
António Barreto foi o último convidado para um café literário da Livraria 107, depois deste estabelecimento ter encerrado em Setembro. O CCC foi o local do último encontro organizado pela proprietária da livraria, Isabel Castanheira, numa sessão muito participada que teve lugar a 19 de Novembro.
“Sinto-me hoje como quem está à beira de fechar um livro cujas páginas foram sendo escritas ao longo de 35 anos”, comentou Isabel Castanheira, a livreira que se viu forçada a dar por terminado o seu sonho.
“Páginas palpitantes de aventuras muitas vezes, marcadas pelo drama aqui e acolá, enriquecidas, inesperadamente, por apontamentos de poesia, coloridas por uma ou outra ilustração”, continuou. “Eis como se preencheram as páginas com as quais se fez este livro imaginário, a minha obra de referência”.
Para Isabel Castanheira foram 35 anos de alegrias, mas também de tristezas, que enfrentou com “determinação e alguma teimosia à mistura, mas sempre com o cuidado de manter as páginas abertas para partilha de leituras com a cidade”.A livreira expressou o seu “profundo agradecimento a todos os que comigo partilharam a escrita e a leitura deste livro, que tem o nome de 107”. Um agradecimento dirigido a todos, em particular aos seus leitores e ao café Pópulus, que recebeu os primeiros cafés literários, e ao CCC.
O director do CCC, Carlos Mota, também fez questão de evidenciar o trabalho de Isabel Castanheira por “tudo o que proporcionou aos caldenses”.
Carlos Mota lamentou mais um encerramento de uma livraria em Portugal, destacando a importância que esta tinha para as Caldas da Rainha como local de cultura. “Vamos ver que falta vai fazer no futuro esta livraria”, disse.
Também António Barreto se manifestou triste por a Livraria 107, que já conhecia há 20 anos, ter encerrado as suas portas. “É terrível ver fechar uma livraria. É qualquer coisa que morre, mesmo”, disse.
António Barreto é o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, do grupo Jerónimo Martins, através da qual têm sido editados pequenos livros com ensaios sobre os mais diversos temas. Estas publicações têm a particularidade de serem vendidos no Pingo Doce, os supermercados do grupo.
Segundo António Barreto, a opção de se fazer uma edição com uma grande tiragem e vender os livros nos supermercados, tornou possível que estes fossem vendidos mais baratos. “Num ano vendemos 340 mil volumes. Fiquei absolutamente surpreendido e espantado”, disse.
Com isso aprendeu que para levar as ideias às pessoas era necessário que os livros fossem acessíveis economicamente e que estejam à venda nos locais que as pessoas frequentam. “Digo isto com pena porque há um clima especial nas livrarias”, concluiu.
“A crise reduz a nossa autonomia de decisão”

António Barreto considera que a situação das finanças públicas é o problema mais grave, no imediato, no país. “As consequências são terríveis porque reduz a nossa independência e a nossa autonomia de decisão, e condiciona fortemente a vida política”, referiu.
Deu como exemplo o caso da Grécia e Itália que têm agora primeiros-ministros que não foram eleitos democraticamente. “Podem ser muito competentes, mas ser primeiro-ministro é um gesto político porque depende do soberano que é o povo”, salientou.
Para além disso, a crise das finanças públicas “ameaça seriamente o nosso estado de protecção social, que tem vindo a ser reduzido”.
António Barreto lembrou que há vários anos havia quem, como Medina Carreira e Silva Lopes, alertavam para o facto de “caminharmos para um desastre” sem que ninguém acreditasse. “As pessoas agora já começaram a perceber que estes anos vão ser muito difíceis”.
Para o sociólogo, sair do euro não será solução. “Se Portugal sair do euro, cada um de nós perderá 30% ou 40% do total do seu rendimento, pelo desencadear de reacções em cadeia que se irão suceder”, considera.
Embora não seja economista, lembrou todas as questões que envolveram a crise financeira mundial e que levaram à situação actual. No entanto, sublinhou que também houve responsabilidades internas em Portugal. “A maneira como as nossas finanças públicas foram conduzidas nos últimos 10 anos demonstra que houve muitas responsabilidades internas. Houve muita demagogia e muitos gastos que não deveriam ter sido feitos ou que deveriam ter sido adiados”, afirmou.
António Barreto não concorda que se diga que todos são culpados porque isso é desresponsabilizar os responsáveis. “Há pessoas, governos e partidos que têm responsabilidades sociais”, disse. E é por isso que acha que devem ser apuradas responsabilidades para que no futuro se possam evitar os mesmos erros.
Para o sociólogo, “só com as finanças em ordem é que vamos conseguir algum desenvolvimento”, mas tem dúvidas que isso possa acontecer nos próximos dois a três anos. “Vai ser preciso conter, cortar, moderar e sobretudo lutar contra o desperdício”, disse, sugerindo também que haja uma convergência entre partidos como aconteceu no Bloco Central, na década de 80. “Seria um sinal para Portugal e para o exterior”, entende.
