No passado dia 28 de Março esteve no Casal da Eira Branca, José Lima, à conversa “À Volta Disto e Daquilo” que falou na sua “Paixão pela Arte”, numa noite animada e muito participada.
Mas quem é José Lima? Para os que o conhecem melhor, é um coleccionador inestimável de arte contemporânea, que conseguiu reunir ao longo da sua vida empresarial na indústria do calçado mais de um milhar de obras de todas as proveniência do mundo.
Para um jornal mais sensacionalista trata-se um “sapateiro que tem uma colecção de arte avaliada em 30 milhões” com obras que colecciona desde 1980 (Correio da Manhã, de 19/10/2013).
Na sua conversa no Casal da Eira Branca percorreu a sua história ao longo da sua vida, desde o nascimento numa família de industriais de chapelaria à sua autonomização e criação do seu próprio negócio, explicando as razões por que nunca teve oportunidade de ter estudado como um menino de família.
A sua universidade foi o trabalho e a vida, tendo feito uma primeira incursão num curso nocturno de contabilidade e depois com uma tentativa na universidade do Porto através dos acessos específicos para adultos com mais de 23 anos e que deu para o torto na sequência de uma conversa pouco amigável com um professor.
Não se cansa de dizer: «Fui comprando segundo o meu gosto pessoal, aqui e ali, às vezes pedindo dinheiro ao banco, outras comprando uns quadros e vendendo outros para arranjar dinheiro, aproveitando as suas deslocações ao estrangeiro para vender sapatos»
Ter olho e sensibilidade foi o seu segredo porque «comprava por impulso, peças de que gostava, geralmente nos tempos iniciais de artistas emergentes que viriam a ser bons artistas, conhecidos e apreciados”. Isso mesmo já aconteceu com alguns trabalhos de alunos da ESAD que ele já viu valorizados no entretanto.
A paixão demonstrada no resultado das suas aquisições era desde sempre a arte contemporânea, mas muitas vezes resultando na conversa directa com os autores, permitindo-lhe conhecer os criadores e conhecer a sua história pessoal e obra.
Visitámos há dias parte da sua colecção que está patente no núcleo de Arte da Oliva Creative Factory, inaugurada há alguns meses em S. João da Madeira. Esta foi comissariada por Miguel Amado, responsável pelo Pavilhão de Portugal na actual edição da Bienal de Veneza e um especialista conhecido internacionalmente no arte contemporânea, que está a estudar as mil obras de mais de 100 artistas portugueses e estrangeiros, que foram cedidas à câmara municipal em 2007.
O interesse da visita com o seu mentor é grande pois assim cada obra exposta tem geralmente uma história, está ligada a uma conversa, tem por detrás uma negociação com um artista nacional ou estrangeiro, numa galeria ou num atelier, não se cansando José Lima de dizer que aquela peça é o nível a que pode chegar com as suas possibilidades económicas.
Repete sempre que pode: “Eu gosto de conhecer os autores, falar com eles, perceber as tendências que se iam desenhando, compreender porque fizeram esta ou aquela peça”.
Contudo, este homem de 73 anos, reuniu no seu acervo mais de um milhar de obras, das quais apresenta actualmente duas centenas na exposição “Traço Descontínuo” que está patente em S. João da Madeira.
Neste grupo de obras podem encontrar-se trabalhos de Vieira da Silva, Paula Rego, Julião Sarmento, Andy Warhol e Malangatana, a que se podem juntar Joana Vasconcelos, Damien Hirst, Victor Vasarely, Miguel Barceló, Appel, Christo, António Saura, René Bertholo ou Jan Voss.
Alguns destes nomes não dirão nada para o leitor menos conhecedor da arte contemporânea, mas estão ali alguns dos principais nomes da correntes artísticas do século passado e deste século.
Na conversa no Casal da Eira não se esqueceu de dizer que a obra é propriedade dele e da mulher, também presente, Norlinda Lima, professora aposentada de Físico-Química, que durante anos se queixou de não ter espaço em casa para circular, tal era o número de peças que estavam espalhadas por todos os espaços da residência, incluindo o corredor.
Contou aos presentes que uma vez tinha encontrado numa galeria em Milão uns quadros do pintor português Julião Sarmento que queriam vender e não lhe davam muito valor. “Comprei os três que estavam à venda. Cheguei cá a Portugal, onde ele é bastante considerado, e vendi um que deu para pagar os outros dois e ainda sobrou dinheiro», disse.
Também descreveu na conversa dos Infantes a sua estratégia de compra: «Comecei por comprar um quadro pequeno na Galeria Nazoni, depois passei a um maior e entreguei o outro e mais algum dinheiro, e depois um ainda maior, de que gostava mais, e entreguei o segundo quadro e mais umas coroas. De outra maneira não tinha dinheiro para os ter»,
JLAS
O que é a Oliva Creative Factory?
É um espaço recuperado pela Câmara Municipal de S. João da Madeira onde existiu a parte electromecânica da fábrica Oliva, numa área de cerca de 12 mil metros quadrados. Com financiamento dos fundos da União Europeia foi preparado um grande espaço onde podem laborar 12 pequenas empresas ligadas à economia da criatividade, que contempla também uma residência artística, uma galeria de arte, uma academia de dança e espaço para a Fundação Ricardo Espírito Santo.
A autarquia definiu-o com duas palavras chave, de acordo com o site da Câmara Municipal: “Criatividade e inovação. Estas são as “ferramentas” das indústrias de futuro e a chave para os negócios de sucesso. São fatores estratégicos indispensáveis à competitividade das empresas, das cidades e das regiões.”
E acrescentou: “Por isso o Município de S. João da Madeira aposta numa política de desenvolvimento económico, fazendo-a assentar na qualificação da cadeia de valor das atividades tradicionais e, em simultâneo, no incremento dos sectores emergentes, diversificando a base empresarial do concelho. É neste contexto que elegemos as indústrias criativas como elemento nuclear da nossa estratégia: queremos transformar a criatividade em negócios. Queremos maximizar o empreendedorismo e a capacidade de realização das nossas empresas, acentuando a sua forte vocação exportadora.”
E aqui que vão ser apresentados alternadamente conjuntos da obra coleccionada por José Lima. A seguir à colecção que visitámos vai estar uma exposição de escultura também sua propriedade.
Apesar de ter investido muito dinheiro neste projecto, o município – segundo José Lima – tem descurado, porém, a promoção do seu funcionamento e da exposição, que poderia ser vista por muito mais gente.
Na inauguração da exposição, no ano passado, foi apresentado naquele espaço o espetáculo Oliva Machine, da autoria de Paulina de Almeida e Yuga Hatta. O espetáculo multidisciplinar de teatro físico, circo e instalação explora o relação entre a história da Oliva e a História e cultura ocidental, juntamente com a “Fábrica de Oportunidades”, um espectáculo de fogo, dança e malabares da Companhia de Teatro Viv’arte, especializada em recriações históricas e vencedora do Prémio Oliva Rewind Award na categoria teatro.
Este espaço pode ser um bom exemplo para os caldenses reflectirem o que podia ter sido feito nos Pavilhões do Parque, localizados num sítio de excelência e com um potencial idêntico ou maior do das fábricas da Oliva.
JLAS

































