O Caldas Late Night fez 20 anos e durante três dias a cidade celebrou a chegada ao marco das duas décadas. De 26 a 28 de Maio as ruas da cidade encheram-se de pessoas, curiosas por explorar o mapa que nesta edição indicava mais de 80 pontos de interesse. Ainda assim, a chuva pregou uma partida aos visitantes e este ano o evento foi menos participado do que em 2015.
Exposições, performances, concertos, festas e instalações, invadiram vários estabelecimentos comerciais, o Parque D. Carlos I, o antigo complexo fabril da Secla, os Silos, casas de estudantes e de artistas e os principais largos e praças das Caldas. “Retrospectiva” foi o tema do vigésimo CLN.

Cenas das Latas. O que será isto? O mapa indica-nos o número 65, localizado no Céu de Vidro, onde se encontra patente uma exposição de design. No edifício da antiga Casa da Cultura estão César Antunes, Ivan Ferreira e Guilherme Serra, três alunos da ESAD, que juntamente com mais dois colegas (Rafael Cavaco e Rui Melo) planearam esta mostra.
Ao todo são 60 latas de spray que foram transformadas por vários artistas, a maioria estudantes da escola de artes das Caldas. Também chegaram trabalhos de Espanha, Açores, Porto e Lisboa. Encontramos latas inspiradas no Star Wars e na Playboy, outra que faz lembrar um bolo de aniversário (com direito a vela e tudo) e vários exemplares com frases alusivas ao tema como “Estou-me nas tintas” ou “Que grande lata”.
Toda a envolvência do espaço abandonado adequa-se ao mote da exposição que é a street art (arte de rua): o edifício degradado, o hip-hop que entoa da cabine do DJ, as fotografias do Caldas Meeting Jam (evento que decorreu ao longo de três semanas em que se pintaram as paredes da Secla), os bancos feitos com blocos de cimento e o cesto de basquete que vai entretendo os visitantes. Há ainda um canto onde as pessoas podem tirar fotografias, num cenário semelhante ao retrato de um prisioneiro. Só que aqui os principais suspeitos são as latas.
Onde antes estava depositado entulho e tinham nascido ervas com mais de um metro de altura, está agora montada uma esplanada que serve de paragem para beber uma cerveja. Foram precisos quatro dias para limpar toda a área.
“Ao princípio procurávamos um café ou uma garagem abandonada, mas ninguém se mostrou interessado em receber uma exposição do Caldas Late Night. Até que falámos com o Vitor Marques [presidente da União de Freguesias Nª Sra. do Pópulo, Coto e S. Gregório] que nos mostrou este espaço e disponibilizou o material para darmos início à limpeza”, conta César Antunes, acrescentando que têm recebido a visita de pessoas mais velhas. “Vêm curiosas com o espaço, onde não entravam há muitos anos. Como uma senhora que nos disse que aqui actuou como bailarina na Casa da Cultura”.
Do Céu de Vidro vamos até à Igreja Evangélica Baptista das Caldas. O número seis do mapa chama-se “Anorexia Cognitiva” e também é uma exposição. Curiosamente, este é dos poucos locais com porta aberta até às duas da manhã. Para quem está de estômago vazio, há bebida e comida.
Ao meio da escadaria encontra-se um cérebro cor-de-rosa, a partir do qual se expandem linhas da mesma cor que sobem as paredes (estas, repletas de fotografias e post-its escritos por pessoas que já visitaram esta estação). Henrique Martinowski, também aluno da ESAD, explica que “as fotografias representam o pensamento do ser humano e tudo aquilo em que ele procura satisfação: dinheiro, sexo, glamour, festas ou álcool”. Esta exposição é uma crítica à pobreza de alma da sociedade actual, cujo vazio “só pode ser preenchido através da espiritualidade”.
Quem também está no mapa (e pela primeira vez) é Beatriz Gamboa, aluna do Colégio Rainha D. Leonor com a exposição “De Caras”, patente na Casa da Árvore. Utilizando arame, a jovem de 18 anos construiu vários perfis humanos, todos diferentes entre si. “Conto a história de uma vida, passando pelas diversas fases do ser humano: o namoro, a amizade, a solidão, o casamento, a velhice e a criatividade”.

