Celeste Afonso demite-se do Fólio e regressa à escola

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Humberto Marques diz que a impossibilidade legal de remunerar devidamente Celeste Afonso foi causa da demissão, mas esta diz que “isso nunca esteve em causa” (Foto Arquivo) - Fátima Ferreira

Questões de remuneração, críticas ao excesso de protagonismo, razões pessoais. São vários os motivos que terão levado Celeste Afonso a demitir-se da Associação de Turismo de Óbidos (ATO), da Sociedade Vila Literária (associação que realiza o Folio e projectos literários) e da empresa municipal Óbidos Criativa (onde era administradora).
A ex-vereadora estava requisitada pela Câmara ao Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos para onde regressa agora, deixando em aberto o lugar de “senhora Folio” pelo qual era conhecida devido ao seu papel muito activo na realização daquele evento obidense.
Como também saiu outro elemento da Sociedade Vila Literária (João Seixas, da Ler Devagar), Telmo Faria, responsável desta associação, procurou colmatar estas faltas convidando a caldense Isabel Castanheira e mais um elemento – que pretende que seja do sexo feminino por questões de género -, mas que ainda não quis divulgar por não estar confirmado.

 

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Celeste Afonso diz que se demitiu dos cargos que ocupava por entender que “tudo tem o seu tempo” e que já não é uma mais-valia para o projecto. Quis sair no final do último mandato autárquico, quando não se recandidatou, mas o convite do presidente da Câmara e o facto de na altura a Vila Literária não ter ainda uma equipa preparada levou-a a continuar para terminar esse trabalho.
“Agora há uma estratégia muito bem definida e há um homem, Humberto Marques, que continua à frente do projecto, com pessoas capazes de o ajudar a continuar”, disse à Gazeta das Caldas, dando como exemplos Carla Pinho na Cidade Criativa da Unesco e José Pinho no que respeita à programação dos eventos. “Sinto que há no terreno um conjunto de pessoas capazes de fazer acontecer”, sintetiza.
Por outro lado, não esconde o seu descontentamento com algumas tentativas de protagonismo na Óbidos Vila Literária que, “de alguma forma vão contra os meus princípios”, disse, escusando-se a especificar nomes. “Este é um projecto autónomo, que não pode estar dependente de um rosto, não se compraz com egocentrismos, sob pena de poder ficar em causa”, remata.
Mas foram tensões provocadas por um alegado protagonismo que estiveram (também) na origem da sua demissão. Em causa está uma reportagem publicada na Fugas (uma revista do jornal Público) sobre a Óbidos Vila Literária em que Celeste Afonso aparecia com bastante destaque.
Telmo Faria achou que a reportagem estava “muito boa”, mas notou a ausência de José Pinho e do presidente da Câmara (Humberto Marques) que não foram ouvidos na peça jornalística. Ambos terão manifestado algum incómodo pela sua ausência e por um alegado excesso de protagonismo de Celeste Afonso, o que levou Telmo Faria a fazer um comentário sobre esse facto numa mensagem de um grupo do WhatsApp de pessoas ligadas ao Folio.
“Se ficou chateada, não mo disse. Nunca falamos sobre o assunto, mas a verdade é que o Folio é um projecto que se pretende abrangente e no qual o contributo de José Pinho e do presidente da Câmara são muito importantes”, disse o ex-autarca.
Telmo Faria garante que não houve qualquer discussão ou sequer uma desavença entre si e Celeste Afonso. “As razões da demissão da Celeste só ela poderá explicar porque a mensagem foi muito breve”, disse à Gazeta da Caldas.

A QUESTÃO DA REMUNERAÇÃO

Outra das razões para a demissão, segundo explicou o presidente da Câmara, Humberto Marques, prende-se com a remuneração de antiga vereadora. Além de responsável da Sociedade Vila Literária, a professora fazia também parte da ATO e era igualmente administradora da empresa municipal Óbidos Cidade Criativa, acumulando funções e responsabilidades muito idênticas às de quando era autarca, sem contudo, ter um vencimento equivalente.
Humberto Marques tentou resolver o problema da sua remuneração, mas o facto de Celeste Afonso ser requisitada ao Ministério da Educação e os condicionalismos legais daí decorrentes não permitiram encontrar uma solução jurídica dentro da Lei para ultrapassar o problema. “A Celeste foi requisitada à escola e o seu vencimento de origem é francamente baixo (os professores, de facto, não ganham bem) e fica muito aquém das grandes responsabilidades que lhe eram exigidas”, disse o presidente da Câmara à Gazeta das Caldas. Que acrescentou: “ela não está zangada comigo e compreendeu muito bem a situação”.

“ISSO NUNCA ESTEVE EM CAUSA”

Celeste Afonso, contudo, não esconde a sua indignação ao ouvir falar neste assunto. “Isso nunca esteve em causa. Não dou valor ao dinheiro nesse sentido e isso nunca foi o motivo da minha demissão”, disse. “Movo-me por valores que não são esses, mas sim os valores dos princípios”, acrescentou, repetindo que a única razão por que saiu foi por entender que já não fazia falta por os projectos estarem a andar. “Saio contente porque o Folio vai continuar e isso deixa-me muito sossegada”, referiu.
Nos quatro anos em que foi vereadora, Celeste Afonso teve grande destaque na organização de três edições do Folio. Mas quando confrontada com eventual excesso de protagonismo, a propósito da mensagem de Telmo Faria na sequência da peça do Público, diz que “aquela foi a melhor reportagem que alguma vez se fez sobre a Óbidos Vila Literária, plural, com a apresentação de um conjunto de projectos que habitualmente não saem nos jornais”. E prosseguiu: “apenas me limitei a guiar a jornalista como já fiz com outros jornalistas. Se as pessoas se sentiram incomodadas com isso, então isso é a prova que eu já não estava a fazer nada lá”.
Professora na Escola Josefa de Óbidos desde 1999, Celeste Afonso candidatou-se nas listas do PSD a convite de Humberto Marques e, como vereadora, trabalhou com o edil no desenvolvimento da estratégia Óbidos Vila Literária, a partir de 2013.
“O Humberto [Marques] tinha uma estratégia muito bem definida de aproximar o território aos cidadãos e fê-lo com a Vila Literária, com o desenvolvimento comunitário e a educação”, disse, acrescentando que teve oportunidade de trabalhar com o “melhor político, pois é extremamente humano e não trabalha em função de um calendário eleitoral”.
Celeste Afonso nunca se considerou política, no sentido partidário, e reconhece que a nível ideológico posiciona-se mais perto do socialismo, embora não se reveja no PS de Óbidos. Aceitou ir para a Câmara porque acreditava no projecto de Humberto Marques, que lhe inspirou confiança e diz que ainda hoje se bate por ele.
“Ter consciência que podia ajudar fez-me aceitar o desafio e conhecer pessoas extraordinárias”, refere, lembrando Cláudio Rodrigues (que saiu da autarquia para trabalhar na Comissão Europeia), que juntamente com ela, eram “dois não-políticos que tinham a visão da paixão das coisas e depois tinham um líder, que nos dizia para avançar ou refreava as nossas ideias”, concluiu.

 

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