
O livro de poesia “A Grua” é o mais recente trabalho de Henrique Bento Fialho, autor natural de Rio Maior que reside nas Caldas da Rainha há mais de 15 anos. Esta obra tem o carimbo da volta d’mar (editora da Nazaré) e foi apresentada no dia 18 de Março na sala-estúdio do Teatro da Rainha.
“Não é por acaso que a apresentação está a ser feita no Teatro da Rainha”, adiantou Henrique Bento Fialho, esclarecendo que a inspiração para escrever o seu mais recente livro surgiu precisamente da releitura de textos de Samuel Beckett que foram postos em cena por esta companhia de teatro.
O sujeito do poema-sequência (divido em 20 estâncias) que percorre todo o livro foi também influenciado pelo personagem principal do filme “Fragmentos de Um Filme Esmola, A Sagrada Família”, de João César Monteiro. “Chama-se João Lucas e é um tipo bizarro que está sempre na cama, não quer fazer nada, como se estivesse autoexilado”, contou Henrique Fialho, acrescentando que este personagem continua actual apesar do filme ter sido rodado entre 1972 e 1977. “Sobretudo quando consideramos os artistas que têm que ser teimosos e obstinados para fazerem algo para além daquilo a que estão condenados – uma vida casa-trabalho-trabalho-casa – pois não têm os apoios e incentivos necessários”, explicou. Pois bem, também na obra de Henrique Fialho surge um indivíduo que está sempre em casa, que se vai enfiando pelos lençóis, identificando-se cada dia mais com uma grua que vê através da janela do seu quarto. Ambos estão parados, saturados, cansados.
O texto deste livro está constantemente voltado para o cenário da rua, desde logo a começar pela sua capa: uma fotografia captada pelo próprio autor, da janela da sua casa, num amanhecer antes das sete horas. Na imagem surge uma grua, que Henrique Fialho vê todos os dias.
“Disse a mim mesmo que esta gruta tinha que ter um seguimento, então resolvi escrever um poema sequência, algo que não fazia há bastante tempo pois a maioria dos meus poemas são ocasionais”, contou o escritor, acrescentando que na sua opinião a poesia só faz sentido se tiver uma componente de testemunho. Isto é, como se o autor fosse uma espécie de filtro da realidade e pusesse em palavras aquilo que dela absorveu.
Henrique Fialho diz mesmo que a poesia até pode ter uma componente política. “Há muita gente que não gosta desta associação, mas eu acho que até pode ser uma forma de se fazer política mais nobre que aquela que vemos diariamente nos partidos”, defendeu, reconhecendo que os seus textos estão inevitavelmente ligados à actualidade, embora faça um esforço para não sejam datados e não percam o sentido se lidos daqui a algum tempo.
UM LIVRO MUITO VISUAL
Maria João Fernandes foi a convidada do escritor para apresentar “A Grua”, descrevendo-a como uma obra “com uma forte carga imagética que confere um carácter dramático ao longo do texto”. Esta artista plástica foi também a autora da pintura que esteve na origem da capa de “A Dança das Feridas”, outro livro de Henrique Fialho.
Para Maria João Fernandes existem encontros entre a poesia e a pintura e “A Grua” é exemplo disso. “Quando um poema ou uma pintura são bons provocam-nos ressonâncias interiores, como se os ficássemos a digerir. Queremos lembrar-nos ou dos seus versos ou da sua imagem”, explicou a artista, revelando que chegou a decorar vários versos deste livro.
“A Grua” é um texto que se inicia com uma paisagem melancólica: uma grua desactivada numa obra embargada é observada por um sujeito que reflecte sobre o passado útil daquela máquina que foi silenciada pela falência dos construtores. A mesma grua tanto serve para um enforcamento – que causa na população uma reacção semelhante ao movimento “Je Suis Charlie” com inúmeras fotografias e comentários partilhados nas redes sociais – como para uma cegonha construir o seu ninho. Uma grua que é morte e vida.
O poema-sequência desenrola-se e entra num universo onírico em que o sujeito poético sonha com aquela grua, desencadeando-se um diálogo interior em que este se projecta na paisagem quotidiana que observa desde o seu quarto: o que será que se esconde naquela obra embargada? Um sem abrigo faz a cama com caixas de cartão, um gato caçou um rato, um casal fez amor pela primeira vez, um cão abrigou-se da tempestade, um grupo de amigos fumou uns charros ou dois artistas plásticos escolheram material para uma instalação são algumas das possibilidades.
Entretanto a grua também provoca no sujeito a reflexão sobre o cosmos, a geometria e a falência dos teoremas. Há ainda um poema sobre o peso das palavras, enquanto na última estância nos apercebemos que houve a fusão entre o indivíduo e aquela grua: ambos fraquejam em conjunto num final que fica em aberto.
“A Grua” é o segundo livro de Henrique Fialho editado pela volta d’mar, depois de “Rogil” em 2012. Presentes na apresentação estiveram ainda o editor Mário Galego e Fernando Mora Ramos, director artístico do Teatro da Rainha.






























