Conheça o que existe atualmente relativo à Sétima Arte nas Caldas, quando a cidade vê encerrar salas do único cinema comercial
No dia 7 de setembro deste ano comemoraram-se os 120 anos daquela que é a primeira exibição de um filme nas Caldas da Rainha. O Cinematographo, no Pavilhão Central do Parque D. Carlos I, apresentava nesse dia, uma quarta-feira, em 1905, o “Barba Azul”.
Conta-nos o cartaz do filme, patente no museu, que era a “estreia do magnifico e comovente quadro phantastico de 25 minutos de duração, apresentando com extraordinário luxo de «atrezzo» e soberbo decorado, com mais de 200 personagens, decorações especiaes, effeitos de magia, apparições, transformações à vista e trucs d’alta novidade”, resumindo ainda que se tratava da “mais bella peça cinematographica conhecida até hoje”.
O Museu de Ciclismo, nas Caldas, está atualmente a assinalar essa data. No espaço museológico do rés-do-chão, na sala dedicada às exposições temporárias, “que desde sempre têm recebidos mostras de diversas temáticas”, está agora patente a exposição “Memórias Cinéfilas”, que permite conhecer “as desaparecidas salas de projecção, panfletos e posters, onde não faltam alguns alusivos às bicicletas”, salienta o proprietário do acervo que compõe a mostra, Mário Lino. É ele quem nos guia numa viagem pelo panorama cinematográfico caldense desde então, com as sessões em diferentes salas, como o Sport Casino ou o Salão da Convalescença do Hospital Termal, mas também o Club Recreio.
Nesta história é incontornável a família Levy, primeiro com as projeções e depois, com os descendentes de Samuel Levy, que nos Estados Unidos da América conseguiram, em regime de exclusividade, os direitos sobre alguns filmes de Charlie Chaplin para a Península Ibérica. O Ibéria Club e, mais tarde, Salão Ibéria foi outro dos locais históricos do panorama cinematográfico das Caldas. Recorde-se, após as projeções na Rua de Camões, a construção, com os tijolos da demolida Fábrica Bordalo Pinheiro, do Salão Ibéria junto aos Pavilhões do Parque, que viria a ruir em outubro de 1978, numa segunda-feira, único dia em que não havia sessão.
O Teatro Pinheiro Chagas, primeiro, que depois se transformou em Cine-Teatro Pinheiro Chagas, é outro local indissociável do cinema nas Caldas. Mário Lino recorda que tinha “por base tons de verde claro e cortinados verde escuro”, mas também as paredes, no exterior, de linhas direitas e sóbrias” e que estavam pintadas a rosa velho. Não se esquece o “grande janelão envidraçado”, entre outras coisas.
O primeiro filme português com som, Severa, de 1931, foi exibido na cidade termal, neste local.
O carácter solidário de várias sessões está plasmado nos próprios panfletos, onde encontramos, por exemplo, espetáculos promovidos pelo corpo ativo dos Bombeiros em benefício da associação humanitária. Outra ligação dos Bombeiros ao cinema dá-se com a sala própria, que tiveram na Rua Henrique Sales.
De outros locais, recorda Mário Lino, “houve projeções até na Casa dos Barcos do Parque D. Carlos I e cinema ao ar livre”. Algo que também já tem ocorrido em tempos contemporâneos. Mas já lá vamos.
Destes tempos mais “modernos”, é obrigatório falar do Estúdio UM, extinto em 1993, e que foi durante largos anos a única sala de cinema das Caldas, mas também dos Cinema Delta, que existiram no Centro Comercial da Rua das Montras. Com duas salas foram uma referência para várias gerações de caldenses e receberam os principais êxitos cinematográficos até encerrarem em 2009. O espaço tem estado desocupado e está, segundo anúncios disponíveis na Internet, à venda. Os dados do ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual permitem perceber que no último ano de funcionamento estes cinemas receberam mais de 37.500 espectadores e que, nos últimos cinco anos (2004-2008) contaram com cerca de 280.000 espectadores.
Salas a fechar no La Vie
Entretanto, em 2008 abria o centro comercial Vivaci, que sob a marca Vivacine, trazia para as Caldas cinco novas salas de cinema. Desde o ano de 2009, e do encerramento dos Cinema Delta, é o único local para ver cinema comercial. No início de julho de 2016, já depois de o Centro Comercial ter sido adquirido pela ECS Capital, uma sociedade gestora de fundos de capital de risco e restruturação e a gestão ter sido entregue à Widerproperty, os cinemas Vivacine fecham. No entanto, logo em agosto viriam a reabrir as salas nas Caldas, já sob a marca Cineplace, do grupo brasileiro Orient que tem gerido os cinemas no centro comercial caldense desde essa altura. Atualmente os cinemas nas Caldas vão sofrer uma reestruturação.
“Não confirmo que os cinemas vão encerrar, posso confirmar que estamos em negociação com o operador, os cinemas das Caldas têm cinco salas e é quase certo que serão reduzidas para duas ou três salas”, explicou à Gazeta das Caldas o diretor do centro comercial La Vie das Caldas, Amaro Correia, notando que o que virá depois não sabe.
“Temos um espaço cedido, mas quem gere o negócio são os operadores”, frisou, destacando a necessidade de contextualizar toda a questão. “Há aqui uma alteração no mercado que nos vai obrigar a reajustar a operação, mas não posso confirmar o encerramento nem a continuidade da forma que está”.
