O sol entrava pelas janelas rasgadas que davam para o Parque das Faianças.
Várias mesas compridas de madeira ocupavam grande parte da vasta sala onde Bordalo, os seus operários e aprendizes, trabalhavam o barro. Uns modelavam flores e frutos, outros, lagostas, caranguejos amêijoas.
Na mesa logo ao lado, outros operários ocupavam-se na modelação de jarras e moringues.
Bordalo Pinheiro, vestido com a sua habitual grande bata de linho branco, andava de mesa em mesa, chamando a atenção para pequenos pormenores, corrigindo indiscretas imperfeições, com a imensa paciência do mestre que partilha os seus saberes com os aprendizes. E as obras surgiam. E como que por um toque de magia, aquelas mesas ganhavam vida e quase que podíamos ver dançando sobre elas a Maria da Paciência entrelaçada nos braços do Padre cheirando rapé, enquanto que se ouvia o bater dos chinelos da Ovarina, correndo atrás das lagostas, dos caranguejos e das amêijoas.
Enquanto isso, os lagartos e as lagartixas nasciam das suas formas e abriam os seus pequenos olhos para o mundo.
Abriu-se a porta; e eis que surge Alfredo Pinto (Sacavém) com o intuito de vir dar dois dedos de conversa com o Mestre. Era portador de novidades. Chegado de Lisboa, trazia o recado de que os amigos de Rafael exigiam a sua presença em Lisboa para uma jantarada no Martinho.
Alfredo Pinto, jornalista e crítico musical, segundo filho do 1.º Visconde de Sacavém, figura habituée nas temporadas sociais caldenses, divulgador das belezas locais, era um admirador profundo da obra bordaliana.
Bordalo deu as boas vindas ao amigo e disse em voz alta “Já agora não trabalho mais; vamos cear! Vamos fumar e rir!”
E lá saíram os dois de braço dado, envoltos numa nuvem de fumo, enquanto que ao lado de Bordalo caminhava o seu gato favorito, seu companheiro artístico…
Anos mais tarde, em 1915, Alfredo Pinto, em preito de homenagem publicou um pequeno livro dedicado ao seu amigo Rafael Bordalo Pinheiro. A capa desenhada por Francisco Valença, apresenta-nos uma Zé Povinho erguendo o chapéu a Bordalo, enquanto que um gato mandreia deitado sobre os volumes da obra gráfica de Bordalo. Ao cimo, uma Maria dos pontos nos ii planeia sobre a cena desenhada.
Ao longo de 16 páginas é prestada uma sentida homenagem à amizade e um grande respeito pela obra do homem que a partir de um recanto das Caldas construiu uma obra que de barro feita, veio a transformar-se num ícone da cidade.
Nota: Rafael Bordalo Pinheiro, por Alfredo Pinto (Sacavém), Tipografia da Livraria Ferin, Torres & Cia., Rua Nova do Almada, 74, Lisboa. Capa ilustrada por Francisco Valença.
Isabel Castanheira,
acompanhada da Maria dos Pontos nos ii