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Praça da Fruta invadida por almofadas

Pára tudo. Está na hora da Pillow Fight, uma das performances mais populares do Caldas Late Night. À medida que se aproximam as 18h00 de sexta-feira, vão chegando cada vez mais grupos de jovens à Praça da Fruta. Vêm de almofada debaixo do braço, algumas trazidas de casa, outras compradas de propósito para a ocasião. Há fronhas coloridas e com bonecos, mas a maioria das almofadas vem desnuda, sem protecção.
Pedro Ferreira vem com os amigos, tem atado ao pescoço um lenço vermelho e na cabeça traz um chapéu de palha. À sua semelhança, mais pessoas aproveitam a ocasião para se disfarçarem. “Comprámos as almofadas mais baratas que encontrámos numa loja chinesa porque aqui são para estragar. Também nos avisaram para guardar bem o telemóvel e às raparigas para não levarem brincos”, conta o estudante da ESAD, que participa pela primeira vez na pillow fight.
Madalena Ferrari é outra estreante e espera sentada com os colegas pelo sinal de partida. “Vimos vídeos e fotos na internet e achámos muito divertido, pois é uma actividade diferente, que faz lembrar as brincadeiras que tínhamos em criança”.
Luís Guedes é pontual e poucos minutos após a hora marcada faz soar a sirene do megafone, anunciando o primeiro round. Não tarda muito até que a esponja branca (enchimento das almofadas) se comece a espalhar pelo ar, depois pela calçada. No final da batalha campal até parece que nevou no local. A Praça da Fruta está cheia de pessoas que se reúnem à volta do “ringue” para assistir à performance e tirar fotografias.
“Só deixo de pôr o megafone a tocar quando o pessoal se fartar”, diz Luís Guedes, revelando como surgiu a Pillow Fight: foi há oito anos, quando a Vodafone teve uma campanha com anúncios televisivos que mostravam guerras de almofadas. O Caldas Late Night adoptou a mesma ideia.

Abrir porta a desconhecidos

Durante dois dias a Rua Tenente Sangreman Henriques esteve animada. Logo à entrada do prédio com o número 32 está uma placa que anuncia “Casa da Mona”. Antes de subirmos as escadas até ao 3º andar vemos um cartaz elaborado pelos residentes desta casa que pede a compreensão a todos os vizinhos: 27 e 28 Maio haverá mais barulho e pessoas a circular. Assim manda a tradição do Caldas Late Night, que nasceu e sobreviveu ao longo de 20 anos precisamente graças a jovens como estes.
Já na Casa da Mona facilmente percebemos o porquê deste nome. Numa das paredes do corredor da habitação encontra-se um quadro da Mona Lisa. Axelle Gonçalves, uma das estudantes que aqui vive, conta que a tela pertencia à avó, que quando mudou de casa se quis livrar de algumas tralhas. Axelle pediu-lhe para ficar com o quadro. “Este foi o primeiro objecto a ser pendurado na casa e acabou por lhe dar o nome”, explica, acrescentando que já é o terceiro ano em que abre as portas de sua casa para participar no Caldas Late Night.
Na Casa da Mona encontramos trabalhos de sete artistas. As divisões da casa foram invadidas por fotografias, pinturas, vídeos, luzes e música. A sala tem pendurada no tecto uma árvore de Natal, em três dos quartos decorrem performances e da cozinha saem pratos de chili que qualquer um pode comprar. Se alguém quiser ficar para jantar é bem-vindo e até pode juntar-se ao grupo que já tem montado uma espécie de karoke. “É muito bom receber as pessoas, mas a verdade é que dá muito trabalho. Há três semanas que estamos a limpar tudo e a fazer a mudança das mobílias dos três quartos que estão abertos para outros dois, onde dormimos nestes dias”, conta a estudante da ESAD.
Entre os locais mais movimentados destaca-se a Rua Dr. Leão Azevedo (que acolheu o tradicional Arraial), a Praça 5 de Outubro, os Silos, a Secla (onde se realizou a festa de encerramento que juntou uma multidão distribuída por três palcos), o Largo Dr. José Barbosa (junto ao café Central), a Travessa João de Deus, o Parque e alguns estabelecimentos comerciais como o Centro Comercial Avenida e o Centro Comercial da Rua das Montras, os bares Déjà Vu e Daiquiri, o My!ced e o CoffeeNuts. A Casa dos Artistas, um dos pontos de paragem mais emblemáticos do Caldas Late Night, esteve encerrada este ano.
A vigésima edição do CLN foi organizada por quatro estudantes da ESAD (dos cursos de Artes Plásticas, Design de Ambientes, Design Gráfico e  Som e Imagem).

 

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