O Bispo
Por: Carlos Querido
Entre as rainhas de Portugal há uma que nunca o chegou a ser, apesar de ter casado com o nosso rei D. Afonso V. Trata-se de Dona Joana de Trastâmara, Infanta de Leão e Castela, filha de Henrique IV, sobrinha do rei de Portugal, apelidada de Beltraneja pela má-língua da corte vizinha, que a considerava fruto da relação adúltera de sua mãe com o fidalgo Beltran de la Cueva.
No conflito entre Dona Joana e a sua meia-irmã Isabel, que veio a ser a Rainha Católica, D. Afonso V, viúvo, tomou o partido da Excelente Senhora, nome que lhe deu e que a posteridade registou, e casou com ela no lugar de Plasencia, em Maio de 1475, um ano antes da batalha de Toro, de má memória para o rei, apesar da vitória do príncipe.
Pressionado pelos
Reis Católicos, potência emergente da Cristandade numa altura em que o cardeal Alpedrinha ainda não pontificava na cúria romana, o papa nunca reconheceu o casamento, e Dona Joana acabou confinada à clausura num convento, na sequência do Tratado das Alcáçovas, que punha termo à pretensão do rei português de ocupar o trono de Castela.
D. Diogo Ortiz Vilhegas integrava o séquito da triste rainha. Chamavam-lhe Calçadilha, por ter nascido na localidade com esse nome, perto de Lerena, no reino de Leão. Nomeado bispo de Ceuta e, mais tarde, de Viseu, profundo conhecedor de cosmografia, tornou-se conselheiro de D. João II. Na qualidade de cosmógrafo do rei, recebeu Cristóvão Colombo e não acreditou no êxito da missão que o navegador propunha ao rei português. Entusiasta da grande aventura da descoberta do reino do Preste João, é ele quem dá instruções e aconselhamento a Pêro da Covilhã e a Afonso de Paiva antes do início da viagem pelas sete partidas.
Pregador eloquente, integra o círculo mais íntimo da Rainha Dona Leonor, durante algum tempo seu confessor e deão da sua capela. Ao lado da Rainha, benze solenemente o Convento das Clarissa em Setúbal no ano de 1492.
Entre a infinidade de relíquias sagradas pertencentes a Dona Leonor, havia uma envolta em mistério, porque, ao que se dizia na corte, havia pertencido a el rei D. Duarte e fora secretamente entregue à rainha por um idoso incógnito. Tratava-se de um espinho da coroa de Cristo.
Rezava a rainha no seu oratório com o seu confessor da época, Frei Afonso de Portugal, frade franciscano, quando o bom frade se ergueu para ver a o espinho, do qual jorravam duas gotas de sangue. No alvoroço que se segue, é D. Diogo
Ortiz, então bispo de Viseu, que na sua qualidade de dignitário eclesiástico confirma o milagre, logo atestado em escritura lavrada pelo notário apostólico, Gomes Vaz, na qual se certificava que «… em um espinho seu de tantos mil anos nosso senhor quis mostrar o seu sangue precioso que lavou nossos pecados…».
Para além da sua f
ama de cosmógrafo, D. Diogo Ortiz foi um eminente teólogo, autor do “Cathecismo Pequeno”, tendo ainda composto uma obra sobre a paixão de Cristo, intitulada “Historia passionis Domini Jesu, ex quatuor in unum”.
Nos seus ensinamentos de catequese, resume os deveres dos pais a quatro conceitos: “mantimentos, doutrina, castigo e bons exemplos”. No que se refere ao adultério, considera que a mulher que o pratica comete três pecados: “sacrilégio, traição e furto”. Já no que se refere ao marido, é mais branda a censura, por considerar que se limita a deixar-se vencer pela tentação.
D. Diogo Ortiz era um dos poucos fiéis servidores que permaneciam à cabeceira de el-rei D. João II no momento da sua morte solitária no Alvor, segundo nos dá conta Garcia de Resende. O mesmo cronista informa que em 1499, aquando da trasladação para o Mosteiro da Batalha do corpo do rei, encontrado incorruptível quatro anos depois do seu falecimento, é D. Diogo Ortiz quem profere o elogio fúnebre do monarca e o declara santo. Mas essa é outra história, que nos relata João d’Óbidos na obra “Príncipe Perfeito – Rei Pelicano, Coruja e Falcão”.































