“Poesia. Literatura. Canção; Intervenção Cívica e Arte”. Foi este o tema que trouxe o vocalista dos UHF, António Manuel Ribeiro, ás Caldas da Rainha para participar no encontro mensal “21 ás 21”, promovido pela Associação MVC-Movimento Viver o conselho. A sala encheu-se, a 21 de Abril, para ouvir um cantor-poeta que ao longo da sua vida escolheu ter uma posição política interventiva, dentro ou fora do sistema partidário. O cantor recordou a vinda do seu grupo às Caldas para tocar nun concerto a favor da Infacoop que teve lugar em 1979, na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro. Os UHF actuaram durante três horas em palco quando só tinha repertório para uma, numa noite memorável onde participaram famílias caldenses, quando a solidariedade era o mote principal de muitos espectáculos.
Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt
Corriam os primeiros anos da década de 70 e já António Ribeiro comprava discos proibidos na sua terra natal, Almada. Logo no início da sessão revelou como foi difícil conseguir “Os Sobreviventes”, o primeiro álbum de Sérgio Godinho, numa das discotecas locais. O proprietário da Alma Danada, a discoteca, nunca o tinha visto e por isso o ainda jovem teve que pedir três vezes que lhe fosse vendido este disco, então proibido. “Custou-me 150 escudos [75 cêntimos], o que na altura era uma pipa de massa, mas eu tinha-o guardado para o ter!!”, contou o orador, recordando que os discos de artistas como Luís Cília, Zeca Afonso, ou Adriano Correia de Oliveira “eram postos à venda ao meio dia nas lojas e à uma da tarde estavam a ser retirados pois eram proibidos naqueles últimos dias de ditadura”. O cantor e compositor partilhou que lê de forma voraz, hábito que cultiva desde criança. E depois de ter revelado alguns dos seus autores de eleição – como Daniel Silva e Rentes de Carvalho – António Manuel Ribeiro deu a conhecer que releu recentemente “Os Maias” de Eça de Queirós, tendo achado a obra totalmente actual. “A grande diferença talvez esteja nos carros!”, disse, acrescentando que também se chega a Sintra de forma mais rápida do que em oitocentos. “No resto estamos na mesma!”, reforçou.
RADICALISMO UNIVERSITÁRIO NO PÓS-REVOLUÇÃO
António Ribeiro conta que sempre se preocupou em ter uma intervenção cívica e quando frequentava a Faculdade de Direito deixou-se impressionar por alguma acção da esquerda radical de então onde pontuavam Durão Barroso e Arnaldo Matos. O uso de violência e a forma de agir como se fosse normal fazer “guerras campais” na universidade, após a Revolução dos Cravos, acabaram por ditar uma mudança de universidade. Cansado dos tumultos, o cantor mudou-se para o curso de Letras, numa altura em que o primeiro ano se fazia por passagem administrativa “já que era considerado burguês não passar de ano”. A nível político, António Manuel Ribeiro foi uma presença constante na Assembleia Municipal de Almada como independente e também acreditou em vários homens e nas suas campanhas. A primeira foi a de Mário Soares e também diz que se deixou encantar por António Guterres, sobretudo pela forma como apoiou a sua primeira mulher, que acabou por falecer, vítima de doença prolongada. Já em 2005 “falaram-me ao ouvido na candidatura de Manuel Alegre e eu aceitei participar. Na primeira apenas”, contou o vocalista. Mais tarde foi apoiante da candidatura de Fernando Nobre e finalmente na de Paulo Morais, ambos candidatos independentes à Presidência da República, sem o apoio das máquinas partidárias. “Foi quando o vi a afirmar na internet, na Assembleia da República que aquela era a casa da Corrupção, que decidi dar-lhe o meu apoio”, disse o cantor, acrescentando que era esta é a sua forma de intervir e de tomar posição. António Manuel Ribeiro, além de músico também edita livros de poesia e contou na sessão que no início da carreira da sua banda teve algumas canções que foram menosprezadas e só passavam a desoras, mesmo depois do 25 de Abril. E porquê? “Porque se referiam a temas difíceis”, disse o convidado. A primeira canção dos UHF, “O Jorge Morreu” não era bem cotada porque abordava o tema das drogas duras. Também “Fim de Vida” não reunia bons créditos pois referia-se a um suicídio muito dramático que teve por base factos reais. “Chamem-me Narciso” também era uma canção mal vista “porque falava do Sexo dos Anjos” e por fim “Na tua Cama” pois continha a expressão “fui de rapaz até homem”, explicou o cantor-poeta. O mais conhecido rosto dos UHF diz que quem ouve o grupo tem entre os oito e os 80 anos. E contou com orgulho que gosta de conhecer fãs dos UHF que lhe dizem que conheceram as suas mulheres num dos seus concertos e que foi ao som das suas canções que lhes deram o primeiro beijo. O cantor ainda se lembrou de um concerto que fez nas Caldas no seu início da carreira. Foi na passagem de ano de 1979 para 1980 e a banda actuou a favor da Infancoop. O concerto durou três horas quando, na verdade, a banda de “Cavalos de Corrida” só tinha repertório para uma. Recordou que o concerto foi assistido por várias famílias, satisfeitas para assistir ao concerto e à boa disposição do grupo que repetiu o seu repertório três vezes. E quando alguém partilhava com o músico os grandes concertos dos Beatles em Hamburgo que durava seis horas em palco, nos anos 60, ele pensa sempre que viveu algo muito parecido nas Caldas da Rainha.































