Carlos Querido vai contar em livro a história de D. João V nas Caldas da Rainha

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Caldas da Rainha foi a capital do país durante o Verão de 1742 quando o rei, vítima de “um mal” (uma provável trombose) veio às termas em busca de uma cura, tendo arrastado com ele toda a corte. Na altura foram necessárias 62 casas e várias quintas nos arredores para alojar o séquito real. Era com pompa e circunstância que naqueles idos dias de setecentos se organizava o cortejo entre aquela que é hoje a Praça da Fruta e o Hospital Termal para acompanhar o monarca aos banhos.
Este e outros pormenores sobre a estadia régia na região foram tema de uma conferência proferida no CCC a 13 de Maio, por Carlos Querido, juiz desembargador e colaborador da Gazeta das Caldas.
D. João V é o senhor que se segue na bibliografia deste autor, depois de um primeiro livro dedicado à sua terra natal, Salir de Matos, e outro sobre a Praça da Fruta.

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D. João V foi um dos reinados mais longos da monarquia portuguesa. Coroado em 1706, este monarca reinou durante 44 anos tendo falecido em 1750.
“Foi um homem que gostava do poder absoluto e cujo reinado se caracterizou pela exuberância, luxo e pela encenação do poder à maneira francesa”, contou Carlos Querido. Nas suas investigações, o juiz-escritor percebeu que D. João V tinha uma fixação pelo Rei Sol, Luís XIV e fazia tudo para o imitar. De tal forma que este último acabou por ser padrinho de baptismo do príncipe D. José.
D. João V nunca convocou cortes e muito raramente usava o Conselho de Estado. “Era um rei que tudo decidia por si só, ouvindo apenas um grupo muito restrito de pessoas”, contou. Apesar de tudo, era um verdadeiro trabalhador pois tinha conhecimento de todos os assuntos de Estado e ouvia ainda o povo pois dava três audiências por semana e só a de sábado se destinada aos nobres.

As histórias de D. João V foram ouvidas num ambiente intimista no foyer do CCC

Nas audiências bissemanais para o povo, D. João V sentava-se no trono e à sua direita tinha uma cesta com moedas que colocava sub-repticiamente no colo das senhoras. “Chamava as pessoas e o meirinho e mandava executar as decisões a hora. Maridos cruéis que batiam nas mulheres, filhos desobedientes e afins eram ali solucionados na hora”, disse Carlos Querido.
Quando o país teve um surto de febre amarela em 1723 e uma seca tremenda em 1734, “o rei marcava sempre presença junto das pessoas, muitas vezes, correndo até o risco de contágio”, disse o orador. Actuava pois “como um pai” e por isso mesmo era “um rei muito popular”.
O monarca ficou também conhecido por ter várias amantes entre a aristocracia, freiras, actrizes e mulheres do povo. Teve três filhos de freiras do Convento de Odivelas, que ficaram conhecidos como “os meninos de Palhavã” e que foram reconhecidos nas Caldas, a 6 de Agosto de 1742, durante a estada régia nas termas.

A doença do rei

A corte chegou às Caldas a 10 de Julho de 1742 e o rei, ao passar por Óbidos, rezou longamente na Igreja do Senhor da Pedra. Este era um templo que o monarca muito gostava e que custeou, tendo a sua primeira pedra sido lançada em Dezembro de 1740.
Nas Caldas foram precisas  62 casas para alojar a corte e ainda foram usadas várias quintas dos arredores. Guiado por Carlos Querido, e munidos de cópias de mapas da época,  o público imaginou os locais onde a corte se alojou e como era feito o percurso dos nobres na vila, quando se deslocava às termas. “O rei trouxe toda a estrutura administrativa”, contou o investigador, acrescentando que o monarca veio mais 12 vezes às Caldas. Apesar de tudo, o rei não melhorou substancialmente das consequência do que terá sido uma trombose. “Creio que havia sobretudo uma questão de fé de que as águas caldenses o ajudariam a melhorar”, disse o orador.
Carlos Querido contou várias histórias que foi descobrindo ao longo da sua investigação sobre outros membros da família régia. Há um pouco de tudo – infantes cruéis que morrem de congestão após uma refeição de lagosta e aventureiros que partem e se cobrem de glória a lutar e a comandar tropas internacionais.
Os filhos ilegítimos do rei vão ficar hospedados numa quinta de Alfeizerão, que mais tarde pertencerá a Vitorino Fróis, o cavaleiro tauromáquico. É Frei Gaspar da Encarnação que toma conta destas crianças e que pressionou o rei para que fossem reconhecidos. Conta-se que mais tarde uma das freiras irá procurar o seu filho que lhe responde: “Sou filho do rei e não tenho mãe”.
Carlos Querido encontrou provas da realização da festa de Santo Inácio, que teve lugar na Igreja de N. Sra. do Pópulo com toda a encenação religiosa e do poder do próprio monarca. Segundo o orador, há documentos que mostram como o rei gratificou muito bem toda a gente que albergou, serviu ou acolheu nas Caldas.
D. João V recebeu nas Caldas o então Conde de Oeiras, mais tarde Marquês de Pombal e, em 27 de Fevereiro de 1747 pede-lhe que este planeie e execute uma série de obras e melhoramentos. Serão então da autoria de Manuel da Maia os melhoramentos do hospital, a construção dos paços do concelho e os vários chafarizes das Caldas da Rainha.
Esta autêntica lição de história foi uma iniciativa do CCC, integrada nas comemorações do 15 de Maio e contou com um foyer cheio de gente, que foi transformado em ambiente de café-tertúlia. No final, Carlos Querido disse à Gazeta das Caldas que vai tentar lançar este livro em 2013.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt

