SUPLEMENTO “ZÉ POVINHO”
O suplemento do Zé Povinho, editado pela Gazeta das Caldas para comemorar o 135º aniversário da criação daquela figura emblemática do nosso país por Rafael Bordalo Pinheiro, publicado no final de Junho passado, está à venda nas lojas da Vida Portuguesa junto às exposições do centenário da República Portuguesa no edifício do Ministério das Finanças, na Praça do Comércio e na Cordoaria Nacional, ambos em Lisboa.
Segundo as pessoas que estão responsáveis por aquelas lojas, está a despertar o maior interesse e procura, quer pelo seu ineditismo, no momento em que se comemora aquele centenário, quer pela qualidade gráfica e dos contributos de autores e desenhadores/cartoonistas.
“VIVA A REPÚBLICA”
Desde o mês de Junho que está patente na Cordoaria Nacional, na Avenida da Índia, na capital portuguesa, a exposição “Viva a República” que faz um levantamento documental e fotográfico dos acontecimentos que antecederam a proclamação da República em 1910 e muitos dos acontecimentos que se seguiram até á instauração do regime ditatorial em 1926.
Segundo os organizadores, o percurso apresentado permite acompanhar o triunfo da ideia republicana no nosso país, que contribuiu para a queda do regime monárquico, bem como os acontecimentos que se lhe seguiram e que por sua vez contribuíram para a ascensão do regime corporativo do Estado Novo.
Nesta exposição faz-se uma narrativa histórica densamente documentada por fotografia e por encenações históricas que nos permite conhecer melhor a história de Portugal nos últimos 150 anos. Numa visita sem grande pormenor, não se encontra qualquer facto relacionado com as Caldas da Rainha ou a região Oeste, havendo referência à elaboração da Lei de Separação da Igreja e do Estado, por Afonso Costa e instituída a 20 de Abril de 1911, mas sem fotografia ou indicação de ter sido na Foz do Arelho que se passou esse facto histórico.
Já na exposição Viajar, patente no Torreão Nascente do Terreiro do Paço (também sob a égide do centenário da República) Caldas da Rainha e a região são referidas amiúde. Esta exposição pretende fazer uma retrospectiva do turismo em Portugal, cujo lançamento ocorreu por alturas da instauração da República, quando em Portugal foi realizado o IV Congresso Internacional do Turismo.
No século XIX e especialmente no início do Século XX, a região Oeste e propriamente as Caldas, estavam num dos eixos mais importantes do turismo da época, centrado nas termas e, de alguma forma, nas idas à praia. Contudo, foi com a República que este movimento se democratizou e se expandiu no nosso país, até com a coincidência de terem ocorrido os maiores desenvolvimentos tecnológicos, com a expansão do caminho de ferro e o aparecimento do automóvel, bem como o incremento de outros meios de transporte para as viagens internacionais.
No próprio catálogo da exposição se pode ler: “entre a segunda metade de Oitocentos e as duas primeiras décadas do século XX nasceu um modo novo de viajar. Às viagens marítimas, religiosas e de negócios, juntou-se a viagem de recreio ou de turismo, que traz estrangeiros a Portugal e leva portugueses a viajar pelo seu pais e pelo mundo.
O vapor e o telégrafo, encurtando cada vez mais as distâncias que separavam Londres de Paris ou os Estados Unidos de Lisboa, facilitaram a mobilidade e as comunicações. Viajar por prazer, para conhecer outros lugares e costumes, como distracção ou forma de repouso foi-se tornando um desejo acessível a mais pessoas.”
Esta exposição divide-se em cinco núcleos – Viajar, Lugares de Turismo, Férias em Portugal, Descobrir Portugal e o Turismo e a República – onde se ensaia o reconhecimento dos locais e das actividades que fizeram a emergência deste fenómeno social e económico, que é no século XXI o principal sector de desenvolvimento dos países modernos.
O TURISMO NAS CALDAS
Na exposição, vários nomes ligados às Caldas se destacam, pela importância que tiveram naquele período e que marcaram o nosso país por isso. São Raul Proença, um dos responsáveis e autores do principal repositório dos valores patrimoniais portugueses (havendo no catálogo um excelente texto de João B. Serra sobre o Guia de Portugal), Rafael Bordalo Pinheiro, que, com o seu traço irónico fez das melhores apreciações sobre a emergência do turismo em Portugal e, finalmente, o pintor José Malhoa, que é autor de alguns das imagens mais significativas da época.