“Depois da pandemia, o negócio dos cinemas sofreu alterações significativas”, começa por explicar, notando que “desde então os bilhetes vendidos na bilheteira reduziram drasticamente”. Tal tem levado a um ajuste de mercado com operadores a desmantelarem cinemas e a encerrarem salas em todo o país. “É uma consequência daquilo que o mercado transmite, há uma procura reduzida que também está associada ao produto, porque há menos, faz-se hoje muito mais produções para streaming e depois há a alteração dos hábitos de consumo, as pessoas não vão tanto aos cinemas”.
Ainda assim, salienta Amaro Correia, “vemos o cinema como uma verdadeira âncora e nas Caldas da Rainha, uma cidade das Artes, responsabiliza-nos ainda mais. Não é nosso intuito encerrarmos deliberadamente ou de ânimo leve os cinemas”, refere. “Para mim, pessoalmente, seria um problema, é a cidade que é e faz falta. O cinema comercial é algo de que precisamos, porque senão a oferta local tem que ser sustentada pelos cinemas de Leiria e Torres Vedras, sustenta”.
Amaro Correia salienta a falta de viabilidade do negócio da forma atual e os dados do ICA comprovam isso mesmo. Os primeiros anos foram logo de grande sucesso, com a fasquia acima dos cem mil espectadores anuais e o recorde até hoje, em 2010, com 123.008 espectadores. No último ano antes da pandemia, em 2019, foram mais de 114 mil. A partir de 2020, com o início da covid-19, nunca mais se atingiu, sequer, os 80 mil. Mas esses dados também permitem perceber que pelos cinemas do centro comercial já passaram, desde a abertura, mais de 1,5 milhões de espectadores.
Um dado relevante e que o diretor do La Vie partilha é que, às sextas-feiras e fins de semana, os cinemas “continuam a ter uma performance aceitável”, o problema é a operação entre segunda e quarta-feira.
O CCC e o cinema
Mário Branquinho, diretor do CCC, considera que o panorama cinematográfico das Caldas “responde à cidade”, mas esperando que se mantenha o cinema comercial, que “é uma componente importante”.
“Da parte do CCC tentamos contribuir para o cinema dito alternativo e isso tem-se verificado em diferentes patamares”. O primeiro é o Cineclube CCC, com cinema quinzenal, ao longo do ano, com as últimas novidades do cinema português e dos filmes nomeados nos grandes festivais, como Cannes, Berlim, Veneza e outros. “Têm sido sessões muito frequentadas, com muita adesão do público e julgo que ao longo do ano cumprimos essa missão da oferta de cinema de autor”, refere, esclarecendo que a média é de 100 pessoas por sessão. Outro patamar são as quatro sessões de cinema ao ar-livre, que fazem em julho, no Parque D. Carlos I e outros locais, com médias de 400 pessoas em cada. O último patamar é o Intervalos, o encontro/mostra de cinema português que teve a sua primeira edição em 2025 e que regressa em abril. “É uma aposta forte no cinema português, com três dias para discutir, ver e analisar, quer curtas, quer longas metragens, com a presença de realizadores, críticos, jornalistas, atores, um conjunto de personalidades e o público em geral”. Aqui discute-se a produção, a distribuição, a adesão dos públicos, a programação, entre outras temáticas. “Julgamos que damos um contributo importante para a cena cinematográfica da região”, afirma Mário Branquinho, realçando ainda o facto de o CCC ter estreado este ano o equipamento de projeção digital DCP “que melhorou muito a qualidade do cinema”. Tratou-se de um investimento de 150 mil euros, financiado a 100% pelo PRR.
O Cineclube.CR
Quem também promove cinema na cidade é o Cineclube.CR, que nasceu em 2021, em plena pandemia, pela mão de um grupo de jovens estudantes da Escola de Artes e Design das Caldas que começou a fazer projeções na própria escola. Têm uma programação anual com sessões quinzenais, além de um festival anual e outros eventos. Guilherme Rocha, que tem 26 anos e que é natural da Amadora, é o mentor do projeto e sente que “era bom existirem mais iniciativas” na cidade. “No Cineclube procuramos ter uma programação diversificada e bastante experimental”, começa por esclarecer. Nas Caldas nota que “há várias pessoas diferentes, interessadas no cinema” e que “há algumas pessoas que vão ao CCC, por exemplo, ou que vão ao La Vie, e que não vêm às nossas sessões, da mesma maneira que temos pessoas que vêm às nossas sessões, que não vão aos outros sítios”. No Cineclube das Caldas sentem “uma adesão muito grande por parte de alunos da ESAD”, mas “regularmente aparecem outras pessoas da cidade” e, no festival de cinema, tal “é muito mais acentuado”. Ainda assim, frisa, “há públicos super diferentes nessa ideia de públicos”.
O núcleo duro é constituído pelo próprio e por Lara Tomás, Francisca Caldas, David Santo-Tirso, Afonso Marques e João Santos. O amor à arte é que move o coletivo, que não tem um local definido para as sessões, que têm entrada livre. Essa liberdade levou-os a fazerem sessões em cafés e bares, mas também, por exemplo, no Museu José Malhoa, no CCC, nos Silos, no Posto de Turismo e no Grupo Social do Bairro. Também não têm material próprio de projeção (nomeadamente um projetor e uma tela), garantindo a atividade através de parcerias e apoio de amigos. O jovem identifica ainda nos antigos cinemas Delta “um espaço incrível para dinamizar”, com “um grande potencial, não só para cinema”.







