Para terminar, António Barreto aconselhou os governantes adarem toda a informação aos portugueses. “A melhor política em tempo de crise é dizer o que está a ser feito, porquê e quais as expectativas para o futuro. Expliquem expliquem, expliquem”.
Ricardo Felner: “Os primeiros livros que li foram comprados na 107”
A despedida da Livraria Loja 107 incluiu outra tertúlia com o jornalista caldense Ricardo Felner. A apresentação de “Herói no Vermelho”, no final de Outubro, não poderia ter corrido melhor. O café-concerto do CCC encheu-se de gente – sobretudo de amigos e família do autor – mas na plateia estiveram também colegas jornalistas que vieram assistir à apresentação desta obra, a terceira do autor que é o seu primeiro romance.
O livro foi apresentado por Isabel Castanheira que sublinhou a atitude do autor, já que Ricardo Felner apesar de ter tido conhecimento da particular situação vivida pela Livraria, quis que fosse a Loja 107 a promover a apresentação do seu livro. Para Isabel Castanheira “mais do que um acto de confiança, foi um acto de carinho que senti de um modo muito especial”.
“Herói no Vermelho” parte de uma agressão cometida à modelo e actriz de sucesso Sofia Olsten, barbaramente agredida por um gangue de delinquentes dos subúrbios. De repente, a vida desta mulher sofisticada torna-se num pesadelo psicológico, jurídico e político. Vale-lhe apenas a cumplicidade de Ernesto Valdez e do seu colega Jonathan Mauzinho, dupla mítica de inspectores da PJ, que só investiga os processos mais importantes da nação. No meio da história há um ministro e um primeiro-ministro ardilosos, um jornalista afoito e uma procuradora cautelosa. Isabel Castanheira considera que o autor construiu uma boa trama onde se cruzam, polícias, artistas, políticos e assassinos. “Herói no Vermelho” é para a livreira “o resultado de um olhar atento sobre uma sociedade de grandes contrastes e de acentuadas clivagens sociais e económicas em que crescem frustrações e a violência gratuita tende a instalar-se”.
Isabel Castanheira, que recomendou a leitura da obra, ainda se questionou se a “é a realidade o que nos rodeia e a ficção o que está escrito, ou há uma simbiose entre o imaginado e o real e a escrita é o relato de uma verdade?”.
Ricardo Felner, que passou a sua infância e juventude nas Caldas, fez questão de referir que os primeiros livros que leu vieram da Livraria 107. O autor lamentou o fim da livraria, sobretudo por causa da sua mentora, Isabel Castanheira “que é alguém que ama os livros”.
Há 12 anos que Ricardo Felner é jornalista e actualmente está a trabalhar na revista Sábado, após ter trabalhado vários anos no jornal Público. Para o autor, em Portugal, “os jornalistas de investigação não são reconhecidos”.
Ricardo Felner referiu José António Cerejo como o melhor jornalista de investigação do país e mencionou autores americanos que o influenciaram, como Thomas Wolfe e Truman Capote.
Foi um verdadeiro prazer ter apresentado o livro na minha terra, no local onde escrevi as primeiras linhas, na Gazeta das Caldas.
Prémio da Melhor Livreira da APEL para Isabel Castanheira
Foi durante a realização do Congresso do Livro 2011, na Praia da Vitória, na Ilha Terceira (Açores), no final de Outubro, que foi entregue a Isabel Castanheira o prémio de Melhor Livreira de 2011.
Tratou-se de um evento da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros) que atribuiu outras distinções. O Prémio Jornalista distinguiu Paula Moura Pinheiro, da RTP2, pelo seu trabalho de divulgação na televisão, enquanto que o Prémio Carreira foi entregue ao único agente literário português, Ilídio Matos.
No seu discurso, muito aplaudido no final, a caldense deu a conhecer que foi responsável por uma pequena livraria durante 35 anos onde “pude concretizar, com êxito, um projecto que tinha por base um gosto de sempre, o profundo amor pelos livros”.
A livreira contou aos presentes que o seu negócio encerrou em Setembro “porque a isso fui obrigada por força de vários factores condicionantes desta especifica actividade e altamente prejudiciais ao normal funcionamento de uma livraria com as características da minha”.
Alem da crise, o que afectou e ditou o encerramento da livraria foi “a brutal concorrência escudada no total desregulamento da comercialização do livro”.
Na sua opinião, as livrarias “não podem concorrer com as condições de oferta praticadas pelas grandes cadeias de distribuição, pelos grupos livreiros, pelas vendas on-line, nos Correios, nas feiras e feirinhas, em bombas de gasolina, pelas vendas levadas a cabo pelas próprias editoras, etc”.
A sessão de encerramento foi presidida pelo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.






