Um grande amigo de Bordalo Pinheiro e visitante continuado das Faianças das Caldas e da própria localidade – Ramalho Ortigão – é um dos autores de viagem mais conceituado do Sec. XIX e que tem na exposição referida a obra “Banhos das Caldas e Águas Minerais, bem como o livro de referência de 1876 intitulado “As Praias de Portugal. Guia do banhista e do viajante”.
Também a então vila das Caldas da Rainha, como Alcobaça, Nazaré, Torres Vedras, são recordados como atracções muito fortes dessa época. Nesse período Óbidos não estava na moda, certamente porque permanecia como uma ruína, pois a reconstrução da muralha só se dá em meados do século passado.
No eixo dos lugares de turismo, a exposição apresenta os principais centros turísticos portugueses do final do século XIX e princípio do séc. XX, que entre 1921 e 1923 foram oficialmente identificados e classificados em número de 135, englobando 47 termas (destacando-se as das Caldas entre as outras), 69 praias, três estâncias climatéricas, uma estância de altitude e repouso e 15 estâncias de turismo. O visitante vai encontrar fotografias da época das praias da Nazaré, Figueira da Foz, Santa Cruz, Cascais, Estoril, Ericeira, Praia das Maçãs, Portimão, Lagos e Praia da Rocha, das termas das Caldas da Rainha, Cucos, Buçaco, Luso e Cúria, ou terras monumentais como Alcobaça, Batalha, Tomar, Mafra, etc..
Nos locais recomendados para visitar, a exposição apresenta fotos dos Pavilhões do Parque Dom Carlos I no início do Séc. XX, do grande pavilhão das Nascentes das Pedras Salgadas ou do Casino da Figueira da Foz.
O pintor caldense José Malhoa está representado na exposição com uma reprodução do quadro “À beira Mar, na Praia das Maçãs”, que dá uma imagem aproximada da relação da classe abastada da época com o mar.
Interessante que na exposição sejam utilizadas duas fotografias da época, com situações de circunstância de autoria de Joshua Benoliel de “Duas crianças nas Caldas da Rainha, início do séc. XX” e “Fotógrafo à la minute na Feira das Caldas da Rainha” no 15 de Agosto de 1909. Eram fotografias dos tempos em que Caldas da Rainha dava cartas no contexto nacional e que a Feira do 15 de Agosto tinha um destaque importante.
No eixo final do turismo e a República é apresentado um pequeno anúncio da venda de faianças de Caldas da Rainha, que estava inserido num catálogo de promoção do governo português de 1913. No anúncio referia-se que a o maior stock de louça artística das Caldas era vendido no depósito na esquina da Rua de S. Nicolau, na capital.
Como uma das investigadoras que publica no catálogo – Maria Alexandra Lousada – avançava, “no último quartel do século XIX, um número considerável de famílias portuguesas se deslocava às termas e às praias durante a época balnear, fazia alguns passeios “à montanha” e visitava aqueles que eram considerados os monumentos mais importantes da história do País, em particular a chamada “triologia monumental de Alcobaça, Batalha e Tomar”.
Descrevendo os hábitos da época, a mesma autora refere “os hotéis, casinos e banheiros são equipamentos e ocupações associados às diversas modalidades de turismo. Segundo o Anuário Comercial do Porto, na Póvoa do Varzim o número de banheiros passou de zero a quinze, e o de hotéis, de quatro a seis entre 1905 e 1913; as praias da Foz que em 1905 dispunham de 15 banheiros e 30 hotéis, passaram a contar com 38 banheiros e 53 hotéis em 1913. As Caldas da Rainha tornaram-se uma estância termal moderna, proporcionando uma vida social mais variada e intensa com casino, teatro, jardim público, hipódromo e velódromo.”
Outros autores – Carlos Cardoso Ferreira e José Manuel Simões – publicam no mesmo catálogo um texto sobre “espaços, lugares e projectos” do “Portugal turístico ao tempo da 1ª República” em que cita também Ramalho Ortigão, que destaca o que “seriam os hot-spots da vilegiatura de costa á entrada do último quartel do Século XIX” e que segundo ele “eram poucas as praias que então ofereciam as condições aceitáveis para a fruição de excursionistas e turistas, dos acessos ao alojamento, passando pela restauração e animação.”
Ramalho Ortigão destacava assim um “grupo reduzido de praias, todas no litoral, em redor ou a norte de Lisboa: um contínuo ribeirinho entre Pedrouços e Cascais; Ericeira, S. Martinho do Porto; Nazaré; Figueira da Foz; Espinho; Granja; Foz do Douro (e seu prolongamento a Leça e Matosinhos); e, finalmente, Póvoa do Varzim. Já num outro patamar de relevância, acrescenta ainda Vila do Conde e – esta, sim, a única a sul de Lisboa – Setúbal.”
A IMPORTÂNCIA DO CAMINHO-DE-FERRO
No seu textos estes autores recordam a importância que teve na época o caminho de ferro que “provia boa parte das deslocações dos portugueses para fins turísticos: das praias de banhos às estâncias hidrológicas, dos principais aglomerados urbanos às singularidades do património histórico, cabia à ferrovia a função de transportar os turistas para os lugares turísticos, com propósito específico ou em itinerância”, para o que o Manual do Viajante em Portugal, na sua primeira edição de 1907 , “incorporava um mapa da rede dos caminhos de ferro e alguns “planos de excursões” com claro assentamento nas ligações ferroviárias”.
No mesmo texto os autores referiam que “no início da República, os principais projectos de urbanística do lazer e turismo existentes em Portugal estavam associados, ora às grandes cidades, sobretudo Lisboa, Porto e Funchal, destinos já com alguma visibilidade no seio do turismo internacional, ora às estâncias balneares (caso da Póvoa de Varzim, Foz do Douro, Granja, Espinho, Figueira da Foz, Nazaré, S. Martinho do Porto, Ericeira, Cascais e Pedrouços), cuja emergência e afirmação se enquadram no movimento geral de “descoberta do Litoral” pela realeza e aristocracia europeias, ora ainda às estâncias termais, as quais vinham experimentando, desde o último quartel do século XIX, um grande ciclo de desenvolvimento e de qualificação (casos de Pedras Salgadas, Vidago, Geres, S. Pedro do Sul, Cúria e Caldas da Rainha).”
Estes autores ainda se referem no seu texto aos planos gerais de melhoramentos que foram lançados nos primeiros anos da República, entre os quais estava o de S. Martinho do Porto (a que nos referimos em caixa), lançado em 1921, da autoria do arquitecto Fernando Perfeito de Magalhães e ainda o das Caldas da Rainha já feito em 1927.
Exposições sobre o centenário da República que aconselhamos aos leitores a visitar, para relembrar o que se passou na história portuguesa nos últimos séculos, bem como o papel que as Caldas da Rainha e algumas terras da região Oeste desempenharam para o desenvolvimento do fenómeno turístico em Portugal. Pena que muitos dos que hoje nos representam desconheçam tola e cabalmente este papel e se veja as Caldas da Rainha a deambular numa promoção turística terceiro mundista.
Iniciativa da Gazeta em destaque
O Suplemento dedicado ao 135º aniversário da criação do Zé Povinho está à venda em Lisboa, ao lado de várias peças históricas fabricadas pela fábrica de Faianças Bordalo Pinheiro das Caldas da Rainha, tanto junto à exposição Viajar no Terreiro do Paço, como na loja da exposição Viva a República, na Cordoaria Nacional.
Ambas as exposições vão estar naqueles espaços mais alguns meses, tendo sido assinalável a procura do nosso suplemento pelo público visitante, que tem elogiado o trabalho realizado em colaboração com a Isabel Castanheira da Loja 107 e um professor e um grupo de alunos da ESAD, bem como todos aqueles que colaboraram no mesmo com textos ou ilustrações.
Pena que não tenham sido reproduzidos mais materiais da época do final do século XIX e início do século XX, que podia dinamizar ainda mais empresas como as Faianças Bordalo Pinheiro. Também na exposição devia figurar mais informação sobre a aventura fabril de Bordalo Pinheiro nas Caldas da Rainha e que deu um grande contributo para a luta contra a monarquia e a capitulação perante os ingleses no final do Séc. XIX (como o gozo ao John Bull), bem como o turismo industrial das visitas organizadas às instalações fabris de Bordalo nas Caldas da Rainha.
JLAS































