito tempo entre quem os come uma vez, e enguias e linguados com que a lagoa abastece as Caldas todo o Inverno, quando não vão ao mar os pescadores de S. Martinho e da Nazaré.
Fala-se de cerâmica e dos êxitos da fábrica recente. O grupo pára um pouco enquanto Rafael Bordalo Pinheiro vai, pausadamente expondo o seu plano:
– Vocês sabem: eu quero dotar o País de produtos novos, de cunho original e agradável que engrandeçam o trabalho, honrem o bom gosto e alegrem o espírito. Hei-de também tomar parte feliz nos banquetes humildes do povo que há-de servir-se do meu prato, da minha chávena e pires, do meu bule e da minha terrina elegante, sólida e barata. Os meus produtos já ornam os salões, os «boudoirs», os «bureaux», as cozinhas e as copas dos ricos. Já vão ao paço fazer as suas afirmações e hão-de baixar até à casa do pobre e do remediado a azulejar-lhe as dependências e cobrir-lhe os tetos com as suas telas, e fabricar-lhe as paredes das habitações com o tijolo…
– Olhe lá, ó Bordalo Pinheiro: você já pensou que interessante, e até remunerativa, que seria, durante os meses do Estio, uma exposição bem organizada de louça antiga e moderna desta região? – pergunta Ramalho. E insiste: – Impõe-se um inquérito que revele peças e marcas desconhecidas da antiga e tradicional fabricação das Caldas, por enquanto muito menos estudada que a de Lisboa, do Porto, de Coimbra e de Viana. Não restam dúvidas: toda a gente que vem às Caldas da Rainha visitaria a exposição e compraria o catálogo. É fácil calcular a probabilidade da receita, sendo organizado esse lindo bazar, que seria o «clou» da temporada.
E a conversa dos três homens prosseguiu noite fora.”
Afastemo-nos dos três amigos, porque podem eles consideram-nos coscuvilheiros, pois estivemos a ouvi-los sem que para isso tivéssemos pedido autorização …
Crónicas dos Tempos Idos – Luiz Teixeira – 1954
“Crónica dos Tempos Idos”, da autoria de Luiz Teixeira, é um livro publicado em 1954 em edição patrocinada pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha, e reproduz a palestra pronunciada na noite de 25 de Junho de 1954, no Rotary Clube das Caldas.
Luiz Teixeira jornalista e Caldense, a ele se devem várias obras publicadas que contêm vastas referências às Caldas da Rainha.