Os escritores que às Caldas dedicaram palavras

Mesmo depois de ter fechado a sua livraria, Isabel Castanheira tem prosseguido uma intensa actividade cultural e aceitou o convite de Carlos Querido para com ele partilhar esta sessão dedicada à cultura e história local.
A livreira surpreendeu com o resultado de uma investigação acerca dos poetas e escritores que escreveram, em várias épocas, sobre as Caldas da Rainha.
“Esta terra foi parida por entre as palavras desenhadas num texto assinado por uma certa rainha, onde ela definiu os seus princípios de conduta”, disse a oradora, referindo-se à Rainha D. Leonor e ao seu “Livro do Compromisso”.
Ao longo dos tempos, contou Isabel Castanheira, numerosos escritores, cientistas, turistas e poetas escreveram inspirados nesta cidade.
“Não há nas Caldas/ Melancolia/ Dão alegria/ Os ares seus”. “Sabiam que se trata de palavras de Nicolau Tolentino de Almeida, o tal da cabeleira dentro do toucado, que por cá passou e deixou o seu testemunho, de par com as suas dores?”, contou a livreira que referiu em seguida o catalão Luis Vermell Y Busquets, “autor de um livro frágil e de pequeno formato sobre o Real Hospital, que é, sem dúvida, uma das preciosidades da bibliografia caldense”.
Não podia falhar o médico Ramalho Ortigão que, “com precisão cirúrgica, descreveu os “tipos” caldenses, com particular incidência na indígena, cujos trajes cheiravam a maçã camoesa”. O cronista Júlio César Machado, o grande caminhante da zona Oeste, com as descrições do mundo rural e dos seus passeios campestres, “proporcionou-nos o conhecimento da rica culinária regional” e Augusto da Silva Carvalho, com a sua “Memória das Caldas”, “legou-nos não só preciosas informações do mister hospitalar, como também sobre a vida social e política de então”.
Já Manuel Pinheiro Chagas “queixou-se do piano do club matraqueando em contínuo polcas de manhã até à noite” (no então Casino do Parque) e Fialho de Almeida, o tal d’Os Gatos, considerou a vila das Caldas “comparável às mais célebres terras de águas francesas e alemãs”.
Jorge de São Paulo, padre lóio, legou a história do “Hospital das Caldas da Rainha até ao ano de 1656”, “obra sem a qual muito dificilmente nos seria possível reconstituir os tempos infantes da nossa terra”.
Também Eça de Queirós refere que “José Maria nunca sabia quem partia para as Caldas, quem estava nas Caldas, quem chegava das Caldas …” ao passo que o turista catalão Francisco Giner de los Rios, “descreveu o refulgir dos azulejos da nossa capela, que considerou a mais bela da península”.
Por sua vez Miguel Torga “queixou-se de que toda a gente fazia dele o confidente ideal das mais diversas maleitas”.
Isabel Castanheira referiu igualmente Alberto Pimentel que nas suas crónicas “fez renascer o pipiar das andorinhas e que nos relatou as aventuras do rei com outras aves, mais consentâneas com o paraíso…”.
João Nunes Gago, Joaquim Inácio de Seixas Brandão, Francisco Tavares, foram também referidos nesta apresentação, alguns dos que dedicaram o seu interesse ao estudo das águas da Rainha.
E como não poderia deixar de ser, Rafael Bordalo Pinheiro “que nos doou páginas de escrita e sobretudo de croquis, de caricaturas, de ilustrações que são, sem dúvida, alguma da nossa mais rica herança gráfica”.

N.N.

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