O passado dia 14 de Janeiro nas Caldas foi dedicado a uma personagem ímpar na história portuguesa: Aristides de Sousa Mendes, o cônsul português em Bordéus que, contra as ordens de Salazar, passou milhares de vistos a refugiados que fugiam dos nazis. Num dia em que foram traçados vários paralelismos com a situação actual, houve conversas entre os alunos e o neto do cônsul, uma exposição e uma palestra com os investigadores Irene Pimentel e Ricardo Silva.
“Se existe um Deus, Ele terá de implorar pelo meu perdão”, a citação terá sido escrita por um judeu numa cela de um campo de concentração nazi durante o Holocausto e foi usada para fechar a apresentação que os alunos da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro fizeram sobre este tema. Já depois de apresentarem várias frases de extrema direita (de Le Pen, Hitler e Mussolini), a história de Aristides de Sousa Mendes e o texto de um refugiado sírio.
O auditório da escola estava lotado para as conversas com António Moncada de Sousa Mendes, neto de Aristides de Sousa Mendes. Da parte da manhã este descendente do cônsul de Bordéus falou com os alunos do 9º ano e da parte da tarde com os do secundário.
António Moncada de Sousa Mendes apresentou imagens da casa do avô em Cabanas de Viriato (Carregal do Sal) e contou que chegou a conhecer alguns dos refugiados que ali foram acolhidos.
Apresentando o seu avô, definiu-o como um herói improvável. Era um diplomata, com a vida estabilizada e uma família numerosa para sustentar. E sabia o que estava a fazer ao não seguir as ordens de Salazar: era o fim da sua carreira. Mas, por outro lado, seguir as ordens era ter de suportar para sempre um peso de milhares de vidas perdidas na sua consciência.
Assim, “no dia 17 de Junho levantou-se e disse à minha avó que ia dar vistos a todos”, contou o neto do cônsul. Ao fim de três dias decidiu fazer o mesmo em Bayonne (a sul de Bordéus), atraindo centenas ou milhares de pessoas. Aí, as escadas do consulado, em madeira, começaram a ranger, tal era o peso humano sobre elas. Aristides levou uma mesa para a rua, para a porta do consulado, e continuou a passar vistos. “Para simplificar e perder menos tempo, passou a assinar apenas como Mendes”, contou.
E revelou ter encontrado uma carta que o avô escreveu ao Papa a contar a sua história, mas que nunca recebeu resposta.
Quando a consciência se sobrepõe à hierarquia
Irene Pimentel, autora científica da exposição e respectivo catálogo, explicou que a mostra tem como principal objectivo contextualizar a acção de Aristides de Sousa Mendes. A exposição divide-se em várias fases com cores: o nascimento, a família e o contexto nacional (a azul), Hitler no poder, o início da Segunda Grande Guerra e o Portugal de então (a vermelho), o fim da Guerra e a punição ao cônsul (a verde).
Quando regressou a Portugal, Aristides de Sousa Mendes foi suspenso da actividade diplomática durante um ano, com direito a metade do vencimento, devendo em seguida ser aposentado. Acabou por ser expulso, sem passar à situação de aposentação e ficou proibido de trabalhar como advogado.
A embaixadora de Israel em Portugal, Tzipora Rimon, afirmou que esta é “uma exposição muito importante, especialmente nesta época” e lembrou que já em 1967 o seu país reconheceu Aristides de Sousa Mendes como “justo entre as nações”.
Maria Júlia Carvalho, presidente do Conselho da Cidade, lembrou o papel das Caldas como cidade que recebeu muitos refugiados e como isso influenciou o quotidiano e o modo de pensar local. “Sabemos que o passado é irrepetível, mas somos igualmente conscientes de que a História pode dar-nos lições profundas que nos ajudem a equacionar o nosso comportamento como cidadãos no presente que vivemos e no futuro que queremos viver”, disse.
Tinta Ferreira, presidente da Câmara, disse que “são gestos como este que nos fazem acreditar na natureza humana”.
Ser cidadão do mundo, hoje!
A fechar o dia houve uma conversa com o jornalista e investigador Ricardo Silva, com a investigadora Irene Pimentel e com António Moncada de Sousa Mendes. Esta foi a primeira conversa do programa “Ser cidadão do mundo, hoje!”, organizado pelo Conselho da Cidade.
Ricardo Silva afirmou-se surpreendido com o facto de a sala estar cheia e apresentou alguns episódios desta época, como o de um piloto português de origem judaica, que morreu em combate contra os nazis, ou de 157 portugueses que se voluntariaram para combater por Hitler, vendo desde o início as atrocidades cometidas. Eram, na sua maioria, veteranos da Guerra Civil Espanhola. E, segundo o historiador, a maior parte não fazia ideia do que era o nazismo. A terminar, a ideia de que “falta ainda saber muito acerca do Holocausto”.
Irene Pimentel focou o seu discurso na actualidade e referiu-se a Aristides de Sousa Mendes para deixar um “apelo à desobediência”.
Este é um dos eventos que o Conselho da Cidade organizará para alertar para a temática dos refugiados. O programa das conferências continua no dia 23 de Janeiro, no auditório da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, a partir das 15h00, com a presença do Alto Comissário para as Migrações, Pedro Calado e de um director do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), César Inácio.
O Conselho da Cidade está a organizar visitas guiadas à exposição Coragem Em Tempo de Medo, que está patente no CCC até 14 de Fevereiro. As visitas começam a 25 de Janeiro e têm uma duração aproximada de 30 minutos. As reservas podem ser feitas através do 967891583 ou para o e-mail conselhocidade@gmail.com.






